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Com ares da escola hollywoodiana, o filme espanhol 'Gun city' pode ser, eventualmente, o embrião de série com o tema do anarcosindicalismo da Catalunha, no começo da década de 1920
No novo universo das produções cinematográficas que estão chegando, as empresas de plataformas de streaming investem pesado para garantir protagonismo. A distribuição e exibição de filmes, nesses dois anos de pandemia e consequentes restrições de circulação, deram uma virada que agora ameaça os negócios das cadeias de cinemas, na beira do risco de se tornarem obsoletos ou não mais tão atraentes para os cinéfilos e em particular para as grandes plateias. Pelo menos nos próximos tempos do tal 'novo normal.'
A tentacular multinacional Netflix é exemplo flagrante de um processo frenético de deslocamento da produção de filmes. Não é tão recente a empresa começar a explorar o potencial de negócios existente na Espanha, por exemplo, onde as produções, principalmente as das séries, são menos dispendiosas que em outros países e onde há bons roteiristas e atores e atrizes competentes esperando para trabalhar. O sucesso estrondoso e planetário de La Casa de Papel é o exemplo mais à mão.
Mas o filme Gun city, de quase duas horas de duração, do diretor espanhol Dani de la Torre e cujo título e o próprio cartaz remetem, sem sutileza, a filmes hollywoodianos comerciais do gênero ação/suspense/drama/episódios históricos - como Gangues de Nova York e Os intocáveis, de Brian de Palma -, segue uma estratégia de negócios específica.
Primeiro, lança-se o filme, ausculta-se o mercado e em seguida adapta-se o roteiro cinematográfico para roteiro de uma série de episódios sem fim.
A encenação de Gun city, com ambientação de época espetacular e sedutora (última década dos anos 20), tem dramatização medíocre e roteiro com dezenas de perfis de personagens superficiais que não são desenvolvidos - e nem daria tempo para fazê-lo. Personagens enredados no pouco explorado (pelo cinema) movimento anarquista pelos seus dois lados: trabalhadores combatentes aguerridos e sindicalizados, e repressão policial e militar bestial. Os perfis, prontos para serem expandidos numa série bem sucedida.
Esse tema central do filme espanhol motivou nosso interesse. Ele pode vir a ser o gancho para a captura das plateias de massas por tratar do momento da consolidação do vibrante movimento anarquista espanhol, em particular em Barcelona, o berço do anarcosindicalismo e da criação do grande sindicato libertário, a CNT - Confederação Nacional do Trabalho - que chegou a contar, na época, com um milhão de membros.
Apesar dos diversos grupos libertários e de suas inúmeras divisões, e da rivalidade histórica entre marxistas e anarquistas, a ideologia que nasceu com Mikhail Bakunin ainda na Rússia, conquistou a classe trabalhadora da Catalunha com força e organizou-a desde suas raízes. Solidariedade absoluta, ausência de autoridade e, às vezes, ações radicais. Noutras, operações pacíficas.
A brigada feminina libertária, de moças estudantes, é histórica e é mostrada em Gun city que no entanto ignora dois dos grupos históricos mais atuantes na região naquela ocasião, que usaram a violência como arma política como último recurso. Um deles, o grupo A Solidariedade, e o outro, o célebre Os Amigos de Durruti, do histórico Buenaventura Durruti.
Os anarquistas ocuparam papel de destaque na luta armada contra a ditadura de Franco e durante a Guerra Civil Espanhola e o seu legado continua vivo para todos os que veem seus atos como um início de possível processo de mudança social revolucionária.
Estrutura social sem governo, organizada através da participação direta do povo, e direção coletiva e democrática dos meios de produção.
Em Gun City o personagem central é Aníbal Uriarte. Um dos muitos militares da época que lutaram na guerra do Marrocos e na sua volta à Espanha foram convertidos em policiais de elite. No caso, Uriarte faz um agente duplo que desembarca em Barcelona para lá trabalhar, enviado pela inteligência de Madri. O ator Luis Tosar, uma das grandes estrelas do cinema espanhol, é outra isca para conquistar plateias.
É oportuno assistir ao filme de Dani de la Torre e aproveitar para refletir sobre a ocupação de supermercados em diversas cidades brasileiras, esta semana, originada em movimentos populares de autogestão, apartidários, com ações pacíficas. Ações muito bem organizadas pelos que estão morrendo de fome neste país.
E não custa também refletir sobre o movimento okupa, na Barcelona dos anos 20, quando mansões, centros sociais e bibliotecas foram ocupados pelos libertários. Era o começo da ultra repressão por forças policiais estabelecendo um estado protofascista de violência e corrupção. Centenas de assassinatos políticos, então, prenunciaram a ditadura franquista que chegaria em apenas quinze anos. - (Fonte: Boletim Carta Maior - Aqui).
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