terça-feira, 5 de novembro de 2019

TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE E OS RISCOS À DEMOCRACIA

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"Em sua última palestra, Barroso se valeu do livro 'Como  as democracias morrem', para sustentar que a democracia brasileira não corre riscos. A maior lição do livro é que as democracias morrem quando as leis passam a ser interpretadas de acordo com o viés político do intérprete e se naturalizam os discursos contra direitos e contra a própria democracia."
Exatamente como o observado no episódio sobre a prisão do réu após a prisão em segunda instância, que ala (então) majoritária do Supremo - Barroso presente - resolveu admitir, forçando 'interpretação' que na prática mandou às favas a garantia expressa no inciso LXVII do artigo 5 da CF. Em vez de se empenhar em tornar ágil o sistema de Justiça, resolveram, na prática, solapar o estado de Direito.


Todos os homens do presidente e os riscos à democracia

Por Luis Nassif

Uma das grandes dificuldades da análise prospectiva é encontrar o rumo em momentos de ruptura.
Em geral, economistas, cientistas políticos, se valem do passado para prever o futuro. Entendem todo fenômeno político, econômico ou social como uma linha progressiva. Como se A (ontem) + B(hoje) = C (amanhã).
Em 1994 e 2015, por exemplo, nos dois momentos vinha em curso um pesado processo de endividamento das empresas e famílias, com base nas expectativas de manutenção do crescimento econômico do período anterior. Com a reversão do cenário, e ainda uma inflação renitente no horizonte, a maneira de trabalhar a situação seria flexibilizar o crédito, induzindo a renegociações de dívida, para permitir a empresas e famílias voltarem ao patamar anterior de endividamento.
Mas decidiu-se partir para os tratamentos convencionais, aplicando um choque de crédito e juros na economia. As consequências foram quedas drásticas do PIB, festivais de inadimplência e quebras de empresa, tanto em um caso como em outro.
No campo político, a mesma coisa ocorreu na análise da ascensão social da classe C. A física ensinou que um corpo qualquer, submetido a mudança de uma partícula que seja, se transmuda em um novo corpo. Entendeu-se que o incluído continuava a ser um cidadão com cabeça de Classe C e bens de consumo de Classe B. E foram eles que engrossaram os protestos das ruas.
As eleições comprovaram a precariedade das análises baseadas no histórico de outras eleições. Em todas elas, depois de Fernando Collor, havia uma polarização em torno do PSDB e do PT. No início de campanha, havia espaço para um outsider. Depois, ocorria a polarização. Ambos os partidos, PT e PSDB, detinham os maiores horários de TV. Logo, associaram-se os horários maiores aos resultados das eleições. E concluiu-se que, em 2018, passado o entusiasmo inicial com Bolsonaro, as eleições seriam decididas entre o PT e o PSDB. Deu no que deu.
O mesmo pode estar ocorrendo agora, com análises otimistas de que a democracia brasileira não corre riscos – não estou me referindo às declarações de Luis Roberto Barroso, que têm tanto valor científico quanto qualquer conversa de pub. A visão otimista é que podem ser cometidos abusos verbais, mas as instituições continuam fortes para impedir qualquer aventura. Os argumentos em favor da tese são os recuos dos Bolsonaro, a cada exagero maior. E o fato de que, passando pelo 5º andar, o corpo que despenca ainda estar incólume.
Em sua última palestra, Barroso se valeu do livro “Como  as democracias morrem”, para sustentar que a democracia brasileira não corre riscos. A maior lição do livro é que as democracias morrem quando as leis passam a ser interpretadas de acordo com o viés político do intérprete e se naturalizam os discursos contra direitos e contra a própria democracia.
Na outra ponta, há a hipótese de que, a cada dia os Bolsonaro vão testando os limites das instituições. Onde não há resistência, avançam. Onde há, ensaiam desculpas, mas não desistem; se preparam para novas rodadas. A comprovação é que, simultaneamente ao pedido de desculpas, através de seus perfis ou de seus tuteiros, reiteram as provocações, mantendo a militância mobilizada em guerra permanente contra as instituições.
Foi assim que passaram a controlar a Polícia Federal, a Procuradoria Geral da República, a impor vetos políticos nos patrocínios culturais do governo, a aparelhar o IBAMA, a Funai, a coordenar, a partir do próprio Palácio, assassinatos de reputação de inimigos ou dissidentes, a ameaçar anunciantes de jornais, a desmontar conselhos de participação e a tentar intimidar o próprio Supremo Tribunal Federal (STF). Não avançaram mais por ausência de competência – não ausência de intenção ou de ousadia.
A minimização do risco se deve a uma análise histórica que mostra que, em todos os golpes, o poder foi compartilhado, com o Exército, com lideranças políticas regionais, com a plutocracia, impedindo o exercício do poder absoluto.
Não há outro momento na história similar ao atual. Há uma correspondência no período 1964-1970, com a repressão por cima encontrando eco por baixo, mas restrito a classe média universitária, nos Comandos de Caça aos Comunistas, e nos delatores de cidades menores. Havia os porões da ditadura cometendo crimes, debaixo de um comando central, mas não um potencial de violência difusa, como nos tempos atuais.
O que se tem, hoje em dia, é a disseminação do bolsonarismo por todos as instâncias do Estado e da sociedade nacionais, potencializado pelos efeitos explosivos das redes sociais. Há bolsonaristas militantes na 1ª instância do Judiciário, dos Ministérios Públicos, das Policias Militares, na mídia, nas associações empresariais, nas cidades do interior. Há um braço armados nas milícias, em grupos de ruralistas, no baixo clero das forças policiais. E aí já se está falando em grupos que obedecem a Escritórios do Crime e quetais, em braços armados. Até o 5º andar ainda não resolveram partir para a luta aberta.
Ou seja, o poder de intimidação do bolsonarismo está não apenas na militância digital, mas na infiltração nas instituições, nas ofensivas de procuradores, nos movimentos do Escritório do Crime. E, ao contrário de outros tempos, não se tem um poder institucional para garantir a segurança dos atingidos. O governador Wilson Witzel recusou segurança para parlamentares ameaçados pelas milícias. O  Ministro Sérgio Moro, comandante da Polícia federal, e o Procurador Geral Augusto Aras, comandante do poder incumbido de fiscalizar a polícia, são homens de Bolsonaro.
Pode ser que os poderes constituídos consigam segurar o corpo da democracia antes de bater no chão. Pode ser que não.
O que não pode acontecer é a tentativa – por parte de setores responsáveis – de minimizar os riscos à democracia. Tem-se efetivamente uma democracia em risco. Talvez o maior risco desde a Independência.  -  (Aqui).

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