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Um de nossos grandes companheiros ao longo de anos, o grande Ziraldo, de traços e textos antológicos, merece, sem vacilos, homenagens a granel, e essa defendida por Maringoni seria uma delas!
NUNCA HOUVE NO MUNDO UM ARTISTA GRÁFICO COMO ZIRALDO. Não estou exagerando: nunca houve! Em tempo algum. Até porque seria um reducionismo classificar o mais famoso filho de Caratinga – desculpem Ruy Castro, Miriam Leitão, Agnaldo Timóteo e Silvio Brito – apenas como “artista gráfico”.
O PAI DO MENINO MALUQUINHO abraçou os ofícios de editor, quadrinhista, chargista, locutor, jornalista, escritor, teatrólogo, publicitário, entrevistador, roteirista, jurado de televisão e ator. Sim, ator: procurem no Youtube “Esse mundo é meu” (1964), filme de Sérgio Ricardo, no qual nosso herói faz papel de padre. E ainda se gabava de cantar boleros com a competência de um Gregório Barrios. Ninguém foi tantos, nenhum foi muitos assim. Um showman, um dínamo, um azougue, como se dizia muito lá atrás (ele só não se entendia com a internet).ISABEL LUSTOSA LEMBRA que apenas dois artistas poderiam se equiparar a ele na imprensa brasileira: Angelo Agostini, absoluto em jornais e revistas na segunda metade do século XIX, e J. Carlos, explosão criativa nos primeiros 50 anos do seguinte. O mineiro surgiu nessa época e esparramou seu talento daí por diante.
ZIRALDO CRIOU A PRIMEIRA série de quadrinhos do mundo a ter como protagonistas um menino negro com deficiência – o Saci – e um membro dos povos originários – Tininim. Era a Turma do Pererê, que mesmo publicado esparsamente nos últimos 65 anos, não tem comparação a altura. Com suas namoradas – Boneca de Pixe e Tuiuiú -, conviviam com a onça (Galileu), o macaco (Allan), o jabuti (Moacir), o tatu (Pedro Vieira) e um coelho estranhamente vermelho (Geraldinho) – tudo supervisionado por Mamãe Docelina. Os nomes vinham de amigos de infância. O gibi vendia como água, entre 1959-64. Saiu de circulação no mesmo mês do golpe.
O PERERÊ SINTETIZOU modos de vida da transição demográfica do Brasil rural para o urbano. O país que em 1930 tinha quase 80% da população distribuída esparsamente no campo passou a ter, três décadas depois, metade de sua gente habitando cidades do sul-sudeste, inchadas e carentes de infraestrutura e instituições que amparassem os fugitivos da fome e da miséria.
NAS PÁGINAS DO GIBI, isso é mostrado sem cacoetes acadêmicos, através de uma trupe em infindáveis peripécias num ponto incerto do “Brasil central”, defendendo seu modo de ser, sua floresta e até mesmo o direito de estar vivo num mundo que se transformava aceleradamente. Moacy Cirne destacou, em “A linguagem dos quadrinhos” que “poucas vezes, no quadro geral da literatura e arte brasileiras, uma obra refletiu com tanta agudeza crítica os problemas sociais de sua época”.
NO DESENHO, SUAS INFLUÊNCIAS MAIORES vieram da geração de cartunistas europeus surgidos no pós-Guerra – Sempè, Steinberg, André François e outros – e expoentes do modernismo brasileiro. “A partir de determinado tempo, passei a olhar mais os trabalhos de Portinari e Di Cavalcanti, com formas justapostas de efeitos gráficos muito originais”, me contou numa conversa em fins de 1990. Seus traços do começo dos anos 1970 revelam uma crescente preocupação formal, tendente ao geometrismo, que resultava em composições quase construtivistas.
ZIRALDO FOI TAMBÉM O MAIS POPULAR autor de livros infantis brasileiros da atualidade. O seu “O menino maluquinho” (1979) já passa de 2,5 milhões de exemplares vendidos, tendo sido convertido para teatro e cinema, além de gerar uma série de outros produtos. Marcante foi sua atuação durante a ditadura (1964-1985), não só através dos trabalhos para a imprensa, mas também em colaboração com as campanhas da Anistia e das Diretas Já, bem como para inúmeras entidades populares. Deve entrar nessa conta, também, seu papel decisivo para o sucesso do “Pasquim”, a partir de 1969.
UMA AMIGA EM COMUM – Sonia Luyten – me sintetizou o significado afetivo de Ziraldo, depois de viver anos no Japão, num tempo em que não existia internet ou facilidades de comunicação instantânea. “Vi por acaso uns desenhos dele numa publicação e senti uma saudade imensa do Brasil. Aquilo para mim é um pedaço de nosso país”.
É ISSO MESMO. O traço de Ziraldo – agora um imortal sem nunca ter entrado na Academia – é um símbolo nacional. O Pererê bem poderia estar no centro de nossa bandeira. - (Aqui).
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