'Os abusos serão contidos de forma mais que proporcional: o MPF perderá poder até para as ações legítimas de combate aos crimes dos poderosos'.
Peça 1 – Globo lança Moro político
De tão ostensivo, tornou-se extravagante o movimento das Organizações Globo de lançar Sérgio Moro politicamente.
Principal porta-voz do grupo, Merval Pereira não foi sutil. Com o artigo “Outro Patamar”, Merval tentou transformar em vitória a derrota do pacote anticrime de Moro, que retirou pontos fundamentais da proposta original.
“O ministro Sérgio Moro está se saindo um “hábil político”, como disse Bolsonaro. Ontem, passou o dia no Congresso, negociando a aprovação do pacote anticrime e a autorização para a prisão em segunda instância, que foi retirada dele, mas deve ser votada separadamente”. Ora, é de conhecimento geral que o pacote aprovado na Câmara é fruto de um grupo de trabalho coordenado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre Moraes.
Nas reportagens, a mesma tentativa de criar um clima de vitória para Moro, mas com algumas ressalvas. “O pacote teve amplo apoio, até mesmo da oposição, mas algumas das principais proposições de Moro foram ignoradas”.
Ora, o pacote representa um freio nos abusos do estilo Moro, ao proibir prisões provisórias, preventivas ou denúncias à Justiça baseadas exclusivamente em delação premiada; ao instituir o juiz de garantia, para zelar pela legalidade das investigações criminais; autorização para substituir crimes de menor gravidade por prestação de serviços; proibição de gravação de conversas de advogados com presos, a não ser em presídios de segurança máxima e com autorização judicial. E endurece nos crimes contra a honra, na Internet, na punição dos crimes hediondos.
Ficou de fora o tenebroso excludente de ilicitude, que isentaria policiais que matassem em serviço. E também a prisão após segunda instância, pontos centrais da proposta de Moro.
No artigo, diz que Moro deu uma declaração a favor de Bolsonaro contar o governador de São Paulo João Dória, ao não incluir o massacre de Paraisópolis nas hipóteses do excludente de ilicitude.
No dia anterior, houve ampla cobertura de um evento do Globo – com o indefectível patrocínio da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a CBF do comércio -, em que Moro foi louvado. No evento, além da crítica a Doria, Moro se esmerou em louvar o chefe Jair. Negou pretensões políticas, garantiu apoio incondicional a Bolsonaro, em caso de candidatura a reeleição.
Peça 2 – as investidas contra a Lava Jato
A troco de quê esses dois movimentos: o de lançar Moro como político e o de enfatizar os elogios de Moro ao seu chefe?
A explicação estava em três movimentos que tendem a enquadrar definitivamente a Lava Jato, constituindo-se na maior ameaça à imagem pública da corporação.
O primeiro foi o caso Januário Paludo e a abertura de investigação penal que rompe definitivamente a blindagem da mídia – até então, apenas a UOL havia se referido ao caso, suspeitas de recebimento de propina pagas pelo doleiro Dario Messer. Hoje, Folha e Valor entraram no tema.
Como se sabe, o pacto de blindagem da Lava Jato – incluindo mídia, PGR, CNJ, STJ – consiste em acatar apenas denúncias endossadas pelos principais jornais. Foi a maneira de fugirem às reportagens levantadas por outros veículos de imprensa, especialmente online.
O Ministério Público Federal (MPF) abriu investigação no âmbito do STJ (Superior Tribunal de Justiça), sob responsabilidade do subprocurador-geral Onofre Martins. Ao mesmo tempo, a Corregedoria do MPF abriu sindicância para analisar os fatos da ótica ético-disciplinar. É cedo para qualquer conclusão definitiva, mas é um precedente relevante. Especialmente porque, segundo as primeiras informações, pretende-se avançar para as denúncias do advogado Tacla Duran – que envolvem procuradores da Lava Jato e a família Moro, devido à proximidade com o principal suspeito, Carlos Zucolotto.
Não ficou nisso. No dia 22 de novembro passado foi aberta uma correição extraordinária visando apurar a regularidade no serviço, pontualidade, o cumprimento das obrigações legais de membros do MPF alocados em forças tarefas, assim como recursos e necessidades. A responsável é a procuradora Raquel Branquinho, uma das reservas morais do MPF, insuspeita de corporativismo.
Nos três casos, significa um tiro nas pretensões do grande comandante da Lava Jato, Ministro Sérgio Moro. É óbvio que essas investidas do PGR contaram com o respaldo amplo de Bolsonaro. Daí a insistência de Moro em apregoar lealdade ao chefe e cobri-lo de elogios. Só faltou beijo na boca.
Peça 3 – a escalada do MPF
O MPF saiu da Constituinte como a grande esperança de poder em defesa dos interesses difusos da população. Apesar de alguns exageros, cumpriu adequadamente com suas obrigações até a gestão Cláudio Fontelles – em que pese o período Geraldo Brindeiro.
A partir de Antônio Fernando de Souza começou a degringolada, muito em função da pusilanimidade com que o poder foi tratado pelos governos do PT – Lula e Dilma – ao mesmo tempo em que, mundialmente, o sistema judicial tentava se apropriar das prerrogativas políticas, avançando sobre as vulnerabilidades do sistema político.
A decisão de escolher para PGR o mais votado pela categoria foi fatal. O MPF passou a se ver como um poder independente, o primeiro lance da tomada do poder pelas corporações públicas, em um ensaio da invasão corporativa dos anos seguintes.
Antônio Fernando rompeu um pacto, de PGR não procurar a reeleição. E, com o “mensalão” deu início a esse processo que devolveu às corporações públicas, sem voto, o poder político dos tempos da ditadura – com outros atores.
Como já escrevi exaustivamente aqui, o ponto central da denúncia – o tal desvio de R$ 75 milhões da Visanet – nunca ocorreu. Mesmo se tivesse ocorrido, a Visanet não era uma empresa pública, portanto não poderia fundamentar o crime de corrupção.
O “mensalão” foi uma criação exclusiva do MPF, na figura de Antonio Fernando de Souza, do sucessor Roberto Gurgel, do ex-colega Joaquim Barbosa e de todos os assessores da PGR que convalidaram a farsa da Visanet.
Mas a pá de cal, definitivamente, foi Rodrigo Janot. Em seu período ocorrem dois fenômenos. O primeiro, a Lava Jato. O segundo, a expansão desmedida do MPF, com jovens concurseiros de toda parte atraídos por salários iniciais muitíssimo acima dos de mercado.
Ampliou-se o quadro sem que os jovens procuradores fossem formados pelos valores históricos do MPF. Seu modelo passou a ser Deltan Dallagnol e seus companheiros praticando o empreendedorismo no serviço público. O apoio da mídia e do grupo do impeachment conferiu-lhes um poder inédito, a ponto de se transformar em ameaça geral, em instrumento mais explícito da onda fascista que se apoderou do país.
Peça 4 – o futuro do MPF
A queda do MPF foi acelerada por eventos específicos:
1º – A tentativa de criação da Fundação de R$ 2,5 bilhões, administrada pela Lava Jato de Curitiba, destinada a impulsionar iniciativas de disseminação das práticas de compliance.
2º – A revelação de que tanto Dallagnol e Roberto Pozzobon, como Rosângela Moro, se preparavam para abrir empresas para explorar esse mercado, assim como a disseminação do mercado de palestras de Dallagnol.
3º – A Vazajato revelando as manipulações das investigações e expondo o direito penal do inimigo, da forma mais chocante possível, nas declarações sórdidas em relação a tragédias familiares dos “inimigos”. A banalidade do mal ficou nítida no mais experiente de todos, Januário Paludo. Seu desprezo pela tragédia alheia ajudou a dar visibilidade aos atos concretos de desrespeito aos direitos individuais.
Não é preciso muito tirocínio para prever o futuro do MPF.
Progressivamente, os salários serão rebaixados até se transformar em um êmulo da polícia, mal remunerada e com poucas atribuições.
Os abusos serão contidos de forma mais que proporcional: o MPF perderá poder até para as ações legítimas de combate aos crimes dos poderosos. E também perderá força o trabalho meritório em defesa dos direitos humanos, dos desassistidos e das minorias.
Qualquer analista relativamente preparado, com clareza sobre relações de causalidade, identificará os responsáveis pelo fim do MPF da Constituinte de 1988: Janot, os filhos de Januário, o Ministro Luis Roberto Barroso, todos embarcando nos ventos do momento, aderindo a um modismo, a um poder provisório sem pensar em nenhum momento no futuro da instituição e nas suas responsabilidades para com o país.
Os jovens concurseiros em breve pularão do barco, buscando escritórios de advocacia onde possam aplicar seu conhecimento e praticar o empreendedorismo autêntico. - (Aqui).
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Os comentários suscitados, como sempre, muito bons. Um deles, do leitor Rafael, diz, com todas as letras:
"Pacto, rompimento e repactuação. Quem está disposto a romper para repactuar?
Rei morto, rei posto. Diria o velho ditado. Se a Lava Jato está morta, o pacto que colocou Bolsonaro, Moro e Guedes no poder não está. Apenas aguardam uma nova pauta para se manterem no poder.
E aí, se entra na análise da conjuntura atual.
Resgatando a ideia de pacto, anteriormente defendida pelo Nassif, tem-se a seguinte situação.
Primeiramente, é preciso entender que a vida social é um pacto. Mesmo durante uma guerra há pactos. Não aceitar pactos seria o mesmo que caminhar para uma derrota ou, em última instância, o extermínio da humanidade.
Daí se deduz que há um pacto vigente hoje no Brasil, como também existia nos vinte anos de ditadura. Portanto, quando se fala em “pacto” está-se na verdade falando numa repactuação. Ou melhor, na necessidade de primeiro romper o pacto atual para depois construir outro em seu lugar. É disso que se trata.
E aí, creio que alguns analistas confundem o que se poderia chamar de essência “político-econômica” com aparência “retórico – política”. Explico. Começando pela grande mídia, composta por duas famílias (Marinho e Frias) e por bancos de investimentos (Estadão e Abril). Alguns analistas dizem que a grande mídia está rompida com o atual governo – “estão em guerra”.
Ora, mas se eles exaltam o Pibinho do Guedes e defendem escancaradamente sua política de reformas, arrocho e privatizações e, além disso, apoiam o deus Moro (conforme este Xadrez do Nassif), como poderiam estar em guerra com o governo? Em outras palavras, se a grande mídia sustenta os dois principais pilares do governo, como estaria rompida com o pacto que o elegeu – ou teria outra forma de definir “em guerra”, se não rompimento?
Por isso, disse-se tratar de um rompimento apenas aparente. Logo, se a grande mídia não rompeu com o governo, ela permanece fiel ao pacto que lhe deu origem. E aqui poderia se acrescentar que a classe média, o empresariado e o mercado financeiro também não romperam.
E qual é a essência desse grande pacto “político-econômico” (Moro-Guedes)?
Concentração econômica com repressão social.
Essa é a essência do pacto que permanece vigente no Brasil atual.
E aí vem a pergunta. Alguns dos atores sociais acima relacionados estarão dispostos a romper o pacto para construir outro?
Pelo que se depreende da análise do Nassif, a Globo certamente não. E eu acrescentaria que o mercado financeiro também não. Ao contrário, seus agentes estão gelando os champanhes para comemorar os lucros recordes do ano que passou.
E o povo?
Que comam brioches. Se não quiserem, a polícia e o exército estão aí, justamente para isso, ou seja, colocar o “zé povinho” no seu devido lugar.
– Mas, são milhões… Dirão os mais lúcidos.
– Keep calm and drink gin. Dirá o sábio Janot."
– Mas, são milhões… Dirão os mais lúcidos.
– Keep calm and drink gin. Dirá o sábio Janot."
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Em resumo: Lava Jato preservada e incensada, o ex-juiz e atual ministro da Justiça de vento em popa, afivelando as malas para a campanha presidencial 2022 e/ou meritoriamente acomodado na poltrona de ministro Supremo. Enfim, sem maiores incidentes de percurso.
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