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"Talvez possamos falar de uma crônica descontínua, descrição desamarrada de um certo ambiente suburbano paulista, com sua juventude a bordo de uma estética própria, vibrante e cool ao mesmo tempo."
Por Carlos Alberto Mattos
“Foda-se”, grafita Bagdá num muro, logo no início do filme. É uma espécie de cartão de apresentação da personagem-título de Meu Nome é Bagdá, segundo longa de Caru Alves de Souza, seguindo-se a De Menor. Bagdá (Grace Orsato) é uma jovem skatista andrógina da Freguesia do Ó, bairro operário de São Paulo. Sua galerinha no skatepark só tem mais uma mina em meio a vários manos. Em compensação, sua casa é um ninho de mulheres: a mãe manicure (Karina Buhr), a irmã mais velha gatinha (Marie Maymone) e a irmã mais nova (Helena Luz), que prepara sua viagem para Marte.
“Foda-se”, diz Bagdá para as convenções de gênero e de classe. Ela não hesita em esculachar o carro bacana do vizinho exibicionista e se alinha com a trans e o gay que trampam no cabeleireiro. Quando se liga nas minas de outro bairro, logo está formado um bonde de sororidade para enfrentar o machinho da turma.
“Foda-se”, pensa Bagdá diante dos policiais escrotos que a intimidam por sua identidade flutuante. Quando uns carinhas bundões ficam “tirando” com o amigo gay, ela simplesmente vira uma leoa e sai na porrada coreográfica. Não importa se Bagdá estuda, trabalha ou tem futuro. Ela se define pelo que vive em cima da prancha ou com os pés no chão.
“Foda-se”, manda Caru Alves de Souza para o cinema narrativo bem comportado. Meu Nome é Bagdá tem uma evolução linear mínima, dissolvida entre cenas estanques, quase sempre surpreendentes na forma como se sucedem. Talvez possamos falar de uma crônica descontínua, descrição desamarrada de um certo ambiente suburbano paulista, com sua juventude a bordo de uma estética própria, vibrante e cool ao mesmo tempo.
“Foda-se”, parece dizer o filme para o roteiro de ferro com falas pré-escritas. Por obra de uma bem azeitada preparação de atores para o improviso, as cenas rolam com uma legitimidade espantosa, tanto nas interações de Bagdá em família quanto entre skatistas. Não mais que de repente, pode irromper uma cena musical, um tableaux independente ou um rolé de skate ao som de uma canção “da hora”. Basta entrar no código do filme, ali pelos 10 minutos iniciais, para sermos levados em sua viagem cheia de flips, switches e outras manobras de linguagem deliciosas.
“Foda-se”, grita Meu Nome é Bagdá para quem procura no cinema o mesmo de sempre. Aqui está um filme muito próximo de quem quiser, mas sem abrir mão da liberdade de criar seu idioma. Um idioma perfeitamente compreendido no Festival de Berlim, onde ganhou o prêmio de melhor filme da Mostra Generation, dedicada ao público jovem. - (Fonte: Blog Carmattos - Aqui).
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