terça-feira, 9 de agosto de 2022

APÓS GOLPE MILITAR HÍBRIDO, GRANDE MÍDIA EXECUTA SCRIPT 'INSTITUIÇÕES ESTÃO FUNCIONANDO'

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Enquanto isso, o mandatário desenvolve esforços para se safar do desastre que foi a sua participação na pandemia de covid-19 que infelicitou e ainda infelicita o Brasil. Não obstante, desprezo, indiferença, galhofa, charlatanismo e termos afins ressaltam em qualquer análise isenta. Tentar negar, contornar, minimizar será exercício vão: a mancha é indelével.
 

Por Wilson Ferreira

“Defesa da democracia”, “confiança no sistema eleitoral”, “Estado de Direito” são alguns de uma constelação de mantras diários repetidos pelo jornalismo corporativo. Ajuda a criar a imagem de uma grande mídia imparcial e crítica. Também retroalimenta a “pedagogia do medo”, a ansiedade de que um golpe poderá vir de qualquer lugar. Mas para que essa PsyOp funcione, é necessário mostrar que “as instituições estão funcionando”, paralisando a esquerda. Mesmo que as últimas notícias mostrem o contrário: militares no TSE revisando códigos-fonte, a anomalia da figura jurídica do ‘estado de emergência” na PEC Eleitoral e a oferta de crédito consignado para os desesperados beneficiários do Auxílio Brasil. A grande mídia normaliza e banaliza as anomalias inconstitucionais em série, criando o simulacro da normalidade institucional através de eufemismos e reportagens com angulações que ocultam o essencial: o golpe militar já aconteceu, mas foi híbrido... e ninguém viu. 

Grande mídia está diariamente repercutindo aquilo que chama de “movimentos em defesa da democracia” – seus apresentadores e comentaristas pedem respeito às urnas eletrônicas, às eleições, confiança no sistema eleitoral, na estabilidade democrática, no Estado de Direito. Destacam a “Carta em Defesa da Democracia”, redigida pelo Direito da USP, fazendo questão de mostrar que seus signatários compõem uma frente ampla que vai de artistas e ativistas a banqueiros, agronegócio, industriários etc.

Também diariamente, seus “colonistas” (aquele jornalista especializado em “agrojornalismo”: publicar notas plantadas servindo de correia de transmissão para os mais diferentes interesses) informam que, frente a esses movimentos, Bolsonaro está cada vez mais “isolado”. E as Forças Armadas cada vez mais conscientes da “aventura golpista” para a qual o chefe do Executivo pretende levar o “legalista” Alto Comando militar.

Para que esse discurso da “defesa da Democracia” ter verossimilhança, é necessário acreditarmos que as instituições estão funcionando normalmente, que o País está mantendo o Estado de Direito e que o processo eleitoral está garantido por um arcabouço legal e jurídico. 

Porém, tem um complemento oculto: “mas são frágeis”. Por isso, em constante ameaça do proselitismo golpista. Devemos estar sempre alertas!

Esse script tem que ser semioticamente sustentado pelo jornalismo corporativo, apesar de estarmos cercado por todos os lados de evidências pelo contrário: as instituições NÃO estão funcionando. Em primeiro lugar, porque o governo Bolsonaro foi um governo de ocupação: o assalto dos militares à máquina do Estado – a atuação de militares em cargos civis no governo federal aumentou 193%. 

Resultado de um golpe militar híbrido, difícil de ser compreendido pelo simples fato de não ter sido televisionado, ocupando ou tutelando instituições civis numa sequência de “golpes de veludo”. O primeiro foi o impeachment de 2016. Enquanto a TV repete as velhas imagens da ditadura militar old school resultante de quarteladas típicas do século XX.

Sustentar semioticamente essa pedagogia do medo (arma híbrida para gerar paralisia estratégia no inimigo) implica o esforço da grande mídia em normalizar evidências embaraçosas que aparecem no dia a dia do noticiário, através de eufemismos ou, simplesmente, pela angulação das notícias – o recorte dos acontecimentos através do qual a atenção do distinto público será conduzida. Sempre claro: a atenção desviada para a crítica clichê do “populismo eleitoreiro”, da “aventura golpista” etc.

Se não, vejamos.



(a) A “visita” dos militares ao TSE

Durante a semana, apresentadores dos canais fechados de notícias começaram a usar a expressão “visita” para noticiar ida de técnicos militares do Ministério da Defesa ao TSE para “inspecionarem” os códigos-fonte das urnas eletrônicas. Tudo sob o epíteto de “emergencial”, devido a proximidade das eleições.

Ora, o papel constitucional dos militares sempre foi o de apoio logístico a um processo eminentemente civil: transporte das urnas para locais de difícil acesso, garantir a segurança da votação etc. Não cabe às Forças Armadas o papel de “revisora” das eleições. É inconstitucional. O que acompanhamos é, mais uma vez, a tutela do Judiciário. Desde que o então presidente do TSF, Dias Toffoli, aceitou o general Ajax Porto Pinheiro como seu “assessor” no Tribunal.

Os eufemismos entram em ação: os militares foram fazer uma “visita” (fico imaginando servidores oferecendo cafezinho e bolinhos de chuva aos “visitantes”...). “Inspecionar” e “técnicos” são expressões que tentam emprestar uma conotação de “tecnicidade” ou neutralidade a uma situação totalmente anômala. 

E, como não poderia deixar de ser, se esses eufemismos não estiverem dando muito certo, outros eufemismos como “polêmica” e “controversa” (as mais utilizadas, a cada bravata dita pelo chefe do Executivo) tentam dar uma normalizada. Como se tudo não passasse de quiprocó, tumulto, agitação. Assim como, a cada repressão policial a manifestações de movimentos sociais ou retomada de posse contra sem-tetos, a grande mídia reporta tudo como “confusão”.

Se nada disso estiver dando também muito certo, então ataque com o recurso da prestidigitação (atraia a atenção do distinto auditório com uma mão enquanto a outra esconde a carta na manga). Dê destaque aos “contundentes” discursos de Fux e Fachin em defesa do sistema eleitoral. 

Basicamente, essa é a essência de um telecatch para entreter a audiência para normalizar uma evidente anomalia que demonstra que nada está funcionando normalmente.



(b) O que é “Estado de Emergência”?

Outra anomalia: a PEC dos Auxílios, PEC Eleitoreira ou, simplesmente, PEC Kamikaze criou a bizarra figura jurídica do “estado de emergência”, para justificar o pagamento de auxílios emergências a poucos meses da eleição – num flagrante de “chicana” contra a legislação eleitoral. Isso numa sequência vertiginosa de emendas na Constituição: 11 aprovadas somente nesse ano, entre elas o “filtro” para o STJ aceitar recursos – reduzir a quantidade de recurso no Tribunal.

O governo Bolsonaro detém o recorde de emendas na Constituição. A Constituição é o conjunto de normas mais difícil de ser alterado, pois são necessários pelo menos 308 votos na Câmara e 49 no Senado. 

Recorde a base de “tratoradas” no Congresso, muitas vezes ao arrepio do regimento interno.

... Cadê o STF, supostamente os “guardiões da Constituição”?

A constituição prevê somente “Estado de Sítio” e “Estado de Segurança”, descrevendo critérios claros para sua instauração. Ao contrário do “estado de emergência” da PEC – uma espécie de cheque em branco assinado pois não se sabe exatamente que direitos ele concede ao governo e ao presidente.

Apesar de toda anomalia e flagrante arbítrio, a angulação da grande mídia opera o recorte que deixa propositalmente a bizarra figura jurídica de fora. Reportagens limitam-se a criticar o “populismo eleitoreiro” de um presidente “isolado e que se sente derrotado”, e assim por diante. Uma angulação que dá a impressão de imparcialidade crítica. Mas que marotamente deixa fora do radar mais uma inconstitucionalidade.

É o “morde-assopra” da grande mídia, modus operandi desde o primeiro dia do governo militar.



(c) Os desesperados devem ter “consciência”

Mais um exemplo de como a angulação da notícia salva o dia. Ou melhor, salva os interesses mútuos: de Bolsonaro (agradar a banca financeira às vésperas das eleições; e da grande mídia (agradar seus patrocinadores... a mesma banca financeira).

Além do “estado de emergência”, a PEC do Auxílio tem outro, por assim dizer, “Easter Egg”: a aprovação de crédito consignado para quem recebe Auxílio Brasil... com juros de 98% ao ano.

A banca financeira não satisfeita em abocanhar metade do orçamento da União para o pagamento da dívida pública, agora quer abocanhar o auxílio aos miseráveis e desesperados – aqueles que a grande mídia define eufemisticamente como “em situação de vulnerabilidade”.

De um lado, mostra o arco formado pelo consórcio que apoiou o golpe militar híbrido (Big Money, grande mídia e Forças Armadas). E do outro, num âmbito mais amplo, revela mais um instantâneo dos movimentos mundiais do chamado Grande Reset Global do Capitalismo: drenagem do dinheiro público pela financeirização e necrocapitalismo.

Mais uma vez, a estratégia semiótica de normalização é operada pela angulação das abordagens do jornalismo corporativo. 

Será que o crédito consignado criará mais uma bola de neve de endividamento e inadimplência? Não, se os beneficiários do auxílio tiverem “consciência”, “reponsabilidade” e “façam as contas na ponta do lápis” e “tenham cuidado com quem vai contratar o crédito”. Claro, contrate o crédito depois de uma boa “pesquisa”. Recomendações inacreditavelmente proferidas por especialistas entrevistados (as seletivas “informações de pauta” dos bastidores dos telejornais), criando o efeito normalizador e banalizador de algo tão obsceno e pornográfico em si mesmo.

Cobrar “consciência” e “reponsabilidade” de miseráveis e desesperados?  Como sempre, a culpa é da vítima nesse verdadeiro estupro financeiro.

Esse é um flagrante do ultraneoliberalismo (a variação mais radical do neoliberalismo que faria Milton Friedman e a Escola Austríaca de Mises e Hayek ficarem de queixo caído): a ação individual do agente econômico sempre será racional, sendo responsável por si mesmo... até mesmo os miseráveis, mesmo expulsos do mercado.

À guisa da conclusão: como abordamos em postagem anterior, a “Carta em Defesa da Democracia” é o efeito dessa pedagogia do medo, o medo difuso de que poderá, a qualquer momento, vir um golpe de qualquer lugar. 

Mas para que essa PsyOp militar funcione (pelo princípio da guerra híbrida, eles veem a sociedade e opinião pública nada mais do que um “teatro de operações”) é necessário a parceria da grande mídia através das suas estratégias semióticas de normalização e banalização.

Como se, a cada anomalia que evidencie que as instituições NÃO funcionam, dissesse para o distinto público: “Não há nada para se ver aqui! Vamos dispersar!”.  Apagando as digitais do golpe militar híbrido que ninguém viu.  -  (Fonte: Cinegnose - Aqui).

  

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