domingo, 8 de dezembro de 2019

A VIDA FORA DE TOM (+ TOM)


"Tom Jobim, cuja morte completa hoje 25 anos, nunca foi um artista de rótulos políticos.
Nem precisava, já o trazia no nome: Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim.
Correr mundo, conhecer a fama e o sucesso em terras outras, nunca tirou a identidade e o amor pelas coisas daqui, fossem bichos, plantas ou gentes.
Foram eles e elas que lhe fizeram alma cantar ao ver sua cidade.
Que sempre teve chagas, feridas, dores, injustiças gritando a ouvidos surdos.
Mas nunca tanta estupidez reunida, tanto desprezo pela vida, pela liberdade, pela tolerância, pela alegria que transformou carioca em algo mais que um gentílico, um jeito de ser, portos abertos às nações amigas.
O que resta disso não entende o que nos fizeram, nem o que nos fazem.
Um pastor abúlico que detesta festas; um troglodita inflado que detesta vidas humanas, um chefe de milícias que urra ódios.
Mortes comemoradas como gols, crianças mortas, normal, miséria é o que suja a rua.
Graça só nas igrejas e na calçada desgraça, assim, feia e apavorante, para que não de tenha de olhar e, assim, ser feliz e alcançar a luz dos cegos.
E a gente mudo diante dos bárbaros, como os passarinhos que o Tom amava nos versos do Chico: muito cuidado, bico calado, que os homens vêm aí.
O Rio de hoje, porém, faria chorar, em vez de cantar, a alma de Tom Jobim.
Aquele delicado maestro ensinou um dia que é impossível ser feliz sozinho."


(De Fernando Brito, post intitulado "A vida fora de Tom", publicado no Tijolaço - Aqui -, de que Brito é titular.

"O Rio de hoje, porém, faria chorar, em vez de cantar, a alma de Tom Jobim."

Meses atrás, lançamos neste Blog a série 'mentalidade Witzel', em que imperam balas perdidas, euforia indisfarçada diante dos massacres e demonstração pública de que 'a carne mais barata é a carne negra'. Desde então segue, célere, a mentalidade Witzel... Quousque tandem?).


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ADENDO (Em 09.12)

Em sua coluna na Folha ontem, 8, Ruy Castro relembra algumas das canções e outros lances do grande Tom Jobim:

Todo mundo conhece pelo menos cinco canções de Tom Jobim. As que vêm primeiro à mente, e com razão, são “Chega de Saudade”, “Samba do Avião”, “Garota de Ipanema”, “Wave” e “Águas de Março”. Outros serão capazes de citar as quase tão famosas “Desafinado”, “Corcovado”, “Dindi”, “Sabiá” e “Retrato em Branco e Preto”. Muitos se lembrarão de “Só Danço Samba”, “Chovendo na Roseira”, “Lígia”, “Gabriela” e “Anos Dourados”. E os sofisticados falarão de “Modinha”, “O Grande Amor”, “Passarim”, “Borzeguim” e “Two Kites”.
Um universo de 20 fabulosas canções. Se isso parece pouco —pouco?—, é porque o próprio Tom, em suas apresentações com a Banda Nova nos últimos dez anos de vida, fez delas a base de seu repertório. Como não havia muito tempo para ensaios, era difícil incluir variações —exceto, às vezes, “Samba de Uma Nota Só”, “Correnteza”, “Bonita”, “Luiza”, “Chansong”. E, com isso, dezenas de outras pequenas obras-primas podem estar sendo excluídas do cânone. 
“Teresa da Praia” continua popular, mas e “Aula de Matemática”, “Olha Pro Céu” e “As Praias Desertas”? Quantos ainda se lembram de joias da sua fase samba-canção, como “Foi a Noite”, “Se Todos Fossem Iguais a Você”, “Eu Sei Que Vou Te Amar”, “Estrada do Sol” e “Por Causa de Você”? Ou mesmo dos primeiríssimos clássicos da bossa nova, como “Só Em Teus Braços”, “Este Seu Olhar”, “Brigas Nunca Mais”, “Vivo Sonhando” e “Amor em Paz”?
Um dia, “A Felicidade”, “Lamento no Morro”, “Demais”, “Surfboard” e “Ela É Carioca” continuarão a ser escutadas? E “Insensatez”? E “Meditação”? E “Fotografia”? E “Inútil Paisagem”? E “O Morro Não Tem Vez”? 
Eu sei, a obra de Tom, sozinho ou com parceiros, parece inesgotável e indestrutível. Mas seu inimigo, o silêncio, está à espreita. Que os 25 anos de sua morte, hoje, nos alertem para a ameaça de dissolução de mais um patrimônio brasileiro.
Ao que Antonio Mello, titular do Blog do Mello, arremata:
"Por aqui, publico mais uma vez aquela que é minha canção preferida, não apenas entre as de Tom, mas as de todos, Águas de Março (clique AQUI). Um hino à vida, naquilo que ela tem de mais corriqueiro, mas que a genialidade de Tom Jobim transforma em epifania [Um dia publico aqui como conheci num mesmo dia Águas de Março (fui dos primeiros a ter acesso à música, antes do disquinho do Pasquim ser lançado) e Búzios. Isso em 1972. Que ano!]."

(Vi Aqui).

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