quinta-feira, 3 de junho de 2021

AS ESQUERDAS CHORONAS AINDA TÊM FETICHE PELOS JORNALÕES IMPRESSOS


Por Moisés Mendes

A esquerda brasileira dedica-se ao desvendamento de um mistério desde a manhã do domingo: como a Folha de S. Paulo deu na manchete as manifestações de sábado contra Bolsonaro e como o Estadão não deu nada e o Globo deu uma chamadinha na capa?

A maioria dos jornais regionais fez o mesmo. A grande manifestação de rua dos últimos anos foi ignorada pelos jornais impressos.

Temos aí questões técnicas, decisões editoriais e escolhas políticas, quase tudo misturado. E temos também a choradeira crônica de uma certa esquerda que ainda supervaloriza jornais impressos tradicionais.

Ao mesmo tempo, essa esquerda (principalmente a institucionalizada e organizada em partidos, sindicatos, associações, coletivos) precisa fazer muito mais para ter e/ou fortalecer as alternativas de veículos progressistas e mesmo declaradamente de esquerda.

Primeiro, a questão técnica, que é a desculpa clássica dos jornais nesses casos. Edições de domingo de jornalões impressos são concluídas no sábado pela manhã, e não à noite, como acontece durante a semana.

Os jornais de domingo são impressos até no máximo o meio da tarde de sábado e circulam no próprio sábado. Qualquer leitor de jornal sabe que sempre foi assim.

A maioria das redações não teve como fazer não só uma boa cobertura, mas cobertura alguma, simplesmente porque os atos começaram em quase todas as cidades no meio da tarde.

A Folha se saiu bem porque adotou um truque manjado. Deixou para imprimir uma parte da edição depois de ter uma boa foto da Avenida Paulista para a capa e assim poder estampar a manchete meio torta:

“Milhares saem às ruas

contra Bolsonaro pelo país”

Uma manchete feita na pressa que poderia ter uma versão menos complicada:

“Milhares saem às ruas / do país contra Bolsonaro”

A manifestação está em duas páginas internas. Não é pouca coisa. A Folha pode ter impresso meia dúzia de exemplares, para poder dizer que teve uma versão da edição com a manchete da manifestação. O jornal se exibe com essa capa no seu site.

A edição impressa da Folha com a manchete foi um golaço contra Globo e Estadão, que poderiam ter feito o mesmo, e muito mais o Globo, que teve a vantagem (não usada) de a manifestação no Rio ter sido pela manhã.

As versões online da cobertura da manifestação de sábado de todos os jornalões foram e continuam sendo razoáveis, todos com fotos nas capas e textos informativos e análises.

Alguns leitores lembram nas redes sociais que a cobertura do desfile de motoqueiros com Bolsonaro num domingo no Rio teve foto de capa em quase todos os jornais.

Mas a notícia do desfile saiu, claro, nas edições impressas de segunda-feira, que são encerradas domingo à noite. Essa é a explicação técnica.

Agora, alguma coisa da questão política. Todos os grandes jornais são declaradamente inimigos de Bolsonaro e perseguidos pela extrema direita.

Nenhum deles trocaria as mulheres de esquerda, que foram às ruas de máscara no sábado, pelos motoqueiros de Bolsonaro, que gritavam, sem máscara, e despejavam perdigotos uns sobre os outros no Rio.

Não, os jornalões não têm maior simpatia pelos motoqueiros fascistas do que pelas jovens que desafiaram o medo da peste e ocuparam as ruas.

Os jornais não têm nenhum motivo que os leve a defender Bolsonaro. Não vamos inventar apoio da Globo a Bolsonaro numa hora dessas, porque não dá.

É fake news de péssima qualidade. O que a Globo quer é acabar com a família Bolsonaro. A Folha também deseja que seja já.

O que precisa acontecer é uma mudança na cabeça das esquerdas mais veteranas em relação à imprensa das corporações. As esquerdas precisam se livrar do fetiche do jornalão impresso.

A Folha, que chegou a tirar ao redor de 500 mil exemplares diários, a reboque da campanha das Diretas, nos anos 80, hoje imprime menos de 100 mil exemplares.

O mesmo acontece com Globo e Estadão, que não chegam a uma tiragem de 100 mil. Os jornais cobram transparência de todo mundo, mas não fazem questão de exibir dados sobre exemplares impressos.

Hoje, todos os textos corporativos que abordam circulação confundem o leitor com a definição genérica de audiência, que mistura o que não pode ser misturado: o jornal em papel, os assinantes online e até as visualizações nos sites.

O certo é que, em menos de 10 anos, os três jornalões perderam metade dos leitores nas versões impressas.

Por que então a esquerda continua cobrando que um modelo vencido, como negócio e como veículo de comunicação, ofereça destaque a notícias que considera jornalisticamente importantes? Porque assim as esquerdas fingem que estão atentas.

Não há suporte decidido das esquerdas institucionalizadas a veículos que teimam em sobreviver como jornais que antes chamavam de alternativos.

Mas há cobrança de atenção à imprensa tradicional. É um dilema freudiano. As esquerdas ainda pedem a atenção da mãe Folha e do pai Globo.

É um desamparo que vem desde a ditadura. Mas a verdade é que não houve nem nos governos de esquerda do PT uma política de comunicação que fortalecesse o bom jornalismo fora das grandes redações, e não só alguns veículos.

Por isso as esquerdas ainda querem na capa de jornais envelhecidos uma notícia que os jornalões de domingo nem conseguem dar, e nunca conseguiram, porque o fato aconteceu no sábado à tarde.

As esquerdas precisam esquecer os jornalões impressos e até admitir que as corporações da grande imprensa fazem bom jornalismo hoje, porque foram atacados por Bolsonaro e precisam tirar proveito disso.

As esquerdas também precisam mostrar que sabem, mas com ações substantivas, que o melhor jornalismo é o que consegue seguir em frente livre dos interesses históricos da velha imprensa.

O jornalismo que as esquerdas desejam já está aí, é feito bravamente por veículos que ainda dependem de melhor suporte de sustentação econômica, e não só do apoio romântico e ocasional ou apenas colaborativo.

Esqueçam Folha, Globo e Estadão em papel e transferiam suas demandas, cobranças e apoios para jornais progressistas e independentes em relação ao poder econômico.

Parem com a choradeira século 20 pela atenção de jornais que só ainda existem em papel pela força simbólica de muitos séculos de tradição. Os jornais impressos hoje são apenas isso: tradição. São tão relevantes quanto as carruagens.  -  (Fonte: DCM - Aqui).

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Talvez fosse mais apropriado dizer que os 'do tempo das diretas' (de esquerda ou nã0) mantêm a predileção pelos jornalões impressos. Algo errado, algo anacrônico? Que seja. Este Blog, p. ex., manteve o gosto pelas páginas 1 e 2 (capa/chamadas, colunas diversas) e eventuais cadernos culturais. Não é imperioso que sejam 'pão quentinho'; o jornalão 'perpetua' a matéria, a foto, o texto: você pode lê-lo a conta-gotas. E se trouxer matéria de jornalismo investigativo, pormenorizada, analítica, alentada, aí sim é que se torna perene e mais suscetível de 'permanência', se é que me entendem. 

Na 'home' do jornal de mídia as manchetes vão se sucedendo, outras entram, as substituindo; você vê uma chamada interessante e deixa pra ler dentro em pouco, segue lendo trechos de outras, até que retorna à 'chamada interessante' - que não está mais lá! Escafedeu-se, bolas. Com o jornalão percalços assim não acontecem! (Rs)

Que venham todas as matérias interessantes, bem escritas, em qualquer formato ou invólucro. Livros, revistas, jornais, tablets e smarts podem, sim, ser 'paraísos portáteis' (um dia contarei sobre essa de 'paraísos portáteis' - mas será via notebook).

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