"A semana termina com duas das piores características brasileiras em alta: a banalização da morte e uma apressada (e manipulada) tentativa de decretar como serão as eleições de 2022.
No primeiro caso, fica difícil escolher entre a tristeza pela absurda marca de mais de dois mil mortos por dia ou a indiferença criminosa de autoridades diante da transformação do Brasil em um corredor da morte. Ou, ainda, a irritação a cada solenidade ou entrevista coletiva que tenta preservar projetos eleitorais em meio ao evidente fracasso no combate à pandemia.
O drama de familiares na porta de hospitais e o desespero dos profissionais da saúde que se tornaram reféns dos erros das autoridades, nada disso parece gerar um mínimo de empatia e de senso de responsabilidade em alguns dos principais palácios do país.
Sobra uma pergunta: de que forma essa revolta surda, silenciada, represada que varre a sociedade brasileira vai um dia se expressar? Ou tudo que vem acontecendo passará sem que se apurem responsabilidades? Enterramos 300, 400 mil mortos e voltaremos ao normal como se tudo tivesse sido uma fatalidade inevitável e não a consequência da uma mistura desumana de falta de empatia, desrespeito à vida mais negacionismo e incompetência?
A resposta a esta pergunta nos remete ao segundo fato da semana. Não sabemos como a população, no momento eleitoral, transformará a indignação de hoje mais o desemprego e a crise econômica em voto. Ainda assim, quem analisa as repercussões políticas da decisão de devolver Lula à disputa eleitoral sai com a impressão que o jogo está jogado entre ele e Bolsonaro.
Um pouco de humildade recomendaria muitas dúvidas e interrogações. Primeiro, porque a fábrica de surpresas que é o Brasil (com uma filial muito eficiente no Supremo Tribunal Federal), não deveria mais permitir a ninguém supor que o futuro será como imaginamos (ou desejamos) hoje. Para não ir longe basta lembrar o quanto esta semana já foi totalmente diferente da passada. Segundo, porque Bolsonaro e Lula não chegarão à eleição, dentro de intermináveis 19 meses, como são hoje.
Bolsonaro será julgado pela gestão (?) sanitária e pela aguda e crescente crise econômica e social. Acreditar que o tempo apagará a dor por milhares de mortos e que o novo auxílio emergencial entorpecerá a falta de emprego e de perspectivas parece uma hipótese muito otimista, mais uma vontade de que isto aconteça, por parte dos bolsonaristas, do que uma avaliação sensata.
Resta o outro argumento, tão frequente esta semana: Bolsonaro acabaria reeleito, não importa o que tenha feito ou deixado de fazer, porque o país prefere qualquer opção à volta do petismo ao Poder. De novo, uma aposta arriscada como se 2022 apenas repetisse 2018 e Bolsonaro hoje não fosse bem conhecido e tivesse um governo a ser julgado.
Do outro lado da rua, o petismo decreta suas realidades em meio à excitação causada pela ressurreição promovida por Fachin, o carisma de Lula e o absoluto vazio na oposição ao Governo, fatos evidenciados na entrevista de São Bernardo. Lê-se a realidade, por aqui, da mesma forma que Bolsonaro apenas que com sinais contrários: a crise social se agravaria, a pandemia cobraria seu preço e portanto Lula venceria.
Essa simplificação, entre outros riscos, esquece que os 19 meses que temos pela frente até as eleições não serão um desfile triunfal do discurso de Lula. As razões que derrotaram o PT continuam presentes em grande parte da sociedade brasileira –da frustração com a corrupção institucionalizada ao desastre econômico do governo Dilma.
Na lista das incertezas, por último, o que os não petistas/não bolsonaristas serão capazes de fazer, apesar de sua reconhecida inapetência atual. Ao menos 60 por cento dos brasileiros não se sentem confinados pelos muros petistas e bolsonaristas, ainda que muitos deles tenham votado em um ou outro no passado. Sonham (ou precisam) de uma opção que combata a corrupção e a desigualdade, promova responsabilidade fiscal e modernização do Estado, e acima de tudo devolva empatia e seriedade ao exercício do Poder.
Quem está por aqui, entre os dois extremos, pode fazer sua aposta. O otimista dirá que a polarização Lula-Bolsonaro, acentuada esta semana, vai gerar a reação em sentido contrário, estimular ou forçar uma terceira opção, nem/nem. A crença que havendo espaço no sentimento da população, o produto eleitoral para um terceira via acaba aparecendo. Registre-se que este vazio foi imediatamente percebido por Lula com seu tom voltado ao centro e por Bolsonaro, de repente usando máscara.
Pessimistas de centro lembrarão que cada um desses candidatos (?) –Ciro, Huck, Mandetta, Leite, Doria– já comprovou fragilidades. Sequer possuem ou lideram seus partidos; ou são incógnitas; ou revelaram no passado dificuldades para exercer o mesmo papel.
Ao fim e ao cabo, fica fácil constatar: a lista de dúvidas é extensa, baseada nas recentes experiências eleitorais e, acima de tudo, no fato de que estamos exatamente em meio a maior crise da história brasileira sem capacidade sequer de enxergar o próximo mês. Já a lista das certezas é acima de tudo um exercício de militância por parte de petistas e bolsonaristas.
Fica, por isso, a sugestão. Calma, gente. Vamos esperar pelo povo…"
(De Antonio Britto, post intitulado "Calma, gente. Vamos esperar pelo povo", publicado no site Poder 360 - Aqui.
Britto é jornalista, executivo e político. Foi deputado federal, ministro da Previdência Social e governador do Rio Grande do Sul. Alcançou projeção nacional atuando como porta-voz de Tancredo Neves, que na véspera da posse como presidente da República foi surpreendido com o agravamento de uma diverticulite, a qual motivou uma longa e fatal agonia.
Britto atuou fortemente pela ala centrista do PMDB - antes MDB -, o que se infere pela maneira como escamoteia as conquistas dos grupos progressistas e deprecia o governo Dilma, esquecendo que a sua ala partidária somou forças ao poderoso grupo liderado pelo derrotado candidato Aécio Neves no impeachment, patrocinador de boicote contínuo sob a batuta do notório Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, que pôs em julgamento um dos pedidos de impedimento da presidente como 'resposta' pela recusa de Rousseff em concordar que os deputados do PT integrantes do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados votassem por sua absolvição em processo por que ali respondia).
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