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"Os empresários do templo não podem romper com o mito sem antes demonizá-lo. No momento em que começarem a fazer isso os pastores se exporão à reação violenta dos evangélicos mais fanáticos".
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A seguir, análise/antevisão da conjuntura política Brasil - sem levar em conta a dura realidade que sobrevirá a partir da constatação da situação caótica do país frente à pandemia coronavírus, cenário tido como inevitável/indubitável pelos Estados Unidos e resto do mundo.
Por Fábio de Oliveira Ribeiro
Quem melhor resumiu a situação política brasileira após o rompimento entre Jair Bolsonaro e Sérgio Moro foi Hildegard Angel.
“Com o rompimento Bolsonaro e Moro, muda o tabuleiro de apoiadores. A direita tosca, maníaca, iletrada e fanática permanece com Bolsonaro. A direita do dinheiro, da conveniência, elitista, do preconceito contra Lula e PT fica com Moro,e lamenta o apoio antes conferido a Bolsonaro.”
Jornalista veterana, Hilde Angel conhece bem os meandros da elite brasileira. Não podemos esquecer que foi ela que organizou o encontro entre a então candidata Dilma Rousseff e as mulheres do clã Marinho. O conteúdo do Twitter acima transcrito deve ser levado a sério. Entretanto, a autora do comentário se limitou a constatar um fato. Os desdobramentos possíveis do rompimento da direita merece alguma reflexão. Farei isso recorrendo à psicologia freudiana
Sigmund Freud afirmou que:
“Acredito em realidade que boa parte da concepção mitológica que há no mundo e que reina até hoje nas religiões modernas, nada mais é do que a psicologia que se projeta no mundo exterior. O obscuro reconhecimento dos fatores e dos fatos psíquicos (dito de outra maneira, a percepção intrapsíquica desses fatores e desses fatos) se reflete – é difícil dizê-lo de outra maneira, e a analogia com a paranoia precisa ser tomada aqui para nos servir de auxílio – na construção de uma realidade sobrenatural, à qual a ciência irá restituir a forma de uma psicologia do inconsciente. Poderíamos arriscar até mesmo o atrevimento de tentar explicar dessa maneira os mitos do paraíso e do pecado original, de Deus, do bem e do mal, da imortalidade e assim por diante, transformando a metafísica em metapsicologia. A distância que separa o deslocamento operado pelo paranoico daquele que o supersticioso faz é menor do que parece à primeira vista. Quando os homens começaram a pensar foram obrigados a dar uma resolução antropomórfica ao mundo, a criar uma multiplicidade de personalidades feitas à sua imagem; os acidentes e os acasos que eles interpretavam de maneira supersticiosa eram a seus olhos ações, manifestações de pessoas; dito de outra maneira, eles se comportavam exatamente como os paranoicos, que tiram conclusões a partir do menor sinal que os outros lhe fornecem, e da mesma forma como se comportam todas as pessoas normais, que, com razão, elaboram julgamentos sobre o caráter de seus semelhantes como base em suas ações acidentais e inintencionais. A superstição só parece estar tão deslocada na nossa visão de mundo moderna, científica, que entretanto está ainda longe de estar concluída em sua totalidade; na visão de mundo dos povos pré-científicos, a superstição era autorizada e consequente.” (Sobre a PSICOPATOLOGIA da vida cotidiana, Sigmund Freud, Lafonte, São Paulo, 2014, p. 269)
Segundo o Twitter comentado, Bolsonaro tinha dois tipos de apoio: político/ econômico da elite; fanático/religiosa da “direita tosca, maníaca, iletrada”. Ao romper com Sérgio Moro ele perdeu o apoio “da direita do dinheiro, da conveniência, elitista, do preconceito contra Lula e PT “.
O resultado dessa equação parecia simples. Sustentado pelos fanáticos evangélicos, Jair Bolsonaro conseguiria resistir ao Impeachment, terminar seu mandato e disputar a reeleição com uma vantagem comparativa em relação aos adversários. O problema se torna mais complexo quando levamos em conta as superstições políticas e econômicas que constituem o núcleo duro da teologia do sucesso financeiro pregada pelos pastores evangélicos.
Assim como o núcleo empresarial do bolsonarismo abandonou o presidente no momento em que ele rompeu com Sérgio Moro, os líderes do núcleo evangélico se sentirão tentados a fazer isso. Até a presente data, os donos das redes de pequenas igrejas e grandes negócios não decidiram o que farão. Isso vai ocorrer nos próximos dias.
Os empresários do templo não podem romper com o mito sem antes demonizá-lo. No momento em que começarem a fazer isso os pastores se exporão à reação violenta dos evangélicos mais fanáticos. O resultado eleitoral de 2018 provou satisfatoriamente que é muito fácil mobilizar a credulidade popular em benefício de um determinado líder político. Desmobilizar o fanatismo quando ele passou a ser comandado e explorado por pessoas inescrupulosas como os Bolsonaro pode ser uma tarefa delicada e potencialmente perigosa.
Em janeiro de 2020, Lula pediu para o PT se aproximar dos evangélicos. Ao que parece a intuição do ex-presidente petista estava correta. Lula percebeu que a ponte que ligava as duas bases de sustentação política de Jair Bolsonaro (a elite política/ econômica e a tigrada fanática/religiosa) já havia começado a se desintegrar antes do mito romper com Sérgio Moro. A história provou, uma vez mais, que Lula estava certo.
Em 2018 os empresários do templo ficaram ao lado de Jair Bolsonaro. Eles seguiram os donos tradicionais do dinheiro (banqueiros, industriais, barões da mídia, multinacionais, grandes produtores de carne e de soja, etc)? Isso parece ser muito mais provável do que eles acreditarem realmente que o mito era o Messias. De fato, estou convencido de que os empresários do templo somente transformaram Bolsonaro no eleito por deus porque ele tinha o apoio declarado da elite econômica tradicional.
Se levarmos em conta as palavras de Freud, reposicionar politicamente as redes de pequenas igrejas grandes negócios não será uma tarefa fácil. Ao ser transformado num receptáculo das superstições religiosas e das esperanças políticas dos evangélicos, Jair Bolsonaro passou a ocupar um espaço nos corações e mentes dos fiéis.
Um rompimento abrupto com o mito pode esfacelar as Igrejas evangélicas ou, no mínimo, descolar a bancada do tempo da sua base eleitoral. O beneficiário desse fenômeno não será necessariamente Sérgio Moro, muito embora alguns fanáticos já terem começado a se bandear para o lado dele. O feromônio secretado pelo Bezerro de Ouro é forte demais para ser desprezado por alguns evangélicos.
“Sigam quem tem dinheiro, eles estão sempre corretos; os endinheirados foram abençoados por deus”. As superstições teológicas pregadas pelos pastores já começaram a produzir um efeito político contrário à determinação que alguns empresários do templo demonstram de ficar ao lado de Bolsonaro. Além disso, o mito ainda controla a chave dos cofres da União (cujo poder de sedução não é pequeno).
Freud diz que a “…superstição só parece estar tão deslocada na nossa visão de mundo moderna, científica, que entretanto está ainda longe de estar concluída em sua totalidade; na visão de mundo dos povos pré-científicos, a superstição era autorizada e consequente.” A visão de mundo dele (moderna e científica) não corresponde à que predomina no cenário brasileira. Na verdade, podemos dizer que o pai da psicanálise presumiu que o mundo moderno caminhava num sentido contrário aquele que foi trilhado pelo Brasil antes, durante e depois da eleição de Jair Bolsonaro.
Entre nós as superstições evangélicas passaram a desempenhar uma importância política maior do que a ciência moderna. Não por acaso os pastores estão na linha de frente do combate às medidas sanitárias sugeridas pelos cientistas encarregados de minimizar os efeitos da pandemia do COVID-19. Qualquer político brasileiro que pretende chegar e ficar na presidência do Brasil não poderá mais desconsiderar as superstições que os pastores reforçam nos seus rebanhos.
A destruição acelerada do sistema público de educação promovida por Abraham Weintraub será, sem dúvida alguma, um fator de complicação na próxima década. Mas isso não significa que Bolsonaro ficará na presidência ou que ele será reeleito. O rompimento com Sérgio Moro tem tudo para provocar ondas de choque imensas, intensas e potencialmente incontroláveis no dispositivo religioso de sustentação do bolsonarismo. A familícia já deu uma indicação clara de que percebeu o perigo que corre ao se aproximar de Roberto Jefferson e Valdemar Costa Neto.
Na minha opinião, se o PT souber explorar as contradições criadas pelo rompimento entre Jair Bolsonaro e Sérgio Moro o poder eleitoral da “direita do dinheiro, da conveniência, elitista” será uma vez mais anulado na próxima eleição presidencial. O jogo continua. Uma nova rodada está começando, mas a esquerda precisa começar a dar mais importância à disputa parlamentar. Caso contrário o presidencialismo brasileiro continuará a ser instável e a dar aos tiranos do Poder Judiciário as condições que eles têm explorado para sequestrar todo poder político com ajuda do Legislativo.
O fim do bolsonarismo está próximo, sem dúvida. Devemos supor que Jair Bolsonaro não cairá com a mesma elegância, civilidade e pacifismo que caracterizou a reação de Dilma Rousseff ao golpe de estado disfarçado de Impeachment? Sim, sem dúvida. O fanatismo político costuma sair de controle. Com ou sem autorização dos caciques clã Bolsonaro alguns episódios de violência política são previsíveis. Eles ocorrerão antes e depois do mito ser destronado. Felizmente para os petistas, nesse momento todo o ódio dos fanáticos será dirigido contra Sérgio Moro e a Rede Globo. - (Fonte: Jornal GGN - Aqui).
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