sábado, 2 de março de 2024

OSCAR 2024: NO MERCADO DA NEGRITUDE

.
A propósito de 'FICÇÃO AMERICANA', concorrente ao Oscar de Melhor Filme - e uma nota sobre 'FERRARI'

 Por CARLOS ALBERTO MATTOS

Dos dez indicados ao Oscar de melhor filme este ano, a comédia Ficção Americana (American Fiction) é o único que aborda diretamente uma questão contemporânea. Discute a transformação das demandas por representatividade em objeto de marketing. As prateleiras das livrarias estão cheias de livros que atendem às expectativas de diversidade racial, de gênero, de sexualidade e de origem étnica. E sabemos que muitos deles são meros produtos de oportunismo editorial. Não descarto que o mesmo aconteça também com filmes e outros ramos do mercado de cultura.

O filme de estreia de Cord Jefferson no cinema (ele vem da TV), baseado em livro de Percival Everett, quer bagunçar o coreto dessa tendência. Seu protagonista é um escritor refinado que não tolera os estereótipos de violência, sofrimento, pobreza, traumas, rap e drogas com que os negros são tantas vezes retratados na literatura ou na TV. Daí ele se lançar à escrita de um livro com tudo o que mais detesta, mas apenas como uma provocação, sem a intenção de realmente publicá-lo.

Mais eis que o plano dá errado. Ou melhor, dá certo, e ele acaba entrando no jogo do consumo como um autor misterioso, um negro evadido do presídio. Dificuldades financeiras e familiares contribuem para que Monk arrisque uma jogada obviamente fadada ao fracasso, isto é, ao sucesso.

Monk é um homem despojado e não muito apto à sociabilidade. Há um bocado de ironia na maneira como ele lida com os excessos do politicamente correto e com o status quo branco que rege o meio editorial. Uma das formas de se ajustar às expectativas do mercado para os livros negros é adotar erros gramaticais e falas marrentas – sinais recebidos como pura “energia visceral” e “uma ferida aberta”.

O tema é espinhoso, sem dúvida. Até porque o próprio background de Monk tem seus estereótipos, como o irmão gay, viciado em drogas e aprontador. Ou a empregada preta, corpulenta e maternal que me lembrou a Mammy de E o Vento Levou. Mas American Fiction navega bem entre as armadilhas e expele um humor irresistível em diversos momentos. Formalmente simples, tira proveito de um elenco brilhante, do protagonista Jeffrey Wright ao mais fortuito coadjuvante. Concorre aos Oscars de melhor filme, roteiro adaptado, ator (Jeffrey Wright), ator coadjuvante (Sterling K. Brown) e música (Laura Karpman).

>> Ficção Americana está na plataforma Prime Video.

Ferrou, Ferrari

É da natureza dos mercodramas vincular a história e o destino dos empreendimentos às qualidades e aos dissabores de seus criadores. Mas Ferrari abusa um bocado desse padrão. A relação entre o momento de crise nas finanças da empresa, em 1957, e as tensões de Enzo Ferrari com a esposa por conta do filho que ele tem com outra mulher parece tão forçada quanto uma Ferrari correndo com motor de Fusca.

O filme é burocrático ao extremo, com uma longa e tediosa peroração que leva ao que de fato interessa na meia hora final: a corrida Mille Miglia. Mesmo essa, com toda a perícia da filmagem e as locações em diversas cidades italianas, está longe de despertar emoção. Adam Driver é um monolito em cena, sem qualquer variação de tom ou expressão. Penélope Cruz está insuportável como a esposa traída, chantagista, constantemente enraivecida e falando num inglês com inexplicável sotaque italiano. O brasileiro Gabriel Leone põe charme no piloto espanhol, mas tem poucas falas para ganhar relevo no filme.

Gosto do que escreveu o crítico do The Boston Globe, destoando dos elogios dominantes: “Michael Mann fez o impossível: um Ferrari devagar”.  -  (Blog Carmattos - Aqui)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Faça o seu comentário.