quarta-feira, 25 de maio de 2022

SONHOS E PESADELOS DE UM RAPAZ CAMBOJANO


Por Carlos Alberto Mattos

Afora os documentários de Rithy Panh, não é toda hora que nos deparamos com um filme do Camboja, especialmente de ficção. Mas a raridade não é o único atrativo de White Building (Bodeng sar), disponível exclusivamente na plataforma Mubi. Há ali uma cuidadosa observação da vida de uma família que habita um velho prédio comunal em Phnom Penh, o edifício branco do título. Foi onde nasceu o diretor Kavich Neang.

O jovem Sanmang (Piseth Chhun, melhor ator na Mostra Horizons do Festival de Veneza 2021) tem sonhos modestos, como escapar dos frequentes acidentes de trânsito na cidade e vencer um concurso de dança hip hop com seus dois melhores amigos. Mas a realidade parece estar mais próxima dos seus pesadelos. Ele vê o líder das danças emigrar com a família para a França, a diabetes do seu pai avançar sobre o seu corpo e os incorporadores imobiliários apertarem a pressão para que os condôminos do edifício vendam seus exíguos apartamentos a preços aviltantes.

Assim Kavich Neang desenha um quadro melancólico das transformações sociais por que passa seu país em busca de ideais de desenvolvimento. O fato de o edifício branco estar realmente em petição de miséria é usado pelos “tubarões” para dividir os moradores, iludindo-os com a perspectiva de um “melhor lugar para morar”.

São fenômenos comuns a muitas cidades asiáticas, a começar pelas chinesas, como já vimos na obra de Jia Zhang-ke. Talvez não por acaso, Zhang-ke é coprodutor de White Building, e um sentimento comum a seus filmes perpassa esse aqui também. De novo talvez não por acaso, o nome do protagonista Sanmang se assemelhe a Sanming, ator/personagem que estrela diversos longas do diretor chinês. Percebem-se mesmo influências formais, como certas panorâmicas laterais lentas, bem como a iluminação e a palheta de cores que lembram a fotografia de Nelson Yu Lik-wai. Aliás, um belíssimo trabalho do fotógrafo Douglas Seok, aliado às belas composições da mise-en-scène.

Na primeira metade do filme, a deterioração do edifício contrasta com a féerie noturna da capital cambojana enquanto os três amigos vivem suas aventuras de jovens ingênuos e sem dinheiro, mas sorridentes a não mais poder. Depois a atmosfera se põe mais taciturna à medida que o filme completa seu arco dramático rumo à desintegração.  -  (Fonte: Blog Carmattos - Aqui).

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