quarta-feira, 9 de novembro de 2022

SER DECLARADAMENTE DE ESQUERDA, POR LUIS NASSIF


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O colega Fábio Zanin publica uma boa matéria sobre a censura que sofri do prefeito bolsonarista de Poços de Caldas. No artigo, para demonstrar a motivação política do prefeito, me enquadra como “declaradamente de esquerda”.

Agradeço a nota de Zanin, mas o “declaradamente de esquerda” dá um bom mote para a discussão do momento: o que é ser de esquerda ou direita? Como se todos os temas fossem abarcados por essa dicotomia.

Talvez seja a confusão maior em que se meteu a humanidade, nesta era de polarizações.

Vamos a alguns temas fundamentais para conceituar ideologicamente as pessoas:

Direitos Humanos – é tema considerado de esquerda. De fato, foi a esquerda que abraçou as grandes teses humanistas.  Mas, e os críticos das políticas identitárias, são de esquerda ou de direita? Conheço vários “progressistas” que consideram que as políticas identitárias (aquelas em que um grupo vulnerável assume sua própria defesa) são estratagemas da direita para enfraquecer a luta maior da emancipação dos vulneráveis. Essa é uma bandeira típica da esquerda radical, mas não apenas. É abraçada por lideranças de direita – como Ciro Gomes – que consideram que desviam o foco da luta por um projeto nacional. E aí? Sou a favor das políticas de direitos humanos, defendo as políticas identitárias e considero que o grande desafio dos estadistas é abrir espaço para essas políticas, mas trazê-las para debaixo de um partido político – sem que percam suas identidades. Sou de esquerda ou direita?

Mercado – há três posições em relação ao mercado. Um esquerdista clássico é contra o mercado, visto como o braço mais vistoso do capitalismo selvagem. O neoliberal trata o mercado como um bezerro sagrado. Alinho-me com aqueles que consideram o mercado essencial para a promoção do desenvolvimento, desde que submetido a regras claras de controle e responsabilidade social e ambiental, e sem a influência que hoje tem sobre a política econômica. Ele tem que ser uma peça de estratégias de desenvolvimento integral apresentado pelo governo. Como fico? Sou declaradamente de esquerda ou social-liberal?

Empresas públicas – também há três posições sobre o tema: os que consideram que toda empresa pública é intocável; os que julgam que todas devam ser privatizadas; os que defendem o papel das empresas públicas estratégicas, que devem ter como foco o consumidor e a economia; e ainda os que defendem, como os chineses, que mesmo as empresas estratégicas devam ter parte do capital em bolsa, para monitoramento da sua eficiência. Sou do grupo da social-democracia, que defende o papel econômico e social das empresas públicas, tendo como foco a produtividade da economia e o bem-estar dos consumidores.

Empresas privadas – há os que são contrários a qualquer forma de empresa privada e aqueles que as consideram a prioridade única da economia. Finalmente, os que consideram que, mesmo privadas, empresas são ativos públicos – no sentido de que devem ser preservadas, enquanto geradoras de emprego, pagadoras de impostos e desenvolvedoras de inovação. Mas seus ganhos devem se destinar, também, ao bem estar dos funcionários – através do respeito aos direitos trabalhistas e previdenciários. Mais que isso: seguindo o modelo alemão, defendo que as grandes empresas tenham participação acionária de sindicatos de trabalhadores. É a melhor maneira de casar interesses do capital e do trabalho. Seria uma posição declaradamente de esquerda ou social-democrata?

O paradoxo da eficiência econômica – Há décadas, consolidou-se a ideologia de que a prioridade única das políticas econômicas deve ser o mercado. Com o mercado se desenvolvendo, haverá crescimento na economia e benefícios para todos. Sempre foi um blefe. Mas, em cima desse blefe, todas as análises midiáticas passaram a levar em conta apenas a eficiência individual de cada empresa – muitas vezes medida pela sua capacidade de geração de dividendos. Tome-se o caso do BNDES. É um banco de desenvolvimento público cuja orientação era fornecer financiamento de longo prazo às empresas, tendo como base as taxas internacionais – para dar igualdade de condições aos investimentos internos. Só que o mercado queria entrar nesse espaço de financiamento e capitalização das empresas, mas o BNDES balizava o custo do dinheiro. O que foi feito? Simplesmente aumentaram-se as taxas de juros do BNDES, a pretexto de que o financiamento a juros baixos era subsídio bancado pelo povo brasileiro. O mercado ganhou e a economia perdeu. Ser a favor das taxas baixas do BNDES é ser de esquerda ou de direita?

Sobre o papel do Estado – a esquerda quer tudo estatal; a direita não quer estado. Defendo um Estado forte, que atue em políticas sociais, que estimule o ambiente econômico para desenvolvimento das empresas privadas, e que seja eficiente no combate às desigualdades. Sou esquerda ou direita?

Sobre direitos trabalhistas – a esquerda defende que se revoguem todas as mudanças trabalhistas. A direita defende sua manutenção. Eu defendo uma nova reforma trabalhista que contemple os novos tempos, mas que substitua os direitos anteriores – superamos pelo novo modelo de emprego – por outros direitos que garantam o bem-estar do trabalhador. Sou direita ou esquerda?

Enfim, o mundo é muito complexo para caber em conceituações simplificadoras. O relevante é que, sendo esquerda ou direita, pessoas e instituições se guiem por princípios básicos:
  • É responsabilidade do país garantir direitos básicos a todos seus cidadãos, incluindo direito à alimentação, à aposentadoria digna e à informação.
  • É assegurado a todos os brasileiros o direito à livre manifestação religiosa.
  • Todo desenvolvimento precisa, necessariamente, ser atrelado à melhoria de vida da população. Setores eliminadores de emprego devem ser taxados para, com os recursos arrecadados, garantir o sustento dos desempregados.
  • É papel de qualquer nação civilizada a redução das desigualdades e, principalmente, o combate à fome e à miséria absoluta.
  • A questão ambiental é tema global. Mas países que consomem mais recursos (os mais ricos) têm a obrigação moral de apoiar os países mais pobres.
Não se trata de esquerda ou direita, mas de civilização ou barbárie."


(De Luis Nassif, jornalista, músico e analista político-cultural, artigo sob o título em destaque, publicado no Blog Jornal GGN Aqui -, de que é titular.

'Não se trata de esquerda ou direita, mas de civilização ou barbárie'. Eis a máxima sucinta e definitiva - lembrando que uma oitiva nos comentários suscitados vale a pena).

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