terça-feira, 9 de janeiro de 2024

CINEMA: O CÉU SOBRE "DOIS PAíSES"


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É uma pena que esse novo documentário de Sandra Kogut não esteja sendo exibido agora no aniversário do 8 de janeiro. Ali estão as raízes da intentona da extrema direita que ameaçou de morte a democracia brasileira. O filme teve uma sessão catártica de estreia no recente Festival de Brasília. 

Sandra mobilizou personagens e equipes em cinco estados para acompanhar a campanha eleitoral de 2022, ápice da polarização que ainda hoje persiste no país. No Rio de Janeiro, as militantes petistas Milena e Estela atuavam na rua e nas redes sociais, enquanto o casal Antonia Pellegrino e Marcelo Freixo se empenhava na campanha dele ao governo do estado. Em Brasília, a delegada eleitoral Neli trabalhava nos bastidores das eleições, assim como Rute no interior do Pará. Em Curitiba, o caminhoneiro Ferreirinha e sua família frequentavam cultos evangélicos e prometiam deixar o país se Bolsonaro não fosse reeleito. Em São Paulo, Osvaldo vendia camisetas e toalhas, só esquecendo sua preferência pelo candidato fascista quando se tratava de vender uma peça do Lula. 

Assim o filme vai cobrindo as duas pontas do processo eleitoral: a ponta “externa” do eleitor e do militante, e a “interna” do candidato e dos bastidores do sistema de votação. É emocionante ver a saga do transporte de urnas eletrônicas pelos confins da Amazônia, bem como a esperança fervorosa dos partidários do PT pela restauração de um país menos fundado no ódio e nas mentiras. 

Tal como outros filmes recompuseram o processo político entre 2013 e 2018 (vejam meu site Cinema contra o Golpe), No Céu da Pátria Nesse Instante sintetiza as tensões que se avolumaram à medida que a vitória de Lula começou a se mostrar possível. A circulação de fake news sobre falhas das urnas, a sabotagem orquestrada pelas polícias no dia do 2º turno e a reação dos “patriotas” a pedir intervenção do “poder do Exército” contra o resultado da eleição pavimentavam o caminho para a tentativa de golpe de 8 de janeiro.

A impossibilidade de diálogo entre as duas frentes fica patente nos diálogos finais de Sandra com dois personagens, quando ela questiona a versão de fraude nas urnas e só recebe como resposta a Bíblia ou o impasse absoluto. “Vivemos em países diferentes”, diz Ferreirinha para fechar a conversa.

Esses dois países continuam a existir por força do credo de extrema direita que avança em grande parte do mundo. Cabe a filmes como esse, produzidos de maneira coletiva e com a participação dos dois lados, contribuir para que superemos esse já longo instante."




(De Carlos Alberto Mattos, artigo sob o titulo acima, publicado no Brasil 247 - Aqui.

Mattos é titular do excelente Blog Carmattos - Aqui -, dedicado à crítica de cinema)

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