sexta-feira, 19 de abril de 2024

TRUMPISMO PARA INICIANTES



Por Luigi Mazzi, De Nova York.
(Especial Para Revista Piauí)
 
Antes de tudo, é preciso se indagar: Quais são seus princípios? O que você defende? A resposta deve ser breve – duas ou três palavras – se você aspira a uma carreira política de sucesso. “Aqui vão algumas dicas”, anuncia o professor, revelando o primeiro slide da apresentação. Surge o rosto de Donald Trump. Abaixo dele, quatro letras: Maga – acrônimo de Make America Great Again (Faça a América grande outra vez). Siglas também são eficazes para identificar inimigos. O senador Mitt Romney, continua o professor, é um Rino – Republican In Name Only (Republicano só no nome).

O professor, vê-se, é trumpista. Chama-se Joel Valdez, tem 20 e poucos anos, é americano de família mexicana, veste terno, gravata e cabelo penteado para trás. Fez fama à moda de alguns influenciadores da direita brasileira: comparecia a eventos de esquerda ou protestos universitários, levava consigo um cinegrafista, procurava confusão, tomava um safanão e fazia alarde na internet. Trabalhou na campanha derrotada de Trump em 2020 e hoje é secretário de imprensa de Matt Gaetz, deputado republicano da Flórida, um dos expoentes da ala mais à direita do partido.

Valdez tem modestos 34 mil seguidores no X (ex-Twitter). Mas ele ajuda a cuidar dos 2,7 milhões de seguidores de Gaetz. Seus alvos preferidos não são os democratas, mas os republicanos moderados. “A NBC [rede de tevê americana] nos chama de radicais de extrema direita, o que é verdade”, diz aos alunos, provocando risadas. “Somos criticados em Washington. Nos perguntam: ‘Por que vocês vão atrás dos republicanos?’ Eu digo: ‘Se alguns republicanos falam como democratas, votam como democratas e se vestem como democratas, cabe a nós liderarmos a luta contra eles’.”

A aula de Valdez foi requisitada pelo New York Young Republican Club, fundado em 1911, o mais antigo clube ainda em atividade nos Estados Unidos. O título escolhido para o evento foi Organizing behind enemy lines (Organizando-se por trás das linhas inimigas). Tem razão de ser: o último presidenciável do Partido Republicano a vencer a eleição no estado de Nova York foi Ronald Reagan, em 1984. O último republicano a ser eleito governador no estado foi George Pataki, em 2002.

O clube é discreto. Funciona no terceiro andar de um prédio antigo em Manhattan, sem letreiro na portaria. A aparência é a de um sótão bem cuidado: paredes de tijolo exposto, piso de madeira escura e rangente, tapetes vermelhos, poltronas de couro preto e uma cabeça de cervo pendurada em um canto. Um retrato a óleo de Trump nas cores preto e dourado encobre uma das janelas. Uma fotografia de Richard Nixon sorridente pende acima da porta do banheiro. Uma mesinha acumula garrafas de uísque e outros destilados.

Depois, é preciso se perguntar: Que perfil quero ter na política? Valdez apresenta a primeira opção: the behind-the-scenes operative (o operador de bastidores). “Você não costuma ver essas pessoas na tevê, não ouve a respeito delas em podcasts, mas algumas são conhecidas.” O slide apresenta o nome de Susie Wiles, consultora política veterana, que trabalhou com Reagan e hoje é uma das mentes por trás da candidatura de Trump. “Ela não tem, é claro, um número enorme de seguidores nas redes sociais [são 7 mil, no X], mas tem uma influência imensa na campanha”, atesta o professor. “Eu não me surpreenderia caso ela se tornasse chefe ou vice-chefe do gabinete de Trump na Casa Branca.”

Outra carreira possível: the spokesman/celebrity staffer (o porta-voz/funcionário-­celebridade). Entre os nomes listados na tela, estava o do próprio Valdez. “Eu não diria que sou uma celebridade”, concede, modesto. “Mas meu chefe diz que Vish Burra é.” Burra é um jovem polemista, filho de imigrantes indianos, que, como Valdez, aderiu à extrema direita nos anos Trump. Tornou-se um dos principais assessores de George Santos, o filho de brasileiros que se elegeu deputado pelo Partido Republicano e acabou cassado em dezembro de 2023 depois que se descobriu a série de mentiras que contou sobre sua família, sua formação acadêmica, seu histórico profissional…

Para ser como Burra, ensina Valdez, é preciso “estar nas redes sociais 24 horas por dia”, publicando notícias e vídeos virais. Não é para todo mundo. Há quem prefira ser um yapper – um tagarela, que posta pouco, mas costuma fazer textos longos que influenciam o debate político, como Darren Beattie, ex-assessor de Trump, ou Paul Ingrassia, jovem republicano nova-­iorquino. “Olhando para esses caras, eu diria que hoje em dia eles são alguns dos próceres da cultura republicana.”

A próxima opção de carreira, adianta o professor, é “mais apimentada”. Quem quer ser um shitposter (um postador de merda)? Risadas no salão. Para ocupar esse perfil, não basta publicar bobagens nas redes sociais. “Os memes deles tocam no Zeitgeist; atingem a política num nível mais profundo”, ensina Valdez. O grande shitposter do momento é Brenden Dilley, um streamer republicano que faz sucesso no Telegram e, segundo o New York Times, disse certa vez dos próprios memes: “Não tem que ser verdade. Só tem que viralizar.” Valdez justifica: “Se você é eficaz, a grande imprensa vai te atacar, o que é ótimo. É um sinal de que você está indo bem.”

Compareceram dezoito alunos. Um quórum baixo. Talvez porque fosse 16 de março, um sábado de Sol e véspera de feriado de São Patrício (os pubs da cidade estavam lotados). Talvez porque os republicanos em Nova York se sintam isolados como um bolsonarista no Piauí. Ou talvez porque o preço fosse muito salgado: 25 dólares (cerca de 125 reais), ou 15 para membros do clube.

O professor foi aplaudido. Terminada a aula, dois jovens republicanos se juntaram a ele para uma mesa redonda. Um deles quis saber: como podemos divulgar nossas ideias em uma cidade tão hostil a elas? Valdez, que também é responsável pela comunicação do clube Washington, D.C. Young Republicans, recorreu à própria experiência: “Quando você começa pequeno nas redes sociais, você quer que as pessoas te amem ou te detestem. Essa foi a nossa estratégia no clube: deixar bem claro quem eram nossos inimigos e nossos aliados. Isso significa partir pro ataque quando alguém posta algo estúpido. Não porque você é um bully, mas porque você quer essas pessoas como suas inimigas, e você quer que seus aliados te protejam.”

Seguindo esses mandamentos, o clube na capital saltou de 4 mil para 10 mil seguidores no X. Valdez, orgulhoso de seus métodos, diz se inspirar em Frank Underwood, político sem escrúpulos que protagoniza a série ficcional House of cards. “You’re either a doormat or a matador” (Ou você é um capacho ou um matador), dizia o personagem, interpretado por Kevin Spacey (a frase tem efeito aliterativo: doormat é quase uma inversão das sílabas de matador). “Eu nunca me permito ser um capacho”, concluiu o professor.  -  (Fonte: Revista Piauí - Aqui).

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