Thomas Piketty, economista.
O pavor dos abastados
Por Leonardo Boff
Está causando furor entre os leitores de assuntos econômicos, economistas e
principalmente pânico entre os muito ricos um livro de 700 páginas escrito em
2013 e publicado em muitos países em 2014. Transformou-se num verdadeiro
best-seller. Trata-se de uma obra de investigação, cobrindo 250 anos, de um dos
mais jovens (43 anos) e brilhantes economistas franceses, Thomas Piketty. O
livro se intitula "O capital no século XXI” (Seuil, Paris 2013). Aborda
fundamentalmente a relação de desigualdade social produzida por heranças, rendas
e principalmente pelo processo de acumulação capitalista, tendo como material de
análise particularmente a Europa e os USA.
A tese de
base que sustenta é: a desigualdade não é acidental, mas o traço característico
do capitalismo. Se a desigualdade persistir e aumentar, a ordem democrática
estará fortemente ameaçada. Desde 1960, o comparecimento dos eleitores nos USA
diminuiu de 64% (1960) para pouco mais de 50% (1996), embora tenha aumentado
ultimamente. Tal fato deixa perceber que é uma democracia mais formal que
real.
Esta tese, sempre sustentada pelos melhores analistas sociais e
repetida muitas vezes pelo autor destas linhas, se confirma: democracia e
capitalismo não convivem. E, se ela se instaura dentro da ordem capitalista,
assume formas distorcidas e até traços de farsa. Onde ela entra, estabelece
imediatamente relações de desigualdade que, no dialeto da ética, significa
relações de exploração e de injustiça. A democracia tem por pressuposto básico a
igualdade de direitos dos cidadãos e o combate aos privilégios. Quando a
desigualdade é ferida, abre-se espaço para o conflito de classes, a criação de
elites privilegiadas, a subordinação de grupos, a corrupção, fenômenos visíveis
em nossas democracias de baixíssima intensidade.
Piketty vê nos USA e na
Grã Bretanha, onde o capitalismo é triunfante, os países mais desiguais, o que
é atestado também por um dos maiores especialistas em desigualdade, Richard
Wilkinson. Nos USA executivos ganham 331 vezes mais que um trabalhador médio.
Eric Hobsbawn, numa de suas últimas intervenções antes de sua morte, diz
claramente que a economia política ocidental do neoliberalismo "subordinou
propositalmente o bem-estar e a justiça social à tirania do PIB, o maior
crescimento econômico possível, deliberadamente inigualitário”.
Em
termos globais, citemos o corajoso documento da Oxfam Intermón, enviado aos
opulentos empresários e banqueiros reunidos em Davos em janeiro deste ano como
conclusão de seu relatório "Governar para as elites, sequestro democrático e
desigualdade econômica”: 85 ricos têm dinheiro igual a 3,57 bilhões de pobres do
mundo.
O discurso ideológico aventado por esses plutocratas é que tal
riqueza é fruto de ativos, de heranças e da meritocracia; as fortunas são
conquistas merecidas, como recompensa pelos bons serviços prestados. Ofendem-se
quando são apontados como o 1% de ricos contra os 99% dos demais cidadãos, pois
se imaginam os grandes geradores de emprego.
Os prêmios nobeis J.
Stiglitz e P. Krugman têm mostrado que o dinheiro que (os plutocratas) receberam do Governo para
salvar seus bancos e empresas mal foi empregado na geração de empregos.
Entrou logo na ciranda financeira mundial que rende sempre muito mais sem
precisar trabalhar. E ainda há 21 trilhões de dólares nos paraísos fiscais, de 91
mil pessoas.
Como é possível estabelecer relações mínimas de equidade, de
participação, de cooperação e de real democracia quando se revelam estas
excrescências humanas que se fazem surdas aos gritos que sobem da Terra e cegas
sobre as chagas de milhões de cosemelhantes?
Voltemos à situação da
desigualdade no Brasil. Orienta-nos o nosso melhor especialista na área, Márcio
Pochmann (veja também Atlas da exclusão social – os ricos no Brasil, Cortez,
2004): 20 mil famílias vivem da aplicação de suas riquezas no circuito da
financeirização, portanto, ganham através da especulação. Continua Pochmann: os
10% mais ricos da população impõem, historicamente, a ditadura da concentração,
pois chegam a responder por quase 75% de toda riqueza nacional. Enquanto os 90%
mais pobres ficam com apenas 25%” (Le Monde Diplomatique, outubro
2007).
Segundo dados de organismos econômicos da ONU de 2005, o Brasil
era o oitavo país mais desigual do mundo. Mas graças às políticas sociais dos
últimos dois governos, diga-se honrosamente, o índice de Gini (que mede as
desigualdades) passou de 0,58 para 0,52. Em outras palavras, a desigualdade que
continua enorme, caiu 17%.
Piketty não vê caminho mais curto para
diminuir as desigualdades do que a severa intervenção do Estado e da taxação
progressiva da riqueza, até 80%, o que apavora os super-ricos. Sábias são as
palavras de Eric Hobsbawn: "O objetivo da economia não é o ganho mas sim o
bem-estar de toda a população; o crescimento econômico não é um fim em si mesmo,
mas um meio para dar vida a sociedades boas, humanas e justas”.
E como um
gran finale, a frase de Robert F. Kennedy: "o PIB inclui tudo; exceto o que faz a
vida valer a pena". (Fonte: aqui).
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Ao ver suas convicções questionadas, áulicos do neoliberalismo tratam de desacreditar os estudos de Thomas Piketty, mas até mesmo na 'confraria' há quem julgue precipitada a iniciativa, a exemplo do que se vê aqui.
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