sábado, 31 de maio de 2014
6TH INTERNATIONAL CARTOON BERLIN 2015
.Tema: espionagem global.
.Até 3 cartuns por participante. Trabalhos: mínimo de 500 KB, máximo de 25 MB.
.Prazo fatal de envio: 15.03.2015. Remessa exclusivamente no formato digital. Aqui.
JB, O PODER E O PODER DA MÍDIA
"Joaquim Barbosa foi o primeiro negro a assumir uma cadeira no STF. Não foi o primeiro a protagonizar um bate-boca no Tribunal, mas certamente foi o primeiro a ser filmado fazendo isto. Foi o primeiro negro a presidir a Corte e também o que mais irritou a comunidade jurídica em razão de seu autoritarismo e incontinência verbal.
Sua ascensão meteórica, alavancada pelo apoio que granjeou na mídia ao aceitar a protelação do mensalão tucano (mais antigo) e julgar com rigor exagerado o mensalão petista, o transformou em candidato presidencial em potencial. Durante algum tempo ele pareceu alimentar a ideia. Mas quando a rejeitou de maneira inequívoca, Joaquim Barbosa desagradou bastante a mídia brasileira (que parece estar sempre à procura de um salvador da pátria que possa ser manipulado).
JB não se notabilizou pelas posições confortáveis. Mas as polêmicas jurídicas que criou não acrescentaram brilho à administração da justiça no Brasil. Digo isto pensando especialmente no mau uso que ele fez da teoria do domínio do fato para condenar petistas sem provas e apesar da presunção constitucional de inocência que eles deveriam gozar. Sob seu comando o STF passou a ser pautado pela imprensa, que adora exercer um poder político absoluto e extraconstitucional que não lhe foi atribuído pela CF/88.
A mesma imprensa que elevou JB derrubou D. Pedro I, exilou D. Pedro II, matou Getúlio Vargas e depôs João Goulart. O que teria ocorrido ao “menino pobre que salvou o Brasil” se ele tivesse escolhido aplicar serenamente a Lei no caso do mensalão petista? JB não caiu porque não tinha o apoio da imprensa. A julgar por algumas manchetes de jornal ele ainda o tem ao abandonar o STF. A imprensa poderia dizer que lhe faltou a fibra e o destemor de Ricardo Lewandowski, ministro que foi intensa e cruelmente hostilizado pelos jornalistas durante o julgamento do mensalão. Preferiu transformá-lo em vítima. Há um racismo sutil e estilizado na conduta da mídia.
No momento de sua queda, JB é tratado não como o “menino pobre que mudou o Brasil” e sim como o “menino negro” cujo pirulito foi roubado depois de algumas lambidas. A indignação hipócrita neste caso mal esconde o ódio que a imprensa devota a todos os que não se prestam a fazer o que os jornalistas desejam (José Dirceu e José Genoino que o digam). JB andou pelo tapete vermelho e recusou a coroação. Antes de concluir a tarefa que lhe foi atribuída pela imprensa (perseguir implacavelmente os petistas enquanto os mensaleiros tucanos não seriam incomodados), o negro aposentou-se mais cedo. Cedeu às “forças ocultas”, dizem alguns jornalistas. Duvido muito, pois se tivesse cedido teria ficado no cargo até o fim e quem sabe até disputado a presidência como um teleguiado das 7 famílias midiáticas.
A renúncia de JB pode ser interpretada como um ato de traição à mídia? Sim e não. Sim, porque ao deixar o palco ele terá que ser esquecido. JB não virará estrela, apenas paradigma. Doravante, toda e qualquer decisão que não seja truculenta e beneficie os réus do mensalão arrancará suspiros e recordações dos tempos gloriosos em que o “juiz negro” tratava os bandidos com rigor carcerário. Não, porque após três derrotas evidentes em eleições presidenciais a imprensa brasileira talvez já tenha percebido que não pode mais controlar sozinha a democracia brasileira. Isto explica os arroubos autoritários e saudosismos da ditadura que fazem eco cá e lá. O contexto não é muito favorável a soluções ditatoriais. Se apostar num golpe a própria imprensa será mortalmente golpeada.
Talvez JB, que é suficientemente inteligente, tenha percebido o risco de se render totalmente ao canto da sereia midiática. Nesse sentido, sua renúncia pode ser interpretada como um ato digno. Ele não sai do STF para entrar na História. Ele entra na História porque saiu do Tribunal possibilitando que a Corte Constitucional recupere sua moderação, sua independência da mídia e, sobretudo, sua vocação para cumprir e fazer cumprir uma boa constituição."
(Por Fábio de Oliveira Ribeiro, no jornal GGN, aqui.
O fato é que a mídia, mesmo após a anunciada saída do ministro, continuará influenciando o universo jurídico e político brasileiro. Todos sabem o que deve ser feito para o atendimento da recomendação expressa no artigo 220 da CF, consistente na inadmissibilidade de monopólio e oligopólio nos meios de comunicação. A mídia sabe perfeitamente quem será capaz de realizar tal intento. Daí o empenho redobrado no sentido de que a reeleição não aconteça).
SOBRE SENTIR VERGONHA DO BRASIL
"Ao contrário de alguns, não sinto nenhuma vergonha do meu país.
Não sinto vergonha dos 36 milhões de brasileiros que conseguiram sair daquilo que Gandhi chamava de a "pior forma de violência", a miséria.
Agora, eles podem sonhar mais e fazer mais. Tornaram-se cidadãos mais livres e críticos. Isso é muito bom para eles e muito melhor para o Brasil, que fica mais justo e fortalecido. E isso é também muito bom para mim, embora eu não me beneficie diretamente desses programas. Me agrada viver em um país que hoje é um pouco mais justo do que era no passado.
Também não sinto vergonha dos 42 milhões de brasileiros que, nos últimos 10 anos, ascenderam à classe média, ou à nova classe trabalhadora, como queiram.
Eles dinamizaram o mercado de consumo de massa brasileiro e fortaleceram bastante a nossa economia. Graças a eles, o Brasil enfrenta, em condições bem melhores que no passado, a pior crise mundial desde 1929. Graças a eles, o Brasil está mais próspero, mais sólido e menos desigual. Ao contrário de alguns, não me ressinto dessa extraordinária ascensão social. Sinto-me feliz em tê-los ao meu lado nos aeroportos e em outros lugares antes reservados a uma pequena minoria. Sei que, com eles, o Brasil pode voar mais alto.
Não tenho vergonha nenhuma das obras da Copa, mesmo que algumas tenham atrasado. Em sua maioria, são obras que apenas foram aceleradas pela Copa. São, na realidade, obras de mobilidade urbana e de aperfeiçoamento geral da infraestrutura que melhorarão a vida de milhões de brasileiros.
Estive no aeroporto de Brasília e fiquei muito bem impressionado com os novos terminais e com a nova facilidade de acesso ao local. Mesmo os novos estádios, que não consumiram um centavo sequer do orçamento, impressionam. Lembro-me de velhos estádios imundos, inseguros, desconfortáveis e caindo aos pedaços. Me agrada saber que, agora, os torcedores vão ter a sua disposição estádios decentes. Acho que eles merecem. Me agrada ainda mais saber que tido isso vem sendo construído com um gasto efetivo que representa somente uma pequena fração do que é investido em Saúde e Educação. Gostaria, é claro, que todas as obras do Brasil fossem muito bem planejadas e executadas. Que não houvesse aditivos, atrasos, superfaturamentos e goteiras. Prefiro, no entanto, ver o Brasil em obras que voltar ao passado do país que não tinha obras estruturantes, e tampouco perspectivas de melhorar.
Tranquiliza-me saber que o Brasil tem um sistema de saúde público, ainda que falho e com grandes limitações. Já usei hospitais públicos e, mesmo com todas as deficiências do atendimento, sai de lá curado e sem ter gasto um centavo. Centenas de milhares de brasileiros fazem a mesma coisa todos os anos. Cerca de 50 milhões de norte-americanos, habitantes da maior economia do planeta e que não têm plano de saúde, não podem fazer a mesma coisa, pois lá não há saúde pública. Obama, a muito custo, está encontrando uma solução para essa vergonha. Gostaria, é óbvio, que o SUS fosse igual ao sistema de saúde pública da França ou de Cuba. Porém, sinto muito orgulho do Mais Médicos, um programa que vem levando atendimento básico à saúde a milhões de brasileiros que vivem em regiões pobres e muito isoladas. Sinto alívio em saber que, na hora da dor e da doença, agora eles vão ter a quem recorrer. Sinto orgulho, mas muito orgulho mesmo, desses médicos que colocam a solidariedade acima da mercantilização da medicina.
Estou também muito orgulhoso de programas como o Prouni, o Reuni, o Fies, o Enem e os das cotas, que estão abrindo as portas das universidades para os mais pobres, os afrodescendentes e os egressos da escola pública.
Tenho uma sobrinha extremamente talentosa que mora nos EUA e que conseguiu a façanha de ser aceita, com facilidade, nas três melhores universidades daquele país. Mas ela vai ter de estudar numa universidade de segunda linha, pois a família, muito afetada pela recessão, não tem condição de pagar os custos escorchantes de uma universidade de ponta. Acho isso uma vergonha.
Não quero isso para o meu país. Alfabetizei-me e fiz minha graduação e meu mestrado em instituições públicas brasileiras. Quero que todos os brasileiros possam ter as oportunidades que eu tive. Por isso, aplaudo a duplicação das vagas nas universidades federais, a triplicação do número de institutos e escolas técnicas, o Pronatec, o maior programa de ensino profissionalizante do país, o programa de creches e pré-escolas e o Ciência Sem Fronteiras. Gostaria, é claro, que a nossa educação pública já fosse igual à da Finlândia, mas reconheço que esses programas estão, aos poucos, construindo um sistema de educação universal e de qualidade.
Tenho imenso orgulho da Petrobras, a maior e mais bem-sucedida empresa brasileira, que agora é vergonhosamente atacada por motivos eleitoreiros e pelos interesses daqueles que querem botar a mão no pré-sal. Nos últimos 10 anos, a Petrobras, que fora muito fragilizada e ameaçada de privatização, se fortaleceu bastante, passando de um valor de cerca de R$ 30 bilhões para R$ 184 bilhões. Não bastasse, descobriu o pré-sal, nosso passaporte para o futuro.
Isso seria motivo de orgulho para qualquer empresa e para qualquer país. Orgulha ainda mais, porém, o fato de que agora, ao contrário do que acontecia no passado, a Petrobras dinamiza a indústria naval e toda a cadeia de petróleo, demandando bens e serviços no Brasil e gerando emprego e renda aqui; não em Cingapura. Vergonha era a Petrobrax. Pasadena pode ter sido um erro de cálculo, mas a Petrobrax era um crime premeditado.
Vejo, com satisfação, que hoje a Polícia Federal, o Ministério Público, a CGU e outros órgãos de controle estão bastante fortalecidos e atuam com muita desenvoltura contra a corrupção e outros desmandos administrativos. Sei que hoje posso, com base na Lei da Transparência, demandar qualquer informação a todo órgão público. Isso me faz sentir mais cidadão. Estamos já muito longe da vergonha dos tempos do "engavetador-geral". Um tempo constrangedor e opaco em que se engavetavam milhares processos e não se investigava nada de significativo.
Também já se foram os idos vergonhosos em que tínhamos que mendigar dinheiro ao FMI, o qual nos impunha um receituário indigesto que aumentava o desemprego e diminuía salários. Hoje, somos credores do FMI e um país muito respeitado e cortejado em nível mundial. E nenhum representante nosso se submete mais à humilhação de ficar tirando sapatos em aeroportos. Sinto orgulho desse país mais forte e soberano.
Um país que, mesmo em meio à pior recessão mundial desde 1929, consegue alcançar as suas menores taxas de desemprego, aumentar o salário mínimo em 72% e prosseguir firme na redução de suas desigualdades e na eliminação da pobreza extrema.
Sinto alegria com esse Brasil que não mais sacrifica seus trabalhadores para combater as crises econômicas.
Acho que não dá para deixar de se orgulhar desse novo país mais justo igualitário e forte que está surgindo. Não é ainda o país dos meus sonhos, nem o país dos sonhos de ninguém. Mas já é um país que já nos permite sonhar com dias bem melhores para todos os brasileiros. Um país que está no rumo correto do desenvolvimento com distribuição de renda e eliminação da pobreza. Um país que não quer mais a volta dos pesadelos do passado.
Esse novo país mal começou. Sei bem que ainda há muito por que se indignar no Brasil.
E é bom manter essa chama da indignação acesa. Foi ela que nos trouxe até aqui e é ela que nos vai levar a tempos bem melhores. Enquanto houver um só brasileiro injustiçado e tolhido em seus direitos, todos temos de nos indignar.
Mas sentir vergonha do próprio país, nunca. Isso é coisa de gente sem-vergonha."
(De Marcelo Zero, formado em Ciências Sociais pela UNB, na revista IstoÉ, aqui.
Os comentários de leitores são bem diversificados, conforme se pode ver também aqui. Em linhas gerais, concordo com Marcelo, mas discordo do contido no final do texto. A divergência de opinião é um dos pilares da democracia).
sexta-feira, 30 de maio de 2014
BRASIL: PIB 2013 ELEVADO PARA 2,5%
Com revisão, PIB tem avanço de 2,5% em 2013
Por Vitor Abdala, da Agência Brasil
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revisou nesta sexta-feira 30 o Produto Interno Bruto (PIB) de 2013. Com a revisão, a economia brasileira cresceu 2,5% no ano passado, em vez dos 2,3% divulgados anteriormente.
Revisões de indicadores econômicos são comuns no IBGE, uma vez que novos cálculos são feitos sempre que chegam dados mais completos. No caso específico do PIB, a revisão também considerou a reformulação da pesquisa Produção Industrial Mensal-Produção Física (PIM-PF).
A economia, no último trimestre de 2013, cresceu 0,4% e não 0,7%, na comparação com o período anterior. Já na comparação com o mesmo trimestre de 2012, o crescimento foi 2,2%, em vez do 1,9% divulgado anteriormente. (Fonte: aqui).
................
No 1º trimestre deste ano, o PIB cresceu 0,2%, índice muito baixo, já esperado pelos analistas, em face da elevação dos juros, restrições na concessão de crédito e fim da desoneração do preço dos veículos, entre outros fatores. Espera-se reação no segundo trimestre, na esteira da Copa.
Em tempo: PIB dos EUA no 1º trimestre: - 0,2%.
JOÃO ANTÔNIO E AS CARIOQUICES
João Antônio Ferreira Filho, escritor (São Paulo, 1937 - Rio de Janeiro, 1996).
Carioca da gema
Por João Antônio
O carimbo pretensioso e generalizador se esquece de que o carioca não é apenas o homem da Zona Sul badalada — de Copacabana ao Leblon. Setenta e cinco por cento da população carioca moram na Zona Centro e Norte, no Rio esquecido. E lá, sim, o Rio fica mais Rio, a partir das caras não cosmopolitas, e se o carioca coubesse no carimbo que lhe imputam não se teriam produzido obras pungentes, inovadoras e universais como a de Noel Rosa, a de Geraldo Pereira, a de Nelson Rodrigues, a de Nelson Cavaquinho... Muito do sorriso carioca é picardia fina, modo atilado de se driblarem os percalços.
Tenho para mim que no Rio as ruas são faculdades; os botequins, universidade. Algumas frases apanhadas lá nessas bigornas da vida, em situações diversas, como aparentes tipos-a-esmo:
"Está ruim pra malandro" - o advérbio até está oculto.
"Quem tem olho grande não entra na China".
"A galinha come é com o bico no chão".
"Negócio é o seguinte: dezenove não é vinte".
"Se ginga fosse malandragem, pato não acabava na panela".
Carioca da gema
Por João Antônio
Carioca, carioca da gema seria aquele que sabe rir de si mesmo. Também por isso, aparenta ser o mais desinibido e alegre dos brasileiros. Que, sabendo rir de si e de um tudo, é homem capaz de se sentar ao meio-fio e chorar diante de uma tragédia. O resto é carimbo.
Minha memória não me permite esquecer. O tio mais alto, o meu tio-avô Rubens, mulherengo de tope, bigode frajola, carioca, pobre, porém caprichoso nas roupas, empaletozado como na época, impertigado, namorador impenitente e alegre e, pioneiro, me ensinar nos bondes a olhar as pernas nuas das mulheres e, após, lhes oferecer o lugar. Que havia saias e pernas nuas nos meus tempos de menino.
Folgado, finório, malandreco, vive de férias. Não pode ver mulher bonita, perdulário, superficial e festivo até as vísceras. Adjetivação vazia... E só ideia genérica, balela, não passa de carimbo.
Gosto de lembrar aos sabidos, perdedores de tempo e que jogam conversa fora, que o lugar mais alegre do Rio é a favela. E onde mais se canta no Rio. E, aí, o carioca é desconcertante. Dos favelados nasce e se organiza, como um milagre, um dos maiores espetáculos de festa popular do mundo, o Carnaval.
Gosto de lembrar aos sabidos, perdedores de tempo e que jogam conversa fora, que o lugar mais alegre do Rio é a favela. E onde mais se canta no Rio. E, aí, o carioca é desconcertante. Dos favelados nasce e se organiza, como um milagre, um dos maiores espetáculos de festa popular do mundo, o Carnaval.
O carimbo pretensioso e generalizador se esquece de que o carioca não é apenas o homem da Zona Sul badalada — de Copacabana ao Leblon. Setenta e cinco por cento da população carioca moram na Zona Centro e Norte, no Rio esquecido. E lá, sim, o Rio fica mais Rio, a partir das caras não cosmopolitas, e se o carioca coubesse no carimbo que lhe imputam não se teriam produzido obras pungentes, inovadoras e universais como a de Noel Rosa, a de Geraldo Pereira, a de Nelson Rodrigues, a de Nelson Cavaquinho... Muito do sorriso carioca é picardia fina, modo atilado de se driblarem os percalços.
Tenho para mim que no Rio as ruas são faculdades; os botequins, universidade. Algumas frases apanhadas lá nessas bigornas da vida, em situações diversas, como aparentes tipos-a-esmo:
"Está ruim pra malandro" - o advérbio até está oculto.
"Quem tem olho grande não entra na China".
"A galinha come é com o bico no chão".
"Negócio é o seguinte: dezenove não é vinte".
"Se ginga fosse malandragem, pato não acabava na panela".
"Não leve uma raposa a um galinheiro".
"Se a farinha é pouca o meu pirão primeiro".
"Há duas coisas em que não se pode confiar. Quando alguém diz 'deixe comigo' ou 'este cachorro não morde'".
"Amigo, bebendo cachaça, não faço barulho de uísque".
"Da fruta de que você gosta eu como até o caroço".
"A vida é do contra: você vai e ela fica".
Como filosofia de vida ou não, vivendo numa cidade em que o excesso de beleza é uma orgia, convivendo com grandezas e mazelas, o carioca da gema é um dos poucos tipos nacionais para quem ninguém é gaúcho, paraibano, amazonense ou paulista. Ele entende que está tratando com brasileiros. (Fonte: aqui).
"Se a farinha é pouca o meu pirão primeiro".
"Há duas coisas em que não se pode confiar. Quando alguém diz 'deixe comigo' ou 'este cachorro não morde'".
"Amigo, bebendo cachaça, não faço barulho de uísque".
"Da fruta de que você gosta eu como até o caroço".
"A vida é do contra: você vai e ela fica".
Como filosofia de vida ou não, vivendo numa cidade em que o excesso de beleza é uma orgia, convivendo com grandezas e mazelas, o carioca da gema é um dos poucos tipos nacionais para quem ninguém é gaúcho, paraibano, amazonense ou paulista. Ele entende que está tratando com brasileiros. (Fonte: aqui).
ESPIONAGEM GLOBAL: OS EUA E A AMNÉSIA PROVIDENCIAL
Chumbo trocado não dói
Por Mauro Santayana
O governo dos EUA acusou, formalmente, há alguns dias, cinco militares chineses, de uma suposta “Unidade 61398”, com sede em Xangai, de atividades de espionagem eletrônica. Sua finalidade: o “roubo de informações industriais” de empresas norte-americanas, para entrega a concorrentes chineses - principalmente indústrias estatais.
Trinta e uma acusações foram feitas pelo Estado da Pensilvânia contra Wang Dong, Sun Kailiang y Wen Xinyu, por responsabilidade material, e contra Huang Zhenyu e Gu Chunhui, pela manutenção da infraestrutura usada nas operações de infiltração. Eles podem ser condenados à revelia, de dez a quinze anos de prisão.
Entre as empresas e instituições norte-americanas supostamente prejudicadas, citam a Westinghouse, a filial da alemã Solarworld, a U.S. Steel, a Alcoa, a Allegheny Technologies, e a United Steel Workers, que congrega empregados do setor siderúrgico. Os dados desviados teriam a ver com o desenho de uma usina nuclear; com disputas comerciais com a China, nas áreas de produção de aço e células solares. E também com o roubo de credenciais de acesso de funcionários à empresa Allegheny Technologies.
Em rematado exercício de cinismo - considerando-se a lisura dos Estados Unidos na matéria - John Carlin, o diretor do FBI encarregado da Divisão de Segurança Nacional da instituição, afirmou: "que fique claro, que essa conduta é criminal e que não é a que se espera de uma nação responsável e nem que seja tolerada pela comunidade econômica global”, e, também, que os EUA “não exercem atividades de espionagem em benefício de suas empresas.”
O Sr. Carlin poderia, explicar, então, junto às outras autoridades norte-americanas, encarregadas do caso, em benefício de quem foi espionada a Petrobrás, além do próprio governo brasileiro, e cidadãos de todo o mundo.
Ou responder o que ocorreria, se, em resposta às atividades de espionagem eletrônica em massa das agências norte-americanas de informações, o governo chinês, o brasileiro, e tantos outros, decidissem levar aos tribunais os milhares de funcionários que trabalham espionando para o governo dos Estados Unidos, todos os dias, apenas na NSA.
Chumbo trocado não dói. Se os EUA estão preocupados com a espionagem chinesa - embora do ponto de vista moral não tenham nenhuma condição para isso - os chineses agem, também, da mesma forma, ao proibir, como fizeram, também ontem, a utilização do Windows 8 como sistema operacional em computadores de sua administração pública.
Quanto aos acusados, a China já disse que não vai extraditar os seus soldados. E declarou que vai romper, a partir de agora, a tênue cooperação que tinha, com os Estados Unidos, no campo da segurança cibernética. (Fonte: aqui).
quinta-feira, 29 de maio de 2014
AUTOS CONCLUSOS
Xalberto.
Advogados (OAB), magistrados (AMB), juízes federais (Ajufe), juízes trabalhistas (Anamatra), Rodrigo Janot (PGR), Ives Gandra, Celso Antonio Bandeira de Mello, Dalmo Dallari...
Joaquim Barbosa, após exercitar ao máximo sua postura irascível e persecutória, anunciou aposentadoria.
Em meio à unanimidade - contrária - acima. (Refiro-me à postura).
................
Nota: clique aqui e leia interessante texto acerca das perspectivas que se oferecem para o STF.
Advogados (OAB), magistrados (AMB), juízes federais (Ajufe), juízes trabalhistas (Anamatra), Rodrigo Janot (PGR), Ives Gandra, Celso Antonio Bandeira de Mello, Dalmo Dallari...
Joaquim Barbosa, após exercitar ao máximo sua postura irascível e persecutória, anunciou aposentadoria.
Em meio à unanimidade - contrária - acima. (Refiro-me à postura).
................
Nota: clique aqui e leia interessante texto acerca das perspectivas que se oferecem para o STF.
JEJUM DE COPA
"Quero dizer que a partir do dia 10 de junho vamos começar um jejum. Não o jejum de Daniel de 21 dias, mas o jejum que Jesus fez no deserto, de 40 dias e 40 noites. Só que ele ficou em jejum de comida. Nós vamos fazer um jejum espiritual, um jejum de informações. Um jejum de rádio, televisão, de tudo o que o mundo oferece. Um jejum de jogos, distrações, diversões.
Inclusive nós vamos ter a Copa do Mundo, né. Mas nós estaremos fora da Copa, eu estarei fora da Copa 100%. Porque eu estarei acompanhando ou também no mesmo espírito com vocês. Não que eu necessite ter uma experiência com Deus, eu já tive, mas vou fazê-lo em favor de vocês, para que vocês também sejam estimulados".
(Edir Macedo, dono da Rede Record e titular da Igreja Universal do Reino de Deus, em vídeo no YouTube em que, segundo o Terra - aqui -, pede para os fiéis realizarem um "jejum de informação" por 40 dias a partir do dia 10 de junho. O religioso cita nominalmente a Copa do Mundo, que começa em 12 de junho, e diz que o boicote servirá para uma experiência mais próxima com Deus.
Convém observar que, na TV aberta, os direitos de transmissão da Copa do Mundo no Brasil são exclusivos da Globo e da Bandeirantes.
Por fim, desconhece-se a impressão dos fiéis acerca da, digamos, soberba de Macedo, ao declarar que, como já teve, não mais necessita ter nova experiência com Deus).
FMI: DE OLHO (MÍOPE) NO BRASIL
Blanchard e a conversa fiada do FMI
Por Mauro Santayana
Na falta do que fazer com relação a certos países, o pessoal do FMI tergiversa como é o caso do economista-chefe da instituição, Olivier Blanchard. Blanchard anunciou, em palestra proferida na semana passada, em Nova Iorque, que os “investidores” estão preocupados com o Brasil, e os países emergentes irão “crescer menos” nos próximos anos, enquanto as “nações desenvolvidas” farão exatamente o contrário.
Por essa lógica peculiar, que costuma ser repetida à exaustão por certos meios de comunicação e revistas internacionais, projetam - em previsões que quase nunca coincidem depois, com os números reais - que os EUA vão crescer 2.9% este ano, e a China, 7.5%, ou seja, quase o triplo dos norte-americanos - e são os emergentes que estão deixando de crescer e os “desenvolvidos” que os estão ultrapassando.
Quanto ao Brasil, o economista afirma que os investidores estão “preocupados com o país”, citando problemas como a inflação – que está dentro da meta; as contas externas e as contas fiscais; e o superávit primário, que continua sendo cumprido. E não dá a mesma atenção ao fato de que importantes recursos, vindos de fora, voltaram ao Brasil, atraídos pelo aumento dos juros e pela Bolsa.
A mesma lógica diz que o México vai bem, e o Brasil vai mal, quando tivemos superávit no comércio com a China, no ano passado, os mexicanos amargaram um déficit de 51 bilhões de dólares com os chineses, e nós crescemos 2.3% e eles, 1.2%.
É certo que temos tido problemas, principalmente em relação ao comércio exterior. Mas Olivier Blanchard se esquece de que o FMI é mais relevante para os países que lhe devem dinheiro, do que para os que lhe emprestam, como é o caso do Brasil, credor da instituição desde a crise da Grécia em 2008; detentor da sexta maior reserva monetária do mundo; e quarto maior credor individual externo do Tesouro dos Estados Unidos.
O FMI já foi importante para o Brasil quando, na condição de credores - e de sétima maior economia do mundo - ainda tínhamos paciência e esperança nas reformas destinadas a dar maior peso aos países emergentes na organização.
Com o provável anúncio da constituição do banco dos BRICS, na cúpula presidencial que reunirá os presidentes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, em Fortaleza, em julho, o Fundo vai ficar, para o Brasil, ainda menos relevante. (Fonte: aqui).
PRÉVIA DA COPA: PAPO DE BAR
Frank.
................
- Não, nada a ver.
- Qual a razão, então, pra esse mau humor?
- Acontece que eu não consigo admitir a ideia de que este país possa realizar uma boa Copa do Mundo. Eu torço contra o país, mesmo! Sou do bloco do contra, e ai! Não suporto nem sequer ouvir falar de futebol, nem do que mais você venha a falar que tenha a ver com esse país.
- Quem devia estar assim, tipo você, era a imprensa. Ela fez tudo o que lhe cabia para tumultuar o meio de campo: distorceu informações, deixou de esclarecer a opinião pública sobre a origem dos recursos aplicados nas obras da Copa, permitindo que a impressão do remanejamento de recursos da saúde e educação para a Copa se alastrasse, quando uma coisa nada tinha a ver com a outra, sem contar o fato de que...
- Pode parar, cara. Não é por aí. Eu torço contra, mas não é de agora. Não vá pensar que a imprensa tem esse poder todo. Minha seara, aliás, são as redes sociais! Por falar nisso, o tal 4G não vai dar certo em vários locais, você viu? Não há mais tempo hábil para que o 4G dê certo. Já é um consolo.
quarta-feira, 28 de maio de 2014
O FATOR BLOGOSFERA
Berzé.
Blogueiros, uni-vos (mas nem tanto...)
Por Felipe Bianchi e Altamiro Borges
Com o advento da internet, está em curso uma “revolução” nos meios de comunicação. As tiragens dos jornais e revistas despencam no mundo inteiro e vários veículos impressos já faliram ou migraram para a mídia digital. Os efeitos deste tsunami também se fazem sentir nas emissoras de rádio e televisão, com a queda de audiência e a migração – principalmente dos jovens – para as telinhas dos computadores, tablets e celulares. O bilionário mercado publicitário, que garante os altos lucros da mídia monopolizada, sente o impacto nas placas tectônicas. Diante deste cenário, os barões deste setor se utilizam de todos os expedientes para salvar o seu modelo de negócios e para manter os seus impérios midiáticos.
Eles se sentem incomodados com o florescimento da blogosfera e das redes sociais. É certo que a internet não supera o poder dos monopólios da mídia. Tanto que vários países discutem novas leis para regular este setor estratégico, que hoje coloca em perigo a própria democracia. Até a “chavista” Rainha Elizabeth II acaba de aprovar normas rigorosas para a mídia impressa no Reino Unido. Na América Latina, vários governos progressistas sentiram a força desestabilizadora e golpista da velha imprensa e também adotaram legislações para coibir a ditadura midiática. O Brasil, infelizmente, está na “vanguarda do atraso” no que se refere à adoção de uma lei para a democratização dos meios de comunicação.
Enquanto as mudanças legais não vingam, os ativistas digitais vão desempenhando o papel de uma guerrilha, fazendo o contraponto ao exército regular dos impérios midiáticos e reforçando a luta pela democratização da comunicação no país. Na eleição presidencial de 2010, por exemplo, eles ajudaram a desmascarar várias farsas montadas pela mídia tradicional, como no famoso episódio da “bolinha de papel” que atingiu a careca do candidato preferido da velha imprensa. Neste esforço, a blogosfera brasileira inclusive percorre um caminho inédito no mundo, tentando dar maior organicidade a sua atuação. Respeitando as divergências, ela procura construir a unidade na diversidade para aumentar sua força!
O livro “Blogueir@s, uni-vos (mas nem tanto...)” é um esforço para entender esta realidade dinâmica, contraditória e apaixonante. Ele serve de roteiro para o debate e como um passo inicial e parcial no estudo das mudanças em curso. Além de analisar os impactos da internet no mundo e no Brasil, ele relata a experiência da blogosfera brasileira. Os depoimentos de vários ativistas digitais, que atuam com coragem e combatividade na luta de ideias, mostram que a riqueza deste movimento sui generis está exatamente na sua diversidade. As resoluções dos quatro encontros da chamada blogosfera progressista, ou simplesmente “blogprog”, ajuda a fixar a memória deste movimento ousado e unitário.
* Apresentação do livro “Blogueiros, uni-vos (mas nem tanto...)”, publicado pelo Centro de Estudos Barão de Itararé. Adquira o seu exemplar: contato@baraodeitarare.org.br (Fonte: aqui).
Blogueiros, uni-vos (mas nem tanto...)
Por Felipe Bianchi e Altamiro Borges
Com o advento da internet, está em curso uma “revolução” nos meios de comunicação. As tiragens dos jornais e revistas despencam no mundo inteiro e vários veículos impressos já faliram ou migraram para a mídia digital. Os efeitos deste tsunami também se fazem sentir nas emissoras de rádio e televisão, com a queda de audiência e a migração – principalmente dos jovens – para as telinhas dos computadores, tablets e celulares. O bilionário mercado publicitário, que garante os altos lucros da mídia monopolizada, sente o impacto nas placas tectônicas. Diante deste cenário, os barões deste setor se utilizam de todos os expedientes para salvar o seu modelo de negócios e para manter os seus impérios midiáticos.
Eles se sentem incomodados com o florescimento da blogosfera e das redes sociais. É certo que a internet não supera o poder dos monopólios da mídia. Tanto que vários países discutem novas leis para regular este setor estratégico, que hoje coloca em perigo a própria democracia. Até a “chavista” Rainha Elizabeth II acaba de aprovar normas rigorosas para a mídia impressa no Reino Unido. Na América Latina, vários governos progressistas sentiram a força desestabilizadora e golpista da velha imprensa e também adotaram legislações para coibir a ditadura midiática. O Brasil, infelizmente, está na “vanguarda do atraso” no que se refere à adoção de uma lei para a democratização dos meios de comunicação.
Enquanto as mudanças legais não vingam, os ativistas digitais vão desempenhando o papel de uma guerrilha, fazendo o contraponto ao exército regular dos impérios midiáticos e reforçando a luta pela democratização da comunicação no país. Na eleição presidencial de 2010, por exemplo, eles ajudaram a desmascarar várias farsas montadas pela mídia tradicional, como no famoso episódio da “bolinha de papel” que atingiu a careca do candidato preferido da velha imprensa. Neste esforço, a blogosfera brasileira inclusive percorre um caminho inédito no mundo, tentando dar maior organicidade a sua atuação. Respeitando as divergências, ela procura construir a unidade na diversidade para aumentar sua força!
O livro “Blogueir@s, uni-vos (mas nem tanto...)” é um esforço para entender esta realidade dinâmica, contraditória e apaixonante. Ele serve de roteiro para o debate e como um passo inicial e parcial no estudo das mudanças em curso. Além de analisar os impactos da internet no mundo e no Brasil, ele relata a experiência da blogosfera brasileira. Os depoimentos de vários ativistas digitais, que atuam com coragem e combatividade na luta de ideias, mostram que a riqueza deste movimento sui generis está exatamente na sua diversidade. As resoluções dos quatro encontros da chamada blogosfera progressista, ou simplesmente “blogprog”, ajuda a fixar a memória deste movimento ousado e unitário.
* Apresentação do livro “Blogueiros, uni-vos (mas nem tanto...)”, publicado pelo Centro de Estudos Barão de Itararé. Adquira o seu exemplar: contato@baraodeitarare.org.br (Fonte: aqui).
ELZA SOARES: ECOS DA COPA DE 70
Garrincha, Alegria do Povo, com a cantora Elza Soares.
A Copa que não comemorei
Por Elza Soares
A Copa que não comemorei
Por Elza Soares
Além de ter sido um período muito difícil para o Brasil, a ditadura militar foi quando tive minha casa metralhada. Estávamos todos lá: eu, Garrincha e meus filhos. Os caras entraram, metralharam tudo e nunca soube o motivo.
Era 1970, já tínhamos recebido telefonemas e cartas anônimas, nos sentíamos ameaçados e deixamos o país. Acredito que fizeram isso por conta do Garrincha, mas também por mim, pois eu era muito inflamada e então, como ainda hoje, de falar o que penso. Eu andava muito com o Geraldo Vandré e devem ter pensado que eu estava envolvida com política. Mas eu sou uma operária da música, e qual é o operário que não se revolta?
Fomos para Roma, e lá o Garrincha, que não tinha sido convocado para aquela Copa, estava em desespero por não estar jogando e por não ter onde morar. Estávamos num hotel, vendo o Brasil ser campeão. Foi quando o Juca Chaves foi comemorar na Piazza Navona, onde fica a embaixada brasileira.
Estávamos trancados dentro de um apartamento, e o Garrincha queria sair de qualquer maneira: queria participar da festa, mas ao mesmo tempo estava altamente deprimido. Ele perdeu a casa, teve de deixar o país e não sabíamos como voltar.
Enquanto se celebrava o fato de o país se tornar o primeiro tricampeão na história da Copa do Mundo, o Brasil fazia barbaridades com sua população. O Garrincha sentia um misto de alegria e dor, porque ele queria comemorar, mas, ao mesmo tempo, sentia repulsa por tudo que nos havia acontecido.
Imagine o que é para um homem que, para mim, está acima de qualquer nome no futebol brasileiro, ser mandado embora do país. Isso já é tenebroso, vergonhoso; imagine então esse homem vendo aquela conquista, confinado numa selva de pedra, no exterior, sem entender nada, sem saber o que havia acontecido com nossa casa.
Aquela foi a época em que ele mais bebeu, e não saía de casa, pois tinha vergonha de aparecer embriagado. Eu fazia de tudo para ele não beber, mas não adiantava.
Era tão grande a minha angústia que eu tinha vontade de invadir a embaixada brasileira em Roma. Mas segurei a onda. Continuamos vivendo num hotel e tivemos grande ajuda de Chico Buarque e Marieta. Eles tinham se exilado na cidade e foram dois amigos de alma.
Ali eu tive um bom empresário, trabalhei muito e fui ganhando o dinheiro com o qual pagava todas as contas. Durante um jantar, conheci Ella Fitzgerald, que estava fazendo shows com repertório de bossa nova e teve um problema de saúde. Eu acabei substituindo-a.
Mas, quando descobriram que eu estava trabalhando na Itália sem documentação, tivemos de sair de Roma -então fomos para Portugal por um tempo.
Um dia, estávamos no Cassino Estoril, perto de Lisboa, e encontramos o apresentador Flávio Cavalcanti e o Maurício Sherman, que dirigia um programa na TV Tupi. Eles deram ao Garrincha uma camisa do Brasil, querendo homenageá-lo -mas quem queria camisa da seleção naquela altura?
"Obrigado o..., cadê minha casa, cadê minha moradia? Já vesti a camisa do Brasil anteriormente, já dei tudo que eu poderia ter dado ao Brasil", ele disse.
Passados 50 anos do golpe, ninguém jamais tomou nenhuma atitude sobre o que nos aconteceu naquele 1970, e eu continuo brigando pelo Mané, até hoje.
Quando eu canto "Meu Guri", canto com muita força, e essa é uma maneira que eu tenho de cantar uma música do Chico, mas homenageando o Mané. Eles são os dois guris de "my life".
ELZA SOARES, 76, é cantora e se apresenta no show "A Voz e a Máquina" nos dia 6 e 7/6 no Sesc Santo André. (Fonte: aqui).
QUESTIONANDO BANDEIRAS NEOLIBERAIS
Thomas Piketty, economista.
O pavor dos abastados
Por Leonardo Boff
Está causando furor entre os leitores de assuntos econômicos, economistas e principalmente pânico entre os muito ricos um livro de 700 páginas escrito em 2013 e publicado em muitos países em 2014. Transformou-se num verdadeiro best-seller. Trata-se de uma obra de investigação, cobrindo 250 anos, de um dos mais jovens (43 anos) e brilhantes economistas franceses, Thomas Piketty. O livro se intitula "O capital no século XXI” (Seuil, Paris 2013). Aborda fundamentalmente a relação de desigualdade social produzida por heranças, rendas e principalmente pelo processo de acumulação capitalista, tendo como material de análise particularmente a Europa e os USA.
A tese de base que sustenta é: a desigualdade não é acidental, mas o traço característico do capitalismo. Se a desigualdade persistir e aumentar, a ordem democrática estará fortemente ameaçada. Desde 1960, o comparecimento dos eleitores nos USA diminuiu de 64% (1960) para pouco mais de 50% (1996), embora tenha aumentado ultimamente. Tal fato deixa perceber que é uma democracia mais formal que real.
Esta tese, sempre sustentada pelos melhores analistas sociais e repetida muitas vezes pelo autor destas linhas, se confirma: democracia e capitalismo não convivem. E, se ela se instaura dentro da ordem capitalista, assume formas distorcidas e até traços de farsa. Onde ela entra, estabelece imediatamente relações de desigualdade que, no dialeto da ética, significa relações de exploração e de injustiça. A democracia tem por pressuposto básico a igualdade de direitos dos cidadãos e o combate aos privilégios. Quando a desigualdade é ferida, abre-se espaço para o conflito de classes, a criação de elites privilegiadas, a subordinação de grupos, a corrupção, fenômenos visíveis em nossas democracias de baixíssima intensidade.
Piketty vê nos USA e na Grã Bretanha, onde o capitalismo é triunfante, os países mais desiguais, o que é atestado também por um dos maiores especialistas em desigualdade, Richard Wilkinson. Nos USA executivos ganham 331 vezes mais que um trabalhador médio. Eric Hobsbawn, numa de suas últimas intervenções antes de sua morte, diz claramente que a economia política ocidental do neoliberalismo "subordinou propositalmente o bem-estar e a justiça social à tirania do PIB, o maior crescimento econômico possível, deliberadamente inigualitário”.
Em termos globais, citemos o corajoso documento da Oxfam Intermón, enviado aos opulentos empresários e banqueiros reunidos em Davos em janeiro deste ano como conclusão de seu relatório "Governar para as elites, sequestro democrático e desigualdade econômica”: 85 ricos têm dinheiro igual a 3,57 bilhões de pobres do mundo.
O discurso ideológico aventado por esses plutocratas é que tal riqueza é fruto de ativos, de heranças e da meritocracia; as fortunas são conquistas merecidas, como recompensa pelos bons serviços prestados. Ofendem-se quando são apontados como o 1% de ricos contra os 99% dos demais cidadãos, pois se imaginam os grandes geradores de emprego.
Os prêmios nobeis J. Stiglitz e P. Krugman têm mostrado que o dinheiro que (os plutocratas) receberam do Governo para salvar seus bancos e empresas mal foi empregado na geração de empregos. Entrou logo na ciranda financeira mundial que rende sempre muito mais sem precisar trabalhar. E ainda há 21 trilhões de dólares nos paraísos fiscais, de 91 mil pessoas.
Como é possível estabelecer relações mínimas de equidade, de participação, de cooperação e de real democracia quando se revelam estas excrescências humanas que se fazem surdas aos gritos que sobem da Terra e cegas sobre as chagas de milhões de cosemelhantes?
Voltemos à situação da desigualdade no Brasil. Orienta-nos o nosso melhor especialista na área, Márcio Pochmann (veja também Atlas da exclusão social – os ricos no Brasil, Cortez, 2004): 20 mil famílias vivem da aplicação de suas riquezas no circuito da financeirização, portanto, ganham através da especulação. Continua Pochmann: os 10% mais ricos da população impõem, historicamente, a ditadura da concentração, pois chegam a responder por quase 75% de toda riqueza nacional. Enquanto os 90% mais pobres ficam com apenas 25%” (Le Monde Diplomatique, outubro 2007).
Segundo dados de organismos econômicos da ONU de 2005, o Brasil era o oitavo país mais desigual do mundo. Mas graças às políticas sociais dos últimos dois governos, diga-se honrosamente, o índice de Gini (que mede as desigualdades) passou de 0,58 para 0,52. Em outras palavras, a desigualdade que continua enorme, caiu 17%.
Piketty não vê caminho mais curto para diminuir as desigualdades do que a severa intervenção do Estado e da taxação progressiva da riqueza, até 80%, o que apavora os super-ricos. Sábias são as palavras de Eric Hobsbawn: "O objetivo da economia não é o ganho mas sim o bem-estar de toda a população; o crescimento econômico não é um fim em si mesmo, mas um meio para dar vida a sociedades boas, humanas e justas”.
E como um gran finale, a frase de Robert F. Kennedy: "o PIB inclui tudo; exceto o que faz a vida valer a pena". (Fonte: aqui).
................
Ao ver suas convicções questionadas, áulicos do neoliberalismo tratam de desacreditar os estudos de Thomas Piketty, mas até mesmo na 'confraria' há quem julgue precipitada a iniciativa, a exemplo do que se vê aqui.
O pavor dos abastados
Por Leonardo Boff
Está causando furor entre os leitores de assuntos econômicos, economistas e principalmente pânico entre os muito ricos um livro de 700 páginas escrito em 2013 e publicado em muitos países em 2014. Transformou-se num verdadeiro best-seller. Trata-se de uma obra de investigação, cobrindo 250 anos, de um dos mais jovens (43 anos) e brilhantes economistas franceses, Thomas Piketty. O livro se intitula "O capital no século XXI” (Seuil, Paris 2013). Aborda fundamentalmente a relação de desigualdade social produzida por heranças, rendas e principalmente pelo processo de acumulação capitalista, tendo como material de análise particularmente a Europa e os USA.
A tese de base que sustenta é: a desigualdade não é acidental, mas o traço característico do capitalismo. Se a desigualdade persistir e aumentar, a ordem democrática estará fortemente ameaçada. Desde 1960, o comparecimento dos eleitores nos USA diminuiu de 64% (1960) para pouco mais de 50% (1996), embora tenha aumentado ultimamente. Tal fato deixa perceber que é uma democracia mais formal que real.
Esta tese, sempre sustentada pelos melhores analistas sociais e repetida muitas vezes pelo autor destas linhas, se confirma: democracia e capitalismo não convivem. E, se ela se instaura dentro da ordem capitalista, assume formas distorcidas e até traços de farsa. Onde ela entra, estabelece imediatamente relações de desigualdade que, no dialeto da ética, significa relações de exploração e de injustiça. A democracia tem por pressuposto básico a igualdade de direitos dos cidadãos e o combate aos privilégios. Quando a desigualdade é ferida, abre-se espaço para o conflito de classes, a criação de elites privilegiadas, a subordinação de grupos, a corrupção, fenômenos visíveis em nossas democracias de baixíssima intensidade.
Piketty vê nos USA e na Grã Bretanha, onde o capitalismo é triunfante, os países mais desiguais, o que é atestado também por um dos maiores especialistas em desigualdade, Richard Wilkinson. Nos USA executivos ganham 331 vezes mais que um trabalhador médio. Eric Hobsbawn, numa de suas últimas intervenções antes de sua morte, diz claramente que a economia política ocidental do neoliberalismo "subordinou propositalmente o bem-estar e a justiça social à tirania do PIB, o maior crescimento econômico possível, deliberadamente inigualitário”.
Em termos globais, citemos o corajoso documento da Oxfam Intermón, enviado aos opulentos empresários e banqueiros reunidos em Davos em janeiro deste ano como conclusão de seu relatório "Governar para as elites, sequestro democrático e desigualdade econômica”: 85 ricos têm dinheiro igual a 3,57 bilhões de pobres do mundo.
O discurso ideológico aventado por esses plutocratas é que tal riqueza é fruto de ativos, de heranças e da meritocracia; as fortunas são conquistas merecidas, como recompensa pelos bons serviços prestados. Ofendem-se quando são apontados como o 1% de ricos contra os 99% dos demais cidadãos, pois se imaginam os grandes geradores de emprego.
Os prêmios nobeis J. Stiglitz e P. Krugman têm mostrado que o dinheiro que (os plutocratas) receberam do Governo para salvar seus bancos e empresas mal foi empregado na geração de empregos. Entrou logo na ciranda financeira mundial que rende sempre muito mais sem precisar trabalhar. E ainda há 21 trilhões de dólares nos paraísos fiscais, de 91 mil pessoas.
Como é possível estabelecer relações mínimas de equidade, de participação, de cooperação e de real democracia quando se revelam estas excrescências humanas que se fazem surdas aos gritos que sobem da Terra e cegas sobre as chagas de milhões de cosemelhantes?
Voltemos à situação da desigualdade no Brasil. Orienta-nos o nosso melhor especialista na área, Márcio Pochmann (veja também Atlas da exclusão social – os ricos no Brasil, Cortez, 2004): 20 mil famílias vivem da aplicação de suas riquezas no circuito da financeirização, portanto, ganham através da especulação. Continua Pochmann: os 10% mais ricos da população impõem, historicamente, a ditadura da concentração, pois chegam a responder por quase 75% de toda riqueza nacional. Enquanto os 90% mais pobres ficam com apenas 25%” (Le Monde Diplomatique, outubro 2007).
Segundo dados de organismos econômicos da ONU de 2005, o Brasil era o oitavo país mais desigual do mundo. Mas graças às políticas sociais dos últimos dois governos, diga-se honrosamente, o índice de Gini (que mede as desigualdades) passou de 0,58 para 0,52. Em outras palavras, a desigualdade que continua enorme, caiu 17%.
Piketty não vê caminho mais curto para diminuir as desigualdades do que a severa intervenção do Estado e da taxação progressiva da riqueza, até 80%, o que apavora os super-ricos. Sábias são as palavras de Eric Hobsbawn: "O objetivo da economia não é o ganho mas sim o bem-estar de toda a população; o crescimento econômico não é um fim em si mesmo, mas um meio para dar vida a sociedades boas, humanas e justas”.
E como um gran finale, a frase de Robert F. Kennedy: "o PIB inclui tudo; exceto o que faz a vida valer a pena". (Fonte: aqui).
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Ao ver suas convicções questionadas, áulicos do neoliberalismo tratam de desacreditar os estudos de Thomas Piketty, mas até mesmo na 'confraria' há quem julgue precipitada a iniciativa, a exemplo do que se vê aqui.
terça-feira, 27 de maio de 2014
LEGADO DA COPA 2010
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Campeões de todas as Copas, por Ziraldo:
(Ao final da Copa 2010, a Espanha, campeã, entraria na galeria acima).
Ziraldo.
Campeões de todas as Copas, por Ziraldo:
(Ao final da Copa 2010, a Espanha, campeã, entraria na galeria acima).
Ziraldo.
OS DANOS DO AQUECIMENTO GLOBAL
Milenko Kosanovic. (Sérvia).
O derretimento de gelo e seus impactos na vida do planeta
Por Marco Aurélio Weissheimer
Os cenários elaborados pelo IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) têm variado de uma elevação mínima de 20 centímetros, até 2100, chegando a um máximo de um metro, em casos mais dramáticos mas ainda realistas.
O que está acontecendo especificamente no caso da Antártica?
Jefferson Simões: Para responder a essa questão, em primeiro lugar é preciso ter a consciência de que a Antártica é muito grande. Até 1989 nós não tínhamos nem definido a forma precisa desse continente. Começamos a ter as imagens mais completas da Antártica, com fotos de satélites, só início da década de 1990. Só conseguimos começar a medir a variação da espessura do manto de gelo da Antártica nos últimos dez anos com o ingresso em órbita de dois novos satélites de alta precisão. O volume de gelo é muito grande. Estamos falando de 25 ou 26 milhões de quilômetros cúbicos de gelo. Para ter uma ideia mais clara desse número, isso equivale a uma camada de quase três quilômetros de gelo preenchendo por igual todo o território brasileiro. Recentemente, dois novos satélites, o Icesat e o Criosat, começaram a fazer essas medidas sobre a altura o manto de gelo e trouxeram novos dados. Como resultado disso, tivemos nas últimas semanas a publicação de vários artigos revisando as avaliações sobre o comportamento do manto de gelo na região nos últimos anos.
A Antártica é dividida em três partes. Temos a península Antártica, que é a região mais amena e mais próxima da América do Sul, onde o gelo está perto do ponto de fusão e está derretendo, contribuindo para o aumento do nível do mar. Cerca de 90% das geleiras desta região estão recuando e perdendo massa. Junto com isso há uma série de processos ambientais ocorrendo na região. A água da superfície do oceano está ficando mais fresca e está diminuindo a sua salinidade, começam a aparecer algumas espécies exóticas de gramíneas e liquens. Essa é uma das áreas que mais aqueceu no planeta todo, cerca de 3,1 graus centígrados. Mas todos esses fenômenos não são exatamente novidades. Já sabíamos disso há cerca de vinte anos. O que os artigos mais recentes trazem de novo são os dados do monitoramento realizado pelos satélites Icesat e Criosat sobre a espessura do manto de gelo da Antártica.
Esse manto é dividido em duas partes: ocidental e oriental. O oriental, localizado ao sul dos oceanos Índico e Pacífico, tem aproximadamente 70% do gelo da Antártica. Outros 25% estão no manto de gelo ocidental, localizado ao sul do Atlântico e do Pacífico sudeste. A península tem menos de 3% de todo gelo do continente. O manto de gelo da Antártica oriental é muito frio, com gelo a menos de 60 graus centígrados e chegando a cinco quilômetros de espessura. Esse gelo não derreterá em função de um aquecimento de dois, três ou quatro graus, e não temos evidência nenhuma de que esteja derretendo. Mas o manto de gelo da Antártica ocidental, cujo volume é menor e onde o gelo está a menos dez, vinte ou trinta graus tem uma característica própria: em muitas áreas, a rocha, o substrato onde ele está assentado, está situado abaixo do nível do mar. Além a atmosfera, a água do oceano nesta região está aquecendo, com potencial de lubrificar por baixo plataformas de gelo, fazendo com que elas deslizem e depois recuem em movimentos abruptos, jogando mais gelo no mar.
E esse fenômeno vem aumentando?
Jefferson Simões: Os artigos mais recentes afirmam que essa parte da Antártica está mostrando os primeiros sinais que esse processo já iniciou. Um deles diz que a contribuição atual do degelo na Antártica para o aumento o nível do mar, que é de 0,2 milímetros por ano, pode, em cem anos, aumentar para dez vezes mais. Parece que esse processo já iniciou e até o fim deste século, a região deve estar contribuindo com algo em torno de dez centímetros por século no aumento do nível os oceanos. Outros artigos sustentam que em um período entre dois e nove séculos esse processo pode se acelerar, não por derretimento, mas pela instabilidade dinâmica das geleiras, contribuindo para a elevação de quatro a cinco metros no nível dos mares.
Um aumento de um metro por século seria catastrófico. Existem evidências de que isso já ocorreu em um passado muito distante, no final das idades de gelo, há cerca de 126 mil anos, quando houve um aumento abrupto, em 500 anos, de até cinco metros no nível do mar. Agora, note que em momento algum da nossa conversa aqui eu referi aqueles números absurdos que volta e meia aparecem sobre a elevação do nível dos mares. Eu já ouvi gente falando em 60 ou 70 metros e imagens mostrando o Rio de Janeiro embaixo d’água. Isso não existe, sequer é viável fisicamente. Eu sei de onde saiu esse número. O que as pessoas dizem? Se o gelo da Antártica e da Groenlândia derretesse o nível do mar aumentaria 60 metros. Mas ninguém pergunta se isso é viável fisicamente ou quando é que foi a última vez que algo assim aconteceu. Pois a última vez foi há mais 35 milhões de anos. Há 40 milhões de anos, não havia geleiras no planeta Terra.
O momento que vivemos na história do planeta Terra é raro em termos geológicos. Nós temos glaciação nos dois hemisférios e nas duas regiões polares. Em termos da escala humana, nós evoluímos exatamente neste período, o que é interessante. A evolução dos hominídeos e o assentamento da espécie humana ocorre neste período de muita variação de clima, com idades de gelo e interglaciais que é o que estamos vivendo nos últimos dez mil anos.
Então, existe um cenário factível apresentado pelo IPCC, que é de um aumento do nível do mar de 20 centímetros a um metro até o ano de 2100. O que não sabíamos há dez anos era que a Antártica estava contribuindo mais para esse processo. Por enquanto é pouco, cerca de meio milímetro por ano, mas com possibilidade de ultrapassar um milímetro ou mais ao longo desse século e depois, quem sabe, num evento extremo, contribuir com um metro de elevação.
Além do aumento do nível dos mares, o degelo influi também no processo de mudanças climáticas. Que contribuições o derretimento dá para as mudanças o clima?
Jefferson Simões: O problema não se dá pelo derretimento das geleiras, uma vez que elas derretem na própria região polar e não mudam muito o balanço de energia do planeta. O grande receio aí está no outro gelo. A variação de gelo marinho ao redor da Antártica é a maior variação sazonal conhecida na natureza. O gelo marinho varia de 1,8 (no auge do verão, em fevereiro) a 20 milhões de quilômetros quadrados ( no final do inverno) em cinco ou seis meses. O mesmo processo ocorre no Ártico. Nos últimos trinta anos e, especialmente, na última década, a extensão mínima dele decresceu mais de 50%, caindo de 7 milhões de quilômetros quadrados para algo em torno de 4 milhões de quilômetros quadrados, no auge o verão, que ocorre no final de setembro. Isso muda sim o clima.
No momento em que se altera a extensão do mar congelado, muda também o balanço de energia, ou seja, mais energia vai sair do oceano para a atmosfera do Ártico, que é uma região mais aquecida que a Antártica. Com isso, diminui a pressão atmosférica entre a região polar ártica e a região temperada, o que implica mudança dos padrões de circulação atmosférica. Então, o Ártico está aquecendo, derretendo gelo, mudando a quantidade de energia que sai do oceano para a atmosfera, e alterando o padrão dos ventos e da circulação. Isso ajuda a entender alguns eventos extremos que estamos presenciando agora, na América do Norte, onde alguns lugares têm ondas de frio e outros têm ondas de calor, na mesma latitude. Isso está claro. Estamos vendo mais eventos extremos na região polar ártica.
Além disso, há outros impactos ambientais. Diminuindo a extensão do gelo marinho, muda a cor do planeta, aumenta o nível de radiação incidindo sobre os micro-organismos que são base da cadeia alimentar o que provoca uma série de outros problemas. Essas mudanças ambientais sempre ocorreram e sempre vão ocorrer, mas elas ocorriam em velocidades menores. O problema da interferência humana é a alteração para mais dessa velocidade.
O derretimento de massas de gelo também provoca efeitos sociais, como ocorre agora na região dos Andes, onde está associado com problemas de abastecimento de água. Como está essa situação nos Andes?
Jefferson Simões: O derretimento de gelo nas regiões montanhosas tem provocado uma série de problemas relacionados com o armazenamento de água. Cerca de 70% da água de La Paz vem de derretimento de gelo. Há um excedente de água no começo em função do derretimento, mas falta um bom armazenamento. É como se fosse uma represa e você começa a perder a represa.
Os países andinos, especialmente Bolívia e Peru, estão muito preocupados e há projetos do Banco Mundial para enfrentar esse problema. Nós estamos com um projeto para mapear várias dessas geleiras. Há um fato interessante aí que é que nós não sabemos ainda quais são as implicações do desaparecimento de parte dessas geleiras para a bacia amazônica. Uma das questões a elucidar diz respeito ao impacto do transporte de sedimentos resultantes do degelo nestas barragens que estão surgindo em Rondônia. Ou seja, estamos começando a associar gelo com Amazônia, o que não chega a ser uma surpresa, pois o sistema todo é indiviso.
No Ártico, que tem uma população de aproximadamente 4 milhões de pessoas, nós já estamos tendo alguns problemas: mudança de modo de vida das populações locais; problemas estruturais em construções por causa do derretimento do solo congelado, conhecido como permafrost. No caso do desaparecimento do gelo do Ártico temos também algumas oportunidades aparecendo, como a possibilidade de diminuir as rotas entre a Europa e o nordeste dos Estados Unidos para a Ásia. Isso significa custos menores no transporte, mas também abre a possibilidade de conflitos. Quem é o proprietário e tem direito de explorar os recursos naturais do Ártico que estão ficando mais acessíveis em função do degelo? A Rússia considera grande parte do Ártico seu território ou, pelo menos, seu quintal. Então, o derretimento do gelo vai afetar questões da economia e da geopolítica mundial.
Além da parte científica, o seu trabalho também tem uma dimensão política que é o acompanhamento das negociações internacionais para enfrentar esses problemas. Como é que você analisa a evolução dessas negociações?
Jefferson Simões: Não está havendo avanço. A grande questão é a seguinte: quem é que vai pagar a conta? Há um custo embutido nas medidas que precisam ser tomadas e, apesar de todo discurso ambientalista em favor da sustentabilidade, nós não mudamos o nosso modo de vida. Tomemos, por exemplo, a própria política do governo brasileiro nos últimos anos de incentivar a produção e comercialização de automóveis sem fazer um esforço semelhante para ampliar o transporte coletivo urbano. Nós vamos ter que reestudar toda a nossa política energética e, talvez, considerar que, em alguns casos, a energia nuclear é uma alternativa menos poluente para enfrentar esse problema mais imediato do aquecimento. O que não significa dizer, obviamente, que ela não tenha problemas. Não podemos mais ter uma visão mágica e acreditar que uma única fonte de energia pode resolver todos os problemas.
O que todos querem no mundo hoje? Aumento de população com recursos ilimitados a nossa disposição, com queima de energia ilimitada para melhorar a qualidade de vida de toda essa população, sem avaliar muito a situação. É assim que estamos nos comportando. Até que uma catástrofe, uma situação-limite provoque uma mudança. Eu não vejo avanço nenhum nos últimos anos. Estamos mais conscientes, de modo geral, o problema ambiental está em todas as agendas, mas em termos práticos não avançamos muito. Em relação a alguns temas, o que podemos fazer é mitigar os problemas e nos adaptar. Precisamos nos preocupar principalmente com o impacto daquelas populações que têm menos condições.
A situação é preocupante. Houve um erro em termos de comunicação social, há alguns anos, ao se passar a ideia de que o mundo iria acabar. Como não acabou, parece que está tudo bem. O processo de mudanças climáticas no sistema global é gradativo, com aceleração em alguns momentos e aumento de eventos extremos em outros. Isso vai custar muito para a humanidade, mas não vem do dia para a noite.
E dentro da comunidade científica esse tema está resolvido? Qual é o peso das correntes dos céticos e negacionistas climáticos?
Jefferson Cardia Simões: Não existe corrente dos céticos. Esse foi um problema gerado pela imprensa, por não entender como é que a ciência funciona. A ciência, em especial as ciências da natureza, funciona por evidências, não por discursos. Em 2008, 2009, tivemos vários meios de comunicação que procuravam dar o mesmo espaço para diferentes opiniões, como se fosse uma questão de discurso. As ciências naturais não funcionam com base em discurso ou na dialética. Hoje, 98% dos artigos científicos e das opiniões dos cientistas tem uma mesma posição bem clara. Há 2% dos artigos que dizem que não é bem assim. E há um grupo de negacionistas, que não são céticos e que escondem ideologias conservadoras ou teorias da conspiração.
Em alguns casos, há lobbies políticos financiando essas opiniões, como ocorre com setores da extrema-direita norte-americana agrupados no Tea Party e em outros grupos reunidos no Partido Republicano. Esses grupos adotaram uma política há cerca de 25 anos que repete a lógica adotada em relação à indústria do fumo: temos que postergar medidas o máximo possível, pois isso nos dá prejuízo econômico. Daí se nega o que está acontecendo, muitas vezes se nega o próprio racionalismo. A principal crítica da comunidade científica para esses grupos consiste em perguntar: apresentem outra alternativa para o que estamos vendo. Eles não têm. (Fonte: aqui).
O derretimento de gelo e seus impactos na vida do planeta
Por Marco Aurélio Weissheimer
A situação do derretimento de gelo no planeta e seus impactos sobre o clima, o meio ambiente e a vida humana são preocupantes. Houve um erro em termos de comunicação social, há alguns anos, ao se passar a ideia de que o mundo iria acabar. Como não acabou imediatamente, parece que está tudo bem. Isso vai custar muito para a humanidade, mas não vem do dia para a noite. O processo de mudanças climáticas no sistema global é gradativo, com aceleração em alguns momentos e aumento de eventos extremos em outros. Não estamos tomando as medidas que precisaríamos tomar e seguimos em frente, até que uma catástrofe, uma situação-limite, provoque uma mudança. A avaliação é do glaciologista brasileiro Jefferson Cardia Simões, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e diretor do Centro Polar Climático da UFRGS.
Em entrevista à Carta Maior, Jefferson Simões, um dos principais pesquisadores do Programa Antártico Brasileiro, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera e delegado nacional no Scientific Committee on Antarctic Research (SCAR) do Conselho Internacional para a Ciência, fala sobre os processos de derretimento de gelo hoje no planeta e suas implicações ambientais, econômicas e mesmo geopolíticas.
No dia 31 de março deste ano, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês) divulgou um relatório afirmando que o impacto o aquecimento global será “grave, abrangente e irreversível”. O documento foi apresentado como sendo a avaliação mais completa já feita sobre o impacto das mudanças climáticas no planeta. Segundo o relatório, até aqui os efeitos dessas mudanças foram sentidos principalmente pela natureza, mas, daqui em diante, o impacto direto sobre a humanidade será cada vez maior, atingindo áreas como saúde, habitação, alimentação e segurança da população. Na entrevista à Carta Maior, concedida em seu gabinete na UFRGS, Jefferson Simões explica qual está sendo a contribuição dos processos de derretimento de gelo neste processo:
“Existe um cenário factível apresentado pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU), que é de um aumento do nível do mar de 20 centímetros a um metro até o ano de 2100. O que não sabíamos há dez anos era que a Antártica estava contribuindo mais para esse processo. Por enquanto é pouco, cerca de meio milímetro por ano, mas com possibilidade de ultrapassar um milímetro ou mais ao longo desse século e depois, quem sabe, num evento extremo, contribuir com um metro de elevação”, adverte.
Qual a situação atual do problema do degelo no planeta? O que há de verdade e o que há de desinformação em torno desse tema?
Jefferson Simões: A primeira coisa que é preciso entender é que, no planeta Terra, nós temos dois tipos de gelo: gelo frio e quente. Nós temos o gelo de geleira, formado através de precipitação e que se acumula durante milhares de anos formando geleiras que têm alguns quilômetros quadrados de extensão e formam o grande manto de gelo da Antártica, com 13,6 milhões de quilômetros quadrados, com uma espessura que chega a quase cinco quilômetros de gelo. A média da espessura desse manto de gelo é de 2.100 metros. Esse é o gelo que está em cima do continente antártico. Evidentemente, se ele começa a derreter, a água vai para o oceano e isso vai aumentar o nível do mar. Infelizmente, isso muitas vezes é confundido com outro tipo de gelo que temos no planeta Terra e que nós chamamos de mar congelado. Na literatura antiga brasileira, era chamado de banquisa. Isso nada mais é o mar que, em função da temperatura baixa na superfície do oceano, forma uma película de gelo de um, dois, no máximo cinco metros de espessura. Isso ocorre basicamente em todo o Ártico e também ao redor da Antártica. Esse gelo pode desaparecer completamente. Isso teria implicações climáticas, mas nenhuma implicação quanto ao nível dos oceanos. Muitas vezes, quando se anuncia o derretimento do gelo marinho do Ártico, se confunde isso com o derretimento de gelo da Groenlândia, que também é um manto de gelo.
Nós temos hoje no planeta Terra dois mantos de gelo: o da Antártica, com 13,6 milhões de quilômetros quadrados, e o da Groenlândia, com 1,7 milhões de quilômetros quadrados. Isso representa 96% do volume de gelo do planeta, sendo que 90% desse volume está na Antártica.
Uma das grandes questões na ciência ambiental hoje em dia e também na ciência da glaciologia (que é a ciência da neve e do gelo em todas as suas formas) é: qual é o balanço de massa do gelo existente no planeta em relação às ações e fenômenos ambientais como o aquecimento global. Nós temos um monitoramento de geleiras pequenas nos últimos 140 anos. Há uma bateria de dados muito antigos. Não é verdade que só temos dados dos últimos 30 ou 40 anos, como algumas pessoas dizem. O que sabemos hoje é que aqueles locais onde há gelo perto do ponto de fusão, o que ocorre basicamente em todas as montanhas, nas regiões tropicais e temperadas, o aquecimento observado ao longo do século 20 (0,8 graus centígrados em média, nos últimos 140 anos) já começou a afetar esse gelo. Esse degelo está contribuindo para o aumento do nível do mar. Outra parte que também está contribuindo muito é o sul da Groenlândia. A maior parte hoje do aumento do nível do mar está vindo dessa região e de geleiras na periferia da Antártica. O volume de gelos das montanhas representa apenas 1% do gelo do planeta, portanto sua contribuição para a elevação do nível dos oceanos é menor.
Em entrevista à Carta Maior, Jefferson Simões, um dos principais pesquisadores do Programa Antártico Brasileiro, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera e delegado nacional no Scientific Committee on Antarctic Research (SCAR) do Conselho Internacional para a Ciência, fala sobre os processos de derretimento de gelo hoje no planeta e suas implicações ambientais, econômicas e mesmo geopolíticas.
No dia 31 de março deste ano, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês) divulgou um relatório afirmando que o impacto o aquecimento global será “grave, abrangente e irreversível”. O documento foi apresentado como sendo a avaliação mais completa já feita sobre o impacto das mudanças climáticas no planeta. Segundo o relatório, até aqui os efeitos dessas mudanças foram sentidos principalmente pela natureza, mas, daqui em diante, o impacto direto sobre a humanidade será cada vez maior, atingindo áreas como saúde, habitação, alimentação e segurança da população. Na entrevista à Carta Maior, concedida em seu gabinete na UFRGS, Jefferson Simões explica qual está sendo a contribuição dos processos de derretimento de gelo neste processo:
“Existe um cenário factível apresentado pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU), que é de um aumento do nível do mar de 20 centímetros a um metro até o ano de 2100. O que não sabíamos há dez anos era que a Antártica estava contribuindo mais para esse processo. Por enquanto é pouco, cerca de meio milímetro por ano, mas com possibilidade de ultrapassar um milímetro ou mais ao longo desse século e depois, quem sabe, num evento extremo, contribuir com um metro de elevação”, adverte.
Qual a situação atual do problema do degelo no planeta? O que há de verdade e o que há de desinformação em torno desse tema?
Jefferson Simões: A primeira coisa que é preciso entender é que, no planeta Terra, nós temos dois tipos de gelo: gelo frio e quente. Nós temos o gelo de geleira, formado através de precipitação e que se acumula durante milhares de anos formando geleiras que têm alguns quilômetros quadrados de extensão e formam o grande manto de gelo da Antártica, com 13,6 milhões de quilômetros quadrados, com uma espessura que chega a quase cinco quilômetros de gelo. A média da espessura desse manto de gelo é de 2.100 metros. Esse é o gelo que está em cima do continente antártico. Evidentemente, se ele começa a derreter, a água vai para o oceano e isso vai aumentar o nível do mar. Infelizmente, isso muitas vezes é confundido com outro tipo de gelo que temos no planeta Terra e que nós chamamos de mar congelado. Na literatura antiga brasileira, era chamado de banquisa. Isso nada mais é o mar que, em função da temperatura baixa na superfície do oceano, forma uma película de gelo de um, dois, no máximo cinco metros de espessura. Isso ocorre basicamente em todo o Ártico e também ao redor da Antártica. Esse gelo pode desaparecer completamente. Isso teria implicações climáticas, mas nenhuma implicação quanto ao nível dos oceanos. Muitas vezes, quando se anuncia o derretimento do gelo marinho do Ártico, se confunde isso com o derretimento de gelo da Groenlândia, que também é um manto de gelo.
Nós temos hoje no planeta Terra dois mantos de gelo: o da Antártica, com 13,6 milhões de quilômetros quadrados, e o da Groenlândia, com 1,7 milhões de quilômetros quadrados. Isso representa 96% do volume de gelo do planeta, sendo que 90% desse volume está na Antártica.
Uma das grandes questões na ciência ambiental hoje em dia e também na ciência da glaciologia (que é a ciência da neve e do gelo em todas as suas formas) é: qual é o balanço de massa do gelo existente no planeta em relação às ações e fenômenos ambientais como o aquecimento global. Nós temos um monitoramento de geleiras pequenas nos últimos 140 anos. Há uma bateria de dados muito antigos. Não é verdade que só temos dados dos últimos 30 ou 40 anos, como algumas pessoas dizem. O que sabemos hoje é que aqueles locais onde há gelo perto do ponto de fusão, o que ocorre basicamente em todas as montanhas, nas regiões tropicais e temperadas, o aquecimento observado ao longo do século 20 (0,8 graus centígrados em média, nos últimos 140 anos) já começou a afetar esse gelo. Esse degelo está contribuindo para o aumento do nível do mar. Outra parte que também está contribuindo muito é o sul da Groenlândia. A maior parte hoje do aumento do nível do mar está vindo dessa região e de geleiras na periferia da Antártica. O volume de gelos das montanhas representa apenas 1% do gelo do planeta, portanto sua contribuição para a elevação do nível dos oceanos é menor.
Os cenários elaborados pelo IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) têm variado de uma elevação mínima de 20 centímetros, até 2100, chegando a um máximo de um metro, em casos mais dramáticos mas ainda realistas.
O que está acontecendo especificamente no caso da Antártica?
Jefferson Simões: Para responder a essa questão, em primeiro lugar é preciso ter a consciência de que a Antártica é muito grande. Até 1989 nós não tínhamos nem definido a forma precisa desse continente. Começamos a ter as imagens mais completas da Antártica, com fotos de satélites, só início da década de 1990. Só conseguimos começar a medir a variação da espessura do manto de gelo da Antártica nos últimos dez anos com o ingresso em órbita de dois novos satélites de alta precisão. O volume de gelo é muito grande. Estamos falando de 25 ou 26 milhões de quilômetros cúbicos de gelo. Para ter uma ideia mais clara desse número, isso equivale a uma camada de quase três quilômetros de gelo preenchendo por igual todo o território brasileiro. Recentemente, dois novos satélites, o Icesat e o Criosat, começaram a fazer essas medidas sobre a altura o manto de gelo e trouxeram novos dados. Como resultado disso, tivemos nas últimas semanas a publicação de vários artigos revisando as avaliações sobre o comportamento do manto de gelo na região nos últimos anos.
A Antártica é dividida em três partes. Temos a península Antártica, que é a região mais amena e mais próxima da América do Sul, onde o gelo está perto do ponto de fusão e está derretendo, contribuindo para o aumento do nível do mar. Cerca de 90% das geleiras desta região estão recuando e perdendo massa. Junto com isso há uma série de processos ambientais ocorrendo na região. A água da superfície do oceano está ficando mais fresca e está diminuindo a sua salinidade, começam a aparecer algumas espécies exóticas de gramíneas e liquens. Essa é uma das áreas que mais aqueceu no planeta todo, cerca de 3,1 graus centígrados. Mas todos esses fenômenos não são exatamente novidades. Já sabíamos disso há cerca de vinte anos. O que os artigos mais recentes trazem de novo são os dados do monitoramento realizado pelos satélites Icesat e Criosat sobre a espessura do manto de gelo da Antártica.
Esse manto é dividido em duas partes: ocidental e oriental. O oriental, localizado ao sul dos oceanos Índico e Pacífico, tem aproximadamente 70% do gelo da Antártica. Outros 25% estão no manto de gelo ocidental, localizado ao sul do Atlântico e do Pacífico sudeste. A península tem menos de 3% de todo gelo do continente. O manto de gelo da Antártica oriental é muito frio, com gelo a menos de 60 graus centígrados e chegando a cinco quilômetros de espessura. Esse gelo não derreterá em função de um aquecimento de dois, três ou quatro graus, e não temos evidência nenhuma de que esteja derretendo. Mas o manto de gelo da Antártica ocidental, cujo volume é menor e onde o gelo está a menos dez, vinte ou trinta graus tem uma característica própria: em muitas áreas, a rocha, o substrato onde ele está assentado, está situado abaixo do nível do mar. Além a atmosfera, a água do oceano nesta região está aquecendo, com potencial de lubrificar por baixo plataformas de gelo, fazendo com que elas deslizem e depois recuem em movimentos abruptos, jogando mais gelo no mar.
E esse fenômeno vem aumentando?
Jefferson Simões: Os artigos mais recentes afirmam que essa parte da Antártica está mostrando os primeiros sinais que esse processo já iniciou. Um deles diz que a contribuição atual do degelo na Antártica para o aumento o nível do mar, que é de 0,2 milímetros por ano, pode, em cem anos, aumentar para dez vezes mais. Parece que esse processo já iniciou e até o fim deste século, a região deve estar contribuindo com algo em torno de dez centímetros por século no aumento do nível os oceanos. Outros artigos sustentam que em um período entre dois e nove séculos esse processo pode se acelerar, não por derretimento, mas pela instabilidade dinâmica das geleiras, contribuindo para a elevação de quatro a cinco metros no nível dos mares.
Um aumento de um metro por século seria catastrófico. Existem evidências de que isso já ocorreu em um passado muito distante, no final das idades de gelo, há cerca de 126 mil anos, quando houve um aumento abrupto, em 500 anos, de até cinco metros no nível do mar. Agora, note que em momento algum da nossa conversa aqui eu referi aqueles números absurdos que volta e meia aparecem sobre a elevação do nível dos mares. Eu já ouvi gente falando em 60 ou 70 metros e imagens mostrando o Rio de Janeiro embaixo d’água. Isso não existe, sequer é viável fisicamente. Eu sei de onde saiu esse número. O que as pessoas dizem? Se o gelo da Antártica e da Groenlândia derretesse o nível do mar aumentaria 60 metros. Mas ninguém pergunta se isso é viável fisicamente ou quando é que foi a última vez que algo assim aconteceu. Pois a última vez foi há mais 35 milhões de anos. Há 40 milhões de anos, não havia geleiras no planeta Terra.
O momento que vivemos na história do planeta Terra é raro em termos geológicos. Nós temos glaciação nos dois hemisférios e nas duas regiões polares. Em termos da escala humana, nós evoluímos exatamente neste período, o que é interessante. A evolução dos hominídeos e o assentamento da espécie humana ocorre neste período de muita variação de clima, com idades de gelo e interglaciais que é o que estamos vivendo nos últimos dez mil anos.
Então, existe um cenário factível apresentado pelo IPCC, que é de um aumento do nível do mar de 20 centímetros a um metro até o ano de 2100. O que não sabíamos há dez anos era que a Antártica estava contribuindo mais para esse processo. Por enquanto é pouco, cerca de meio milímetro por ano, mas com possibilidade de ultrapassar um milímetro ou mais ao longo desse século e depois, quem sabe, num evento extremo, contribuir com um metro de elevação.
Além do aumento do nível dos mares, o degelo influi também no processo de mudanças climáticas. Que contribuições o derretimento dá para as mudanças o clima?
Jefferson Simões: O problema não se dá pelo derretimento das geleiras, uma vez que elas derretem na própria região polar e não mudam muito o balanço de energia do planeta. O grande receio aí está no outro gelo. A variação de gelo marinho ao redor da Antártica é a maior variação sazonal conhecida na natureza. O gelo marinho varia de 1,8 (no auge do verão, em fevereiro) a 20 milhões de quilômetros quadrados ( no final do inverno) em cinco ou seis meses. O mesmo processo ocorre no Ártico. Nos últimos trinta anos e, especialmente, na última década, a extensão mínima dele decresceu mais de 50%, caindo de 7 milhões de quilômetros quadrados para algo em torno de 4 milhões de quilômetros quadrados, no auge o verão, que ocorre no final de setembro. Isso muda sim o clima.
No momento em que se altera a extensão do mar congelado, muda também o balanço de energia, ou seja, mais energia vai sair do oceano para a atmosfera do Ártico, que é uma região mais aquecida que a Antártica. Com isso, diminui a pressão atmosférica entre a região polar ártica e a região temperada, o que implica mudança dos padrões de circulação atmosférica. Então, o Ártico está aquecendo, derretendo gelo, mudando a quantidade de energia que sai do oceano para a atmosfera, e alterando o padrão dos ventos e da circulação. Isso ajuda a entender alguns eventos extremos que estamos presenciando agora, na América do Norte, onde alguns lugares têm ondas de frio e outros têm ondas de calor, na mesma latitude. Isso está claro. Estamos vendo mais eventos extremos na região polar ártica.
Além disso, há outros impactos ambientais. Diminuindo a extensão do gelo marinho, muda a cor do planeta, aumenta o nível de radiação incidindo sobre os micro-organismos que são base da cadeia alimentar o que provoca uma série de outros problemas. Essas mudanças ambientais sempre ocorreram e sempre vão ocorrer, mas elas ocorriam em velocidades menores. O problema da interferência humana é a alteração para mais dessa velocidade.
O derretimento de massas de gelo também provoca efeitos sociais, como ocorre agora na região dos Andes, onde está associado com problemas de abastecimento de água. Como está essa situação nos Andes?
Jefferson Simões: O derretimento de gelo nas regiões montanhosas tem provocado uma série de problemas relacionados com o armazenamento de água. Cerca de 70% da água de La Paz vem de derretimento de gelo. Há um excedente de água no começo em função do derretimento, mas falta um bom armazenamento. É como se fosse uma represa e você começa a perder a represa.
Os países andinos, especialmente Bolívia e Peru, estão muito preocupados e há projetos do Banco Mundial para enfrentar esse problema. Nós estamos com um projeto para mapear várias dessas geleiras. Há um fato interessante aí que é que nós não sabemos ainda quais são as implicações do desaparecimento de parte dessas geleiras para a bacia amazônica. Uma das questões a elucidar diz respeito ao impacto do transporte de sedimentos resultantes do degelo nestas barragens que estão surgindo em Rondônia. Ou seja, estamos começando a associar gelo com Amazônia, o que não chega a ser uma surpresa, pois o sistema todo é indiviso.
No Ártico, que tem uma população de aproximadamente 4 milhões de pessoas, nós já estamos tendo alguns problemas: mudança de modo de vida das populações locais; problemas estruturais em construções por causa do derretimento do solo congelado, conhecido como permafrost. No caso do desaparecimento do gelo do Ártico temos também algumas oportunidades aparecendo, como a possibilidade de diminuir as rotas entre a Europa e o nordeste dos Estados Unidos para a Ásia. Isso significa custos menores no transporte, mas também abre a possibilidade de conflitos. Quem é o proprietário e tem direito de explorar os recursos naturais do Ártico que estão ficando mais acessíveis em função do degelo? A Rússia considera grande parte do Ártico seu território ou, pelo menos, seu quintal. Então, o derretimento do gelo vai afetar questões da economia e da geopolítica mundial.
Além da parte científica, o seu trabalho também tem uma dimensão política que é o acompanhamento das negociações internacionais para enfrentar esses problemas. Como é que você analisa a evolução dessas negociações?
Jefferson Simões: Não está havendo avanço. A grande questão é a seguinte: quem é que vai pagar a conta? Há um custo embutido nas medidas que precisam ser tomadas e, apesar de todo discurso ambientalista em favor da sustentabilidade, nós não mudamos o nosso modo de vida. Tomemos, por exemplo, a própria política do governo brasileiro nos últimos anos de incentivar a produção e comercialização de automóveis sem fazer um esforço semelhante para ampliar o transporte coletivo urbano. Nós vamos ter que reestudar toda a nossa política energética e, talvez, considerar que, em alguns casos, a energia nuclear é uma alternativa menos poluente para enfrentar esse problema mais imediato do aquecimento. O que não significa dizer, obviamente, que ela não tenha problemas. Não podemos mais ter uma visão mágica e acreditar que uma única fonte de energia pode resolver todos os problemas.
O que todos querem no mundo hoje? Aumento de população com recursos ilimitados a nossa disposição, com queima de energia ilimitada para melhorar a qualidade de vida de toda essa população, sem avaliar muito a situação. É assim que estamos nos comportando. Até que uma catástrofe, uma situação-limite provoque uma mudança. Eu não vejo avanço nenhum nos últimos anos. Estamos mais conscientes, de modo geral, o problema ambiental está em todas as agendas, mas em termos práticos não avançamos muito. Em relação a alguns temas, o que podemos fazer é mitigar os problemas e nos adaptar. Precisamos nos preocupar principalmente com o impacto daquelas populações que têm menos condições.
A situação é preocupante. Houve um erro em termos de comunicação social, há alguns anos, ao se passar a ideia de que o mundo iria acabar. Como não acabou, parece que está tudo bem. O processo de mudanças climáticas no sistema global é gradativo, com aceleração em alguns momentos e aumento de eventos extremos em outros. Isso vai custar muito para a humanidade, mas não vem do dia para a noite.
E dentro da comunidade científica esse tema está resolvido? Qual é o peso das correntes dos céticos e negacionistas climáticos?
Jefferson Cardia Simões: Não existe corrente dos céticos. Esse foi um problema gerado pela imprensa, por não entender como é que a ciência funciona. A ciência, em especial as ciências da natureza, funciona por evidências, não por discursos. Em 2008, 2009, tivemos vários meios de comunicação que procuravam dar o mesmo espaço para diferentes opiniões, como se fosse uma questão de discurso. As ciências naturais não funcionam com base em discurso ou na dialética. Hoje, 98% dos artigos científicos e das opiniões dos cientistas tem uma mesma posição bem clara. Há 2% dos artigos que dizem que não é bem assim. E há um grupo de negacionistas, que não são céticos e que escondem ideologias conservadoras ou teorias da conspiração.
Em alguns casos, há lobbies políticos financiando essas opiniões, como ocorre com setores da extrema-direita norte-americana agrupados no Tea Party e em outros grupos reunidos no Partido Republicano. Esses grupos adotaram uma política há cerca de 25 anos que repete a lógica adotada em relação à indústria do fumo: temos que postergar medidas o máximo possível, pois isso nos dá prejuízo econômico. Daí se nega o que está acontecendo, muitas vezes se nega o próprio racionalismo. A principal crítica da comunidade científica para esses grupos consiste em perguntar: apresentem outra alternativa para o que estamos vendo. Eles não têm. (Fonte: aqui).
segunda-feira, 26 de maio de 2014
MÍDIA: TORCIDA DISTORCIDA
"Quase 400 mil brasileiros já fizeram filas - às vezes, de horas até - para ver, tocar e tirar fotos e selfie com a taça da Copa do Mundo que viaja pelo país. Mas a mídia, Rede Globo a frente, só tem olhos e só destaca os 3 mil que saíram as ruas para protestar contra a Copa em 12 cidades do país há pouco mais de uma semana.
No último sábado, toda a mídia falou de um protesto semelhante, também noticiado como sendo contra a Copa, realizado na Zona Oeste paulistana, no bairro de Pinheiros. Só que neste, os três mil de uma semana antes no Brasil inteiro, evaporaram-se. Reduziram-se a participantes nesta manifestação no fim de semana em São Paulo, o que nem assim arrefeceu o ânimo pró-tragédia da imprensa.
Alguns comentaristas, uma praga cada vez mais presente nos noticiários de TV, que falam mais do que dão notícia, mantiveram o tom que seguem há duas semanas e misturaram os protestos contra a Copa com as greves e passeatas por melhores salários de professores e motoristas (em São Paulo) e de rodoviários (no Rio, como são chamados lá motoristas e cobradores de ônibus).
Todos, mídia, comentaristas, sem exceção, minimizaram a violência das manifestações contra a Copa, a violência de mascarados, de gente com o rosto coberto, de outros que compareceram às manifestações sem saber contra o que protestavam. Estão todos loucos por uma tragédia que macule o Mundial de futebol que começa daqui a 17 dias no nosso país (no próximo dia 12), com a partida entre Brasil e Croácia, no estádio do Corinthians, o Itaquerão, em São Paulo.
A propósito, não deixem de ler o primoroso artigo que o jornalista Ricardo Melo publica hoje na Folha de S.Paulo sob o título 'A Copa, o X-Tudo e a lista da Forbes'. Ele explica bem o que há, no fundo, em torno disso tudo, dos protestos aos rebeldes sem causa que vão às ruas, à cobertura da mídia. Acessem aqui: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ricardomelo/2014/05/1459896-a-copa-o-x-tudo-e-a-lista-da-forbes.shtml".
(Do blog de Zé Dirceu - post intitulado 'Brasileiros entram no ritmo da Copa. E mídia torce por tragédia').
AS VITÓRIAS POUCO DIVULGADAS DO BRASIL
As vitórias pouco divulgadas do Brasil
Por Luis Nassif
O pessimismo geral do país é um caso clássico de esquizofrenia, alimentado por uma mídia do eixo Rio-São Paulo que perdeu a noção da notícia.
Durante dois anos, martelaram diariamente atrasos em obras da Copa, realçaram detalhes de obras inacabadas, uma campanha diuturna sobre a suposta incapacidade do país em se preparar para a Copa – como se depreciando a engenharia brasileira, os grupos privados envolvidos com as obras, os governos estaduais corresponsáveis pelo processo, a criação do clima de derrotismo se abatesse exclusivamente sobre o governo Dilma Rousseff.
À medida que a Copa se aproxima, que os tapumes das obras são retirados, os usuários descobrem aeroportos de primeiro mundo, arenas esportivas de qualidade invejável, novas estatísticas mostrando o potencial financeiro do jogos.
E os jornais passam a se dar conta que a Copa será a maior vitrine do país em toda sua história, com os 14 mil correspondentes, os recordes de visitantes e da audiência esperada para o televisionamento dos jogos.
Por esse sentimento permanente de baixa autoestima, provavelmente não se dará o devido valor a um feito extraordinariamente superior ao de abrigar a maior Copa do mundo da história (na opinião da Fifa): o atingimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, comprovando que o Brasil entrou em um novo estágio civilizatório.
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O conceito de Metas do Milênio nasceu em 2000, quando líderes mundiais acertaram uma agenda mínima global de compromissos pela promoção da dignidade humana e de combate à pobreza, à fome, às desigualdades de gênero, às doenças transmissíveis e evitáveis, à destruição do meio ambiente e às condições precárias de vida.
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Conforme os dados do 5º Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, com quatro anos de antecedência, o país conseguiu alcançar a meta de redução de dois terços a mortalidade infantil, que caiu de 53,7 mortes por mil nascidos vivos em 1990, para 17,7 em 2011.
No saneamento, em 1990 70% da população tinham acesso à agua e 53% à rede de esgotos ou fossa séptica. Em 2012, os indicadores saltaram para 85,5% e 77% respectivamente.
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Outro indicador, o da redução da pobreza extrema, caiu para 3,5% da população, próxima à meta de 3%.
Segundo o Ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos Marcelo Nery, um dos principais fatores foi a formalização do mercado de trabalho. No período 2002-2005, a formalização girou em torno de 46% da população ocupada. Em 2012 alcançou 58%.
Entre os ocupados a pobreza extrema é de 1,3%; entre os ocupados com carteira de trabalho, de 0,1%.
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Em que pese os avanços que ainda faltam na qualidade do ensino, a taxa de escolarização no ensino fundamental, para crianças de 7 a 14 anos, está próxima de 100%; assim como a taxa de alfabetização de jovens de 15 a 24 anos.
Apesar do analfabetismo funcional, os estudantes de 9 a 17 cursando a série adequada à sua idade saltaram de 50,3% para 79,6%. Parte do avanço foi devido a distorções, como a aprovação automática. (Fonte: aqui).
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Matéria de capa da revista Veja, em maio de 2011, não deixava pedra sobre pedra. O que não causou estranheza, visto que bem antes daquela data o mau jornalismo já era prática amplamente consagrada em plagas tupiniquins.
O mote consistiu em investir ao máximo em distorção e desinformação. Custos da Copa, por exemplo: o negócio era omitir a verdade, fazer prosperar a convicção de que verbas públicas estavam sendo remanejadas para a construção de estádios, ignorar os naturais efeitos da inflação sobre orçamentos, bem como eventuais retificações em projetos que implicassem elevação óbvia de custos, omitir a existência de operações BNDES, desconhecer/desacreditar estudos de consultorias que antevissem ganhos expressivos para o Brasil em razão da Copa etc etc...