"O jornalista Rafael Cariolo e o economista Thales Pereira acabam de lançar um livro pela Companhia das Letras com o título acima, comentado pela Revista Piauí na sua edição de agosto sob o título "Dom João VI abre os cofres" complementado com a introdução "como os gastos do Monarca desorganizaram as finanças públicas do Brasil".
Ainda sobre o mesmo assunto o caderno Cultura e Comportamento do Estadão de 7/9/22 publicou matéria sob o título "O pai do Brasil foi o déficit, a mãe a inflação", comentando a crise econômica na comemoração do bicentenário da independência.
As duas matérias têm em comum que a história da emancipação política, 200 anos depois, inserem como responsável da situação financeira, as despesas da monarquia e tantas outras que a sucederam, e que tiveram como origem gastanças imperiais que desde então teriam se perpetuado ao longo de séculos, mesmo em governos republicanos.
Será que a crise nas finanças tem a ver com a insatisfação de seus súditos como herança do reinado de Dom João VI?
O que pretendo com essas modestas linhas é debitar os malefícios na instalação da corte no Brasil, sem considerar os grandes benefícios que nos trouxeram.
A elevação dos gastos militares, assim como aconteceu em diferentes monarquias da Europa, tinha a ver com as despesas para expulsar os franceses quando invadiram Portugal em 1807 durante as guerras napoleônicas. Mas a gastança com uma sucessão de festividades custou muito aos cofres públicos, tais como aniversários e casamentos de membros da família real. Também, a distribuição de títulos de nobreza se multiplicou com expressivos custos para os cofres públicos. Para cobrir essas despesas foram feitos empréstimos com o Banco do Brasil e a cunhagem de moedas. A emissão monetária fomentou a inflação.
Segundo os autores, o interesse das elites de então era o de preservar o modelo econômico onde a mão de obra escrava mantinha papel relevante, mas os autores não se ativeram a esse aspecto como a questão básica do nosso atraso, e sim à manutenção do modelo, mesmo após a Independência e que teria gerado desigualdade socioeconômica que se perpetuaram por décadas. Continuamos cobrando mais impostos diretos sobre os bens que pesam nos mais pobres, a chamada injustiça fiscal indireta, principalmente através das taxações sobre consumo.
Refletindo esses questionamentos da era colonial, os comentaristas anotam que não podemos olhar para frente devido essa herança negativa que nos persegue. Registram uma visão negativa sobre o nosso futuro. Deixam de registrar que tivemos momentos de crescimento associados a controles efetivos das contas públicas.
Não me alinho entre muitos críticos implacáveis dos nossos colonos portugueses. Se por um lado hábitos faustosos e benesses são justificadamente questionados (lembrando que as cortes europeias também funcionavam assim) mas principalmente o que historiadores chamam de herança colonial, foram milhões de escravizados (nosso país foi dos últimos a abolir a escravidão) e na opinião do historiador, membro da ABL, José Murilo de Carvalho, explica que nossa população tenha ficado alheia à política até os anos 1950. Desse ano até 1980, tivemos maior crescimento demográfico e substancial transferência do campo para as cidades, inclusive com grandes fluxos de emigrantes italianos, japoneses e em menor escala de outros países.
No período indicado houve uma imersão do povo na política e pessoas, que até então nunca tinham votado ou em muitos casos o faziam a mando dos fazendeiros, passaram a ter capacidade de atuação.
Segundo o historiador, a escravidão deixou marcas profundas que se manifestam até hoje através de preconceitos e discriminações, que infelizmente é uma realidade. Mais recentemente, com a adoção de políticas afirmativas de inclusão social como o sistema de cotas no ensino superior e dando às mulheres maior espaço na sociedade, vem criando uma nação mais inclusiva. Ele também, como tenho me manifestado em vários artigos, vem criticando nossa irrelevância nas relações internacionais, sem indicar a importância do nosso país no contexto internacional, agora mais do que nunca em função da guerra na Ucrânia.
Convictamente me incluo entre aqueles que, reconhecendo muitos dos problemas atribuídos a colonização portuguesa, acreditam que devemos enfatizar que os benefícios herdados foram bem superiores às heranças negativas.
A vinda de D. João VI ao Brasil, fugindo da ameaça napoleônica da Europa, foi um gesto político da maior envergadura e com isso salvou-se a colônia, e com as capitanias hereditárias afirmamos o referencial de nossa legitimidade. Portanto, tentativas de separação foram reduzidas graças à forte presença do corte no Rio. Certamente, essa unidade territorial sem ameaça de separatismos, com uma língua comum, sistema político unificado e com uma população superior a 230 milhões de almas, nos colocam hoje numa posição privilegiada, com enorme potencial nesse mundo tão conturbado e dividido.
Kenneth Maxwell, reconhecido professor inglês que lecionou em qualificadas universidades inglesas e americanas, e autor de diferentes livros, dos quais destaco "A devassa da devassa" analisa o episódio da Inconfidência Mineira a partir do ponto de vista dos movimentos sociais e econômicos de seu tempo, em entrevista à Folha de S.Paulo de 3 de setembro, onde cita lorde Cochrane como responsável por sermos um país unificado:
E qual sua opinião sobre lorde Cochrane?
Era o Lobo do Mar durante as Guerras Napoleônicas e depois acabou sendo expulso das Forças Armadas britânicas. Após uma passagem pelo Chile, ele veio para o Brasil, chamado por dom Pedro 1º e José Bonifácio.
Era um navegador de enorme capacidade e foi graças a ele que o Norte e o Nordeste ficaram com o Brasil. Sem Cochrane, seria impossível que o Brasil tivesse saído desse período como um país unificado. Os portugueses queriam manter o domínio sobre Recife, Belém e outras cidades dessas regiões e foi ele quem impediu.
Que país do nosso universo reúne condições tão favoráveis como o nosso? Nossas riquezas minerais e agrícolas nos privilegiam, como também um relacionamento pacífico com vários países da região, sem confrontos fronteiriços e, apesar de já tivemos um diálogo melhor, recentemente, devido a questões ideológicas, as mesmas são perfeitamente superáveis. Estamos livres de episódios climáticos já que não somos assolados por tufões, furacões ou terremotos
Temos recursos humanos com excelente capacidade de aprendizado se lhes forem oferecidas oportunidades educacionais e de reciclagem para se ajustarem às mudanças tecnológicas. Sim, temos problemas nessa área, mas creio que com o apoio educacional teremos condições para rapidamente suprir a carência de oportunidades no ensino, já que nossa capacidade de adaptação é rápida. Nossa criatividade é reconhecida!
Temos também empresários que demonstram excelente capacidade de adaptação e muitas hoje nossas empresas estão em condições competitivas favoráveis, malgrado o custo da burocracia e da complexidade fiscal.
Mas é fundamental, principalmente nos últimos anos, superarmos nosso complexo de terceiro mundismo. Não nos damos conta do que somos e do que podemos oferecer. Frequentemente achamos que os 'outros' estão melhores do que nós, o que nem sempre é verídico.
Ficamos remoendo nossos problemas sem buscar soluções satisfatórias e que perdurem. Ao viajar para o exterior, em muitos casos fazemos propaganda negativa do país. Continuamos sofrendo de um curto prazismo endêmico e não implantamos políticas de longo prazo. O imediatismo e o corporativismo de nossos políticos, em sua grande maioria, privilegiam seus próprios interesses, e não estão colaborando para políticas de longo prazo que realmente possibilitem projetos que equacionem problemas estruturais, salientando uma educação de qualidade, saúde, segurança e projetos de infraestrutura, nunca descuidando da diminuição das notórias desigualdades que estão se perpetuando. Claro que as políticas estão muito centradas no período de seu mandato e não se caracterizam como políticas de Estado.
Nasci em 1934, e olhando retrospectivamente, esse octogenário, malgrado todas as dificuldades enfrentadas, tem maior confiança no nosso futuro olhando o que o nosso país pode oferecer. Sim, podemos e devemos!"
(De Roberto Teixeira da Costa, texto sob o título acima, publicado no site 'Migalhas' - Aqui.
Roberto é economista, foi fundador da Comissão de Valores Mobiliários - CVM, presidente da Câmara de Arbitragem da B3 e dos maiores ícones do mercado de capitais brasileiro).
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