terça-feira, 14 de abril de 2020

O DINHEIRO DOS RICOS E A CRISE ECONÔMICA

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- Mas, peraí, várias pessoas jurídicas estão contribuindo para o combate ao coronavírus. Ontem, por exemplo, um banco anunciou a doação de R$ 1 BILHÃO!

- De fato, mas esse valor corresponde a uma parcela ínfima dos lucros monumentais anualmente auferidos pelo referido banco. Ademais, esse um bilhão foi carreado para a fundação mantida pelo banco, que com isso faz jus a regalias fiscais. E mais: o governo FHC isentou de impostos os dividendos ganhos por aplicadores no mercado financeiro, terreno em que os bancos transitam permanentemente - e nessa regalia nenhuma autoridade governamental ousou mexer desde que o senhor FHC assim deliberou. Não obstante, há que se reconhecer o gesto de solidariedade.


(Salvador Dalí).


O dinheiro dos ricos e a crise econômica 

Por Alexandre Filordi 

Em Dinheiro oculto – a história secreta dos bilionários nos bastidores da ascensão da extrema direita (Dark Money – The hidden history of the billionaires behind the rise of the radical right – 2017), Jane Mayer revela como a elite econômica, notadamente a norte-americana, produz uma rede de autoproteção para defender seus interesses. O Brasil e o mundo copiam as mesmas estratégias.

Os ricos compram políticos, financiando-os; criam fundações para transferir, ocultar e proteger recursos – o Itaú acaba de fazer isso no Brasil: doou 1 Bilhão de reais para si mesmo, ou seja, para a Fundação Itaú, divulgando que era para  combater o Covid-19: por que não doou diretamente ao SUS? –; pagam think tanks para reproduzir e defender seu ideário de autoproteção, por exemplo, a de que a taxação de riquezas gera desemprego; investem pesado em meios de comunicação para difundir seus interesses; subvencionam grupos de pesquisas, inclusive em universidades, fantasiando suas estratégias em roupagem científica etc. 


O dinheiro oculto dos privilegiados move a sustentabilidade de crenças compradas pelos incautos. Assim, o trabalhador pensa que o empresário representa seus interesses; que o rico se preocupa com o desemprego, de verdade, e não com lucros; que o dono da empresa quer mesmo investir no “recurso humano”, quando tudo não passa de reduzir a potência humana em autoexploração aceitável e acrítica.
No Brasil tocado pela pandemia, a elite não move uma palha para reverter a catástrofe social que se agudizará. Aliás, a pandemia trará certa vantagem para este governo federal medíocre: jogará nas costas do Covid-19 a responsabilidade pelo fracasso de sua política econômica desastrosa. Justificará por aí o desemprego disparado, o aumento da miséria, a retomada econômica que não chegará, dentre outras diatribes. O fato, porém, é que todas as estratégias de cortes financeiros foram maximizadas no lombo do trabalhador. Enquanto isso, os poderes legislativos e executivos deixam passar a oportunidade de reverter a injustiça social cada vez mais aberrante entre nós. E num futuro próximo, poderão justificar novas medidas contra o trabalhador.
Seria urgente começar a cobrança de IPVA dos jatinhos, helicópteros e iates dos afortunados. O precariado que vende cachorro-quente precisa pagar o IPVA de sua pequena van ou trailer; o entregador com sua moto também paga IPVA. Os magnatas que privatizam ilegalmente a costa do Brasil navegam calmamente com suas lanchas e iates, sem pagar IPVA. Atalhando o trânsito caótico das grandes cidades em seus helicópteros, os ricos seguem no conforto bonificado, sem IPVA. 
Apenas o Brasil e a Estônia não tributam dividendos dos rentistas. Isso causa um impacto na distorção social absurda. Um empresário que decide vender sua empresa e aplica todo o seu recurso na bolsa de valores não pagará um centavo sobre os dividendos acumulados. Eis uma das mágicas do rentismo no Brasil e da concentração de renda. Não é à toa que no meio de tanta desgraça a bolsa de valores segue fornecendo lucros: e há os que associam essa “mágica” com crescimento econômico. 
Ora, não podemos desprezar os rentistas defendendo cortes nas redes de proteção social pública, a privatização, a supressão do salário mínimo, o fim dos direitos dos trabalhadores e, talvez, a volta à escravidão.
Aliás, esses mesmos rentistas se somam aos mais ricos e afortunados do planeta. Se houvesse um imposto sobre a própria fortuna, destinado diretamente à saúde e à educação públicas, a sociedade brasileira estaria consolidando uma estratégia mais justa para suprimir a distorção histórica de um país inaugurado sob capitanias hereditárias e escravidão. 
Esses três aspectos, IPVA para os jatos privados, helicópteros e iates; tributação dos dividendos e lucros, além da taxação das grandes fortunas, são dimensões práticas e civilizatórias para se reverter uma situação que está se escancarando nesses tempos: quem socorre, de fato, as pessoas é o Estado. Por que, então, não fortalecer o Estado sacando dos que militam contra o próprio Estado, apenas para manter, de modo oculto e distorcido, suas riquezas e benesses? 
Do contrário, o Brasil seguirá sendo o detentor mundial de concentração de renda, atrás apenas do Catar, sem mencionar o aumento no número de pobres e miseráveis, hoje próximo aos 50 milhões de indivíduos. A quem isso interessa? 
Talvez o Brasil seja uma grande metáfora da pintura Sleep, de Salvador Dalí. A grande cabeça distorcida dos privilegiados repousa tranquila sobre as frágeis estacas de uma sociedade que precisa, de fato, se despertar.  Do contrário, a grande cabeça dos afortunados seguirá dormindo em “berço esplêndido”, “ao som do mar”, com suas lanchas e iates, e “à luz do céu profundo”, com seus helicópteros e jatinhos, celebrando o “sol do Novo Mundo”: o dos ricos de sempre.  -  (Aqui).

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