1. Contexto
2. Os votos
O relator, ministro Edson Fachin, sustentou a tese da taxatividade do artigo 252 do CPP. Assim, na medida em que a conduta de Moro não se encaixava nos incisos do dispositivo, não havia parcialidade (ou suspeição, o que dá no mesmo). Para aprofundar, ler aqui.
Já o Min. Gilmar Mendes disse: “depois de o tempo demonstrar cada vez mais traços da realidade que antes não se evidenciava, os excessos eram marcantes na atuação do ex-juiz Sergio Moro exatamente em razão de suas condutas tendencialmente parciais.”
Gilmar, analisando detalhadamente a prova, descobre que não houve uma mera homologação de acordo à luz da legalidade e da voluntariedade, tampouco uma “mera” produção de prova de ofício pelo julgador, como disse o Ministro relator. Para ele, houve manifesta ilegalidade por violação à imparcialidade em razão dos seguintes pontos:
- A leitura das atas de depoimentos mostra evidente atuação acusatória do julgador, pois o magistrado agiu de modo proeminente na realização de perguntas ao interrogado, fugindo completamente ao controle de legalidade e voluntariedade. Houve “atuação direta do julgador em reforço à acusação“.
- Ao final da instrução, mesmo que o membro do MP já entendesse como suficiente o lastro probatório produzido, o julgador determinou a juntada de quase 800 folhas em quatro volumes de documentos diretamente relacionados com os fatos criminosos imputados aos réus, utilizando-se expressamente deles para fundamentar a condenação.
Para o ministro Gilmar, o juiz da causa (Moro) atuou como “parceiro do órgão de acusação na produção de provas que seriam posteriormente utilizadas no processo penal que tinha como réu o paciente”. O juiz efetivamente guiou e reforçou a tese acusatória com a direção do interrogatório.
3. A nulidade da sentença ou do processo?
Examinando o acórdão, talvez tenha faltado um ponto. Além de ter declarado a nulidade da sentença, talvez o mais adequado seja que fosse declarada a nulidade do processo. Se os elementos que embasaram a investigação e conduziram ao processo criminal propriamente dito estavam “contaminados” com a parcialidade do Moro, o mais correto seria anular tudo.
De todo modo, é um enorme avanço. Mesmo que tenha havido empate (2×2), esse julgamento se tornou o mais importante de 2020. O STF começa a entender, corretamente, que é inadequado hermeneuticamente dizer que o artigo 252 do CPP possui um rol taxativo, uma vez que nele não consta o requisito da imparcialidade. Fosse correta a tese do relator, provar a parcialidade de um juiz seria (ou seja) exigir uma prova diabólica. Ou uma autêntica “ordália invertida”: atira-se Moro na água com dez boias e cinco coletes salva-vidas; se ele afundar, está provada a sua parcialidade.
Esse é o ponto. Toda a dogmática diz que que o juiz tem de ser imparcial. Se ele não age desse modo, ele é o quê? Parece evidente que o Brasil tem de seguir o que diz o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que adota a teoria da aparência: ele exige não só a imparcialidade; ele exige a aparência de justiça. A tese é: “Justice must not only be done; it must also be seen to be done“.
Ou seja, a Constituição do Brasil e o Tribunal Europeu dos DH abominam o modelo “juiz Larsen” (Caso Hauschildt vs. Áustria). Registro: esse juiz (Larsen) pré-julgava e aplicava sua opinião independentemente do caso concreto. Atuava como parceiro da acusação. Nesse sentido, sugiro a leitura do Livro das Suspeições (clicando aqui).
4. Minha concordância e minha discordância com o voto do min. Edson Fachin
Por último, quero dizer que concordo com o que diz o ministro Edson Fachin no seu voto, neste trecho:
“É um erro supor que essa busca por um país com justiça mais eficiente é ilusória. A ineficiência da Justiça dá mais incentivos à corrupção e, consequentemente, faz aumentar a pobreza. Penso que é exatamente como um esforço de aprimoramento da jurisdição, um esforço por maior eficiência, que deva ser visto o trabalho de diversas instituições no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. Tais esforços são, antes de tudo, frutos de uma histórica demanda por mais eficiência na justiça, em primeiro lugar, mas também por maior qualidade na prestação de serviços públicos.” (página 21 do inteiro teor)
Só não entendo as razões pelas quais isso que acima está dito justifica, de algum modo, que um juiz aja parcialmente. Simples assim. Essa é a minha discordância! A citação do Ministro serve, sim, como fundamento para que exijamos, sempre, um juiz imparcial. E um Ministério Público isento. Sem dúvida que esses ingredientes fazem bem para a democracia.
E a propósito: para combater a ineficiência, reclamada pelo Min. Fachin no voto, vale atropelar garantias e tornar lícita a parcialidade de um magistrado? Eis a pergunta que deve ser respondida.
No mais, está mais do que na hora de sufragarmos a tese de que também a parcialidade do juiz é causa de nulidade semelhantemente ao que consta no art. 252 do CPP. Como fez o STF agora. Afinal, se toda a dogmática processual-constitucional exige um juiz imparcial (não conheço nenhum autor que diga o contrário), por qual razão se deve aceitar a parcialidade sem sanção processual? Parcialidade demanda sanção de nulidade processual. E sem que se necessite apelar a uma ordália negativa. Que é sempre diabólica. - (Fonte: Revista Consultor Jurídico - ConJur - Aqui).
................
Os entusiastas de Moro claro, não gostaram nem um pouco da atitude do articulista. Para eles, Sergio Moro se conduziu de forma irrepreensível ao longo de sua trajetória na magistratura, em especial nas Operações Banestado e Lava Jato. Os seguidores do ínclito ex-juiz não querem saber de doutrina, nem de direitos e garantias individuais, nem do desfecho de reclamações direcionadas ao Conselho Nacional de Justiça em face de atos ilegais por ele praticados (reclamações, aliás, jamais levadas a julgamento, do qual Moro 'fugiu' ao ser alertado sobre o fim da 'proteção' com que até então contara da cúpula do citado Conselho), não, o que interessa, ao fim e ao cabo, são os 'serviços prestados' por Moro, para o 'bem' do Brasil e o bem da Metrópole. Moro paira sobre o sistema de Justiça e universo midiático nacional. Qualquer reparo será coisa de petista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Faça o seu comentário.