quinta-feira, 19 de junho de 2014

PARABÉNS, CHICO


Chico Buarque completa 70 anos

Por Marcos Aurélio Ruy

Ao pisar profissionalmente num palco pela primeira vez em 1964, Chico Buarque não poderia imaginar que se tornaria o que se tornou para a cultura brasileira. Muito menos quando aos 9 anos de idade escreveu num bilhete para a avó. Na época em que morava na Itália acompanhando o pai - o historiador Sérgio Buarque de Holanda -, o menino escreveu dizendo que se ele não encontrasse mais a avó por aqui ela poderia "ligar a rádio do céu" para ouvi-lo cantar.

O poeta, compositor, escritor e dramaturgo carioca completa 70 anos bem no feriado de Corpus Christi, quinta feira (19) no mesmo ano em que comemora 50 anos de carreira. Duas efemérides que merecem ser ressaltadas porque Chico Buarque é um dos maiores representantes da cultura brasileira de todos os tempos.

Voz constante contra o imperialismo. Manteve-se ao lado dos oprimidos defendendo a unidade latino-americana. Denuncia as injustiças, as arbitrariedades e as mazelas do capitalismo e mesmo sem ser comunista sua obra preconiza o homem novo e o mundo novo.

Grande compositor e cantor. Já tem espaço garantido na história da MPB como o nosso camisa 10 - já que estamos na segunda Copa do Mundo de Futebol no Brasil - da seleção dos craques da música popular brasileira. Justamente porque elevou a canção nacional a níveis raramente vistos em suas mais de 500 músicas, sendo o nosso compositor mais completo na ligação direta de letra e melodia. Chico Buarque produziu pérolas da MPB em parceria ou sozinho, que fica impossível citar somente algumas, sem desmerecer outras.

Com sua dedicação à literatura, já está assegurado na lista dos grandes escritores em língua portuguesa ao lado de Machado de Assis, Graciliano Ramos, Lima Barreto, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, Luís de Camões, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, entre outros. Seus romances vêm numa linha crescente de qualidade e de inspiração.

Ele incorpora a alma do Brasil como poucos. Canta o sofrimento de um povo maltratado por séculos e que merece uma vida melhor com liberdade, igualdade e justiça social, sem preconceitos e discriminações, temas constantes em sua obra. Chico Buarque sempre esteve do lado da classe trabalhadora cantada em prosa e verso em seus trabalhos. Mas também canta o amor e o anseio desse povo que merece ser mais feliz. Sempre com esperança no futuro de um mundo mais igual. Por isso é odiado pela crítica conservadora da velha mídia.

Sua obra reflete a visão de mundo desse artista íntegro e defensor da cultura brasileira sem xenofobia, sem exageros. Na medida certa, mas sem esconder o orgulho de ser brasileiro e de retratar em suas obras a cara do Brasil sem retoques, mas com a cor morena deste povo e de sua diversidade cultural para mostrar que somos um povo único e merecemos ser respeitados pelo que somos.

Não se pode contar a história da cultura brasileira sem tatuar nela o nome de Chico Buarque que completa 70 anos compondo e escrevendo com a mesma jovialidade, mantendo seu caráter revolucionário. Toda sua obra está eivada de esperança no futuro com a classe trabalhadora como propulsora da humanidade. O autor está para lançar seu quinto romance ainda neste ano. Vale conferir e homenagear este grande defensor da cultura brasileira. (Fonte: aqui).

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Mauro Ferreira, aqui, disse:

Chico já tangencia o infinito ao chegar aos 70 anos com a obra glorificada

 Parafraseando versos de Tempo e artista, música lançada por Chico Buarque no álbum Paratodos (BMG-Ariola, 1993), o tempo é a grande estrela na festa dos 70 anos que o cantor, compositor e escritor carioca completa hoje, 19 de junho de 2014. Rei, o tempo obrou a arte de Chico - em foto de Daryan Dornelles - e modelou o artista ao seu feitio. Desse molde, resultou um dos cancioneiros mais belos e fortes da história da música brasileira. Obra que, nascida oficialmente em 1964, permanece incólume em seus 50 anos de vida. Dos sambas e canções dos anos 1960, impregnados de certo lirismo e de uma verve carioca que evocava Noel Rosa (1910 - 1937), Chico logo migrou para as canções mais combativas, já com o status de ter se tornado, a partir de 1968, parceiro do soberano Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994). Na década de 1970, sua música foi a flor que encarou os canhões reais e metafóricos da ditadura instaurada no Brasil desde 1964, tornando Chico um dos alvos preferenciais da censura que abafou, mas jamais calou, a MPB. Analisada com o benefício da perspectiva, a obra de Chico parece ter tido na resistência o motor de sua criação mais intensa. Como se fosse um ato político, essa obra também desafiou as leis e conceitos que delimitam territórios na criação musical pela natureza do sexo de cada compositor. Naquele tempo de guerra, Chico também foi a voz feminina que retratou grandezas e pormenores da alma da mulher em canções de natureza quase sempre dramática, vocacionadas para cantoras teatrais. Vestindo a pele do artista, o tempo também fez Chico experimentar um tempo de delicadeza e serenidade quando cessou a censura oficial. A partir de 1987, ano do álbum Francisco, sua discografia ficou mais espaçada. Músicas e discos de menor empatia popular embutiram requinte crescente na construção da obra. Em fina sintonia com seu renovado tempo, o artista buscou trilhar caminhos harmônicos menos previsíveis, burilando cada vez mais a arquitetura da palavra. Palavra nem sempre acompanhada de melodia. Entre um disco e outro, o romancista tomou a cena, escrevendo livros analisados com  reverência e boa vontade entre os críticos da área por ser o autor quem é. Com seu lápis impreciso, o tempo também pôs rugas ao redor da boca e de todo rosto do artista, mas não lhe arrebatou a garganta - e aí é preciso contrariar os versos da música de 1993. Quando o velho cantor sobe ao palco, o tempo canta. Mas a voz, mesmo com viço irregular, sinaliza que o artista depurou a arte de interpretar a própria obra. Obra que, como o tempo, alcança a glória na era dos 70 anos do autor. Mesmo sob ataques disparados pelo céu de estrelas efêmeras das redes sociais, Chico Buarque de Hollanda já tangencia o infinito alcançado - com a benção do tempo - somente pelos raros gênios da Arte.


Tempo e artista

(Chico Buarque, 1993)


Imagino o artista num anfiteatro

Onde o tempo é a grande estrela
Vejo o tempo obrar a sua arte
Tendo o mesmo artista como tela

Modelando o artista ao seu feitio 
O tempo, com seu lápis impreciso 
Põe-lhe rugas ao redor da boca 
Como contrapesos de um sorriso 

Já vestindo a pele do artista 
O tempo arrebata-lhe a garganta 
O velho cantor subindo ao palco 
Apenas abre a voz, e o tempo canta 

Dança o tempo sem cessar, montando 
O dorso do exausto bailarino 
Trêmulo, o ator recita um drama 
Que ainda está por ser escrito 

No anfiteatro, sob o céu de estrelas 
Um concerto eu imagino 
Onde, num relance, o tempo alcance a glória 
E o artista, o infinito


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Palmas e palmas para o grande Chico Buarque! 

MAIS SOBRE CHICO - AQUI.

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