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Situação constrangedora.
Por João Ozorio de Melo
A acusação foi feita na quinta-feira (6/4) pela ProPublica, uma agência jornalística sem fins lucrativos que investiga abusos de poder. No dia seguinte, o ministro se defendeu em uma declaração à imprensa. Basicamente, disse que seguiu os conselhos dos colegas, quando chegou à corte, e prometeu declarar tais presentes no futuro, diante de novas diretrizes aprovadas no mês passado.
Um dos destaques da acusação foi uma viagem de nove dias que Thomas e sua mulher, Virgínia, fizeram à Indonésia em 2019 — como todas as outras, às expensas do “magnata do setor imobiliário” Harlan Crow. O casal viajou em jato particular, um Bombardier Global 5000, e passeou por um arquipélago vulcânico em um iate de 162 pés (quase 50 metros), com serviço de bordo e um chefe particular — ambos de Crow.
Se Thomas tivesse de pagar por essa mordomia, o custo total excederia US$ 500 mil — fora a hospedagem, segundo a ProPublica. Em comparação, o salário de um ministro da Suprema Corte é de US$ 285 mil por ano. Ou seja, só essa viagem custaria quase o dobro do salário anual do magistrado.
Há mais de duas décadas, Thomas viaja de férias, quase todos os anos, para outra propriedade de Crow, o resort Camp Topridge, que fica nas montanhas de Adirondacks, no norte do estado de Nova York.
A casa na propriedade de 105 acres tem, entre outras comodidades, uma cascata artificial e um grande saguão com uma pintura de Thomas e Crow. A diária mais baixa de um hotel nas proximidades é de US$ 2.250. A região atrai bilionários de todo o mundo.
Thomas também frequenta o espaçoso rancho de Crow no Texas e já viajou com ele para Bohemian Grove, um refúgio exclusivo, só para homens, na Califórnia.
As regras em discussão
A quantidade e a frequência de presentes recebidos por Thomas não têm precedentes na história moderna da Suprema Corte, diz a ProPublica.
O fato de o ministro não os ter relatado em suas declarações financeiras pode ser uma violação de uma lei aprovada após Watergate, que requer dos ministros, juízes, membros do Congresso e autoridades federais a divulgação da maioria dos presentes recebidos.
Os parlamentares, por exemplo, são geralmente proibidos de receber presentes que custem mais de US$ 50, a não ser que obtenham uma pré-aprovação do Comitê de Ética da Casa.
Os juízes federais ocupam uma posição única na confiança do público. Eles têm mandato vitalício, um privilégio concedido para isolá-los das pressões e de possível corrupção política, segundo a ProPublica. O código de conduta dos juízes de primeiro e segundo graus requer que evitem até mesmo a “aparência de improbidade”.
Em sua nota, o ministro Clarence Thomas declarou: “Quando cheguei à corte, meus colegas e outros membros do Judiciário me explicaram que esse tipo de hospitalidade pessoal, a convite de amigos pessoais próximos que não têm processos tramitando na Suprema Corte, não precisa ser declarado. Sempre procurei cumprir as diretrizes de divulgação financeira”.
Os ministros da Suprema Corte devem fazer divulgações financeiras anualmente. No mês passado, o comitê da Conferência Judicial (o órgão que dita as políticas para o Judiciário federal) adotou novas exigências, mais estritas, para a divulgação de presentes recebidos pelos juízes.
A nova norma esclareceu que “hospitalidade pessoal” não se aplica a presentes relacionados a propriedades comerciais. Só se aplica a certos presentes de alguém que mantém uma relação pessoal com o ministro, em um contexto que não envolva sua ocupação.
“Diante da mudança das regras, no mês passado, é minha intenção seguir essas diretrizes no futuro”, disse Thomas em sua nota.
A proibição de hospitalidade em propriedades comerciais é um problema para as viagens de Thomas a Camp Topridge, que pertence a Crow. É, portanto, uma “propriedade comercial”.
Crow também divulgou uma declaração, em que afirma que ele e sua mulher “nunca tentaram influenciar o ministro em qualquer caso perante a corte. E não tinha notícias de que qualquer outro de seus convidados tenha procurado influenciar o ministro em qualquer processo. Sempre foram reuniões de amigos”.
A missão do bilionário
Crow pode não tentar influenciar o ministro em processos tramitando na Justiça, embora, vez ou outra, a Suprema Corte decida casos de interesse do setor imobiliário.
A missão à qual o bilionário se entrega fervorosamente é mais ampla: apoiar os esforços ideológicos para moldar a lei e o Judiciário, dar suporte às causas conservadoras, fortalecer a direita (ele teria pavor do marxismo) e ajudar o Partido Republicano e a política conservadora pró-empresas.
As “reuniões de amigos” sempre incluíram executivos corporativos, ativistas políticos e grandes doadores do Partido Republicano. No quadro pendurado em Camp Topridge, em que Thomas e Crow fumam charutos, também está Leonard Leo, líder da Federalist Society e considerado o arquiteto da virada definitiva da Suprema Corte para a direita, durante o governo Trump.
Tido como “megadoador” republicano, nos últimos anos ele doou mais de US$ 10 milhões em contribuições publicamente divulgadas ao partido. E também destinou verbas milionárias a organizações que mantêm os nomes dos doadores secretos e manipulam uma espécie de caixa dois. “Eu não divulgo o que não sou obrigado a divulgar”, ele disse uma vez ao Times.
Crow também doou meio milhão de dólares a uma organização filiada ao grupo ultraconservador Tea Party, fundada pela mulher do ministro, Ginny Thomas. E pagou a ela um salário de US$ 120 mil.
Repercussão da denúncia
A denúncia da ProPublica teve uma enorme repercussão na comunidade jurídica dos EUA, especialmente entre juízes, e entre os políticos do Partido Democrata. Os políticos republicanos defenderam Thomas ou preferiram não se pronunciar.
Políticos democratas sugeriram que Thomas deveria renunciar ou que deveria sofrer impeachment, o que não vai acontecer porque a maioria da Câmara dos Deputados é republicana. E o ministro certamente não pretende renunciar, pelo que se lê em sua declaração à imprensa.
No entanto, um projeto de lei que propõe obrigar a Suprema Corte a adotar um código de ética rigoroso, que já tramita no Congresso, poderá ganhar alguma tração.
Alguns juízes e advogados criticaram o ministro. Entre eles, a juíza aposentada Nancy Gertner, que disse à ProPublica: “É incompreensível que um juiz faça uma coisa dessa. Quando eu estava na ativa, sequer mencionava meu cargo ao tentar fazer uma reserva em um restaurante. É uma questão de não querer usar seu cargo para qualquer outra coisa que não seja parte de sua função”.
A ex-advogada de ética governamental Virginia Canter, que serviu governos dos dois partidos, disse à publicação que Thomas parece ter desprezado suas altas obrigações éticas. “Quando o estilo de vida de um ministro é subsidiado por ricos e famosos, isso definitivamente corrói a confiança do público.” - (Aqui).
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Ao que o leitor Juro, advogado autônomo, pondera e pergunta:
"Já vimos que são reprováveis e reprovadas essas “doações” que beneficiam UM determinado juiz… Lá e cá.
A pergunta agora é: e as “doações” que beneficiam um determinado COLETIVO de juízes (associações de magistrados e quejandos), para eventos turístico-culturais (bom dia, Banco do Brasil e outros!), também?
Comprometem a imparcialidade dos julgadores nas causas de interesse, direto ou indireto, dos “doadores”?
Cabe pesquisar vitórias e derrotas judiciais dos mecenas nos tribunais… uma amostragem a se considerar para a elucidação da questão…".
A pergunta agora é: e as “doações” que beneficiam um determinado COLETIVO de juízes (associações de magistrados e quejandos), para eventos turístico-culturais (bom dia, Banco do Brasil e outros!), também?
Comprometem a imparcialidade dos julgadores nas causas de interesse, direto ou indireto, dos “doadores”?
Cabe pesquisar vitórias e derrotas judiciais dos mecenas nos tribunais… uma amostragem a se considerar para a elucidação da questão…".
Situação constrangedora.
O vil metal é vil.
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