terça-feira, 19 de novembro de 2019

SOBRE A PROPAGANDA ELEITORAL PRESIDENCIAL 2020 NOS EUA

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A lógica é simples. Quem tem mais recursos, paga mais anúncios, aparece mais e também bate mais, ganhando a guerra da informação e a da desinformação.


A bilionária e feroz propaganda eleitoral nos EUA 

Por Tatiana Teixeira (Do OPEU - Observatório Político dos Estados Unidos)

Nos Estados Unidos, a propaganda eleitoral na mídia eletrônica e digital é paga, e os gastos, vultosos. Dos cerca de US$ 6,3 bilhões que teriam sido investidos em propaganda política na eleição presidencial de 2016, a previsão é que esse valor chegue a quase US$ 10 bilhões na disputa de 2020. Os números são do GroupM, que aponta um crescimento acelerado a cada ciclo eleitoral americano recente.

Um conjunto de fatores contribui para este aumento, de acordo com o diretor-executivo responsável por monitoramento e medição de mídia da Advertising Analytics, Kyle Roberts. Entre eles, a propaganda digital; o volume de recursos disponíveis, com a contribuição de um número cada vez maior de pequenos doadores (muito em virtude do alcance das redes sociais); a crescente e acirrada competição entre os partidos; e o incentivo fiscal por meio da redução de impostos.
Em geral, a retórica das campanhas eleitorais americanas – sobretudo a presidencial – é agressiva, difamatória e acusatória. Com a expansão das mídias digitais (com suas redes, nichos, algoritmos e possibilidade de anonimato) e com o avanço tecnológico, que facilita a infestação de robôs e a criação e a disseminação de fake news e de deepfakes, a expectativa é de uma escalada nesse aspecto belicoso.

Trump larga na frente

Se, em 2008, o fator Obama 2.0 ajudou o candidato democrata a derrotar o republicano John McCain, com o uso ostensivo da chamada Web 2.0, agora a situação se inverteu. Em termos de montante investido, número de anúncios (em quantidade e em variedade de conteúdo e de canais), criatividade e amplitude do alcance nas plataformas digitais, quem está na dianteira é o presidente Donald Trump.
Além de vir aprimorando a estratégia usada na eleição de 2016 e nas midterms de 2018, o ex-apresentador de reality show também conta com mais dinheiro em caixa. Parte desse sucesso pôde ser entendido quando veio à tona o escândalo da consultoria política Cambridge Analytica, envolvendo Trump, Facebook, o Super PAC John Bolton, (talvez) os russos, e o polêmico Steve Bannon, ex-diretor do site de extrema direita Breitbart News.
Com o noticiário da mídia tradicional dominado pela investigação do processo de impeachment, a presença on-line também é uma maneira de continuar divulgando sua versão dos fatos e a retórica do medo, aparecer de forma positiva, além de disseminar dúvida, desconfiança e raiva nos eleitores indecisos.
Como mostra o monitoramento de gastos feito pelo Facebook, por exemplo, quem mais gastou nesta rede social desde o início do ano foi o presidente Trump (US$ 14,6 milhões), seguido dos democratas Tom Steyer (US$ 10,7 milhões), Pete Buttigieg (US$ 5,41 milhões), Elizabeth Warren (US$ 4,28 milhões), Bernie Sanders (US$ 4,21 milhões) e Joe Biden (US$ 2,90 milhões). Com Brad Parscale responsável pela estratégia de propaganda para mídias digitais (especialmente Google, YouTube, Facebook, Instagram, WhatsApp e Messenger), a equipe de campanha de Trump já investiu mais de US$ 10 milhões neste tipo de anúncio em estados-chave como Michigan, Flórida, Wisconsin e Pensilvânia e deve chegar a US$ 1 bilhão em propaganda até as eleições, em novembro de 2020. É um nível de investimento sem precedentes neste estágio da campanha.
Em meio às polêmicas e sabatinas no Congresso sobre violação de privacidade, responsabilidade e papel das mídias sociais na disseminação e no controle de fake news, o Twitter anunciou, em outubro, que não permitirá mais propaganda política no microblog. A decisão vai no sentido contrário à do Facebook, que se mantém a favor destes anúncios pagos, alegando defesa da liberdade de expressão e de opinião. Em setembro, a rede de Mark Zuckerberg há havia informado que propagandas políticas não terão seu conteúdo verificado quanto à sua veracidade. Anúncios comprovadamente falsos não serão apagados.
De acordo com relatório divulgado pela Kantar CMAG pelo menos seis estados devem concentrar a atenção dos candidatos na corrida pela Casa Branca no ano que vem: os disputados Arizona, Wisconsin, Michigan, Pensilvânia, Carolina do Norte e Flórida. Iowa, Maine, Nevada e New Hampshire também devem receber um nível maior de anúncios, acrescenta a Kantar CMAG. Em estados com disputas acirradas para o Senado (como Arizona, Colorado, Maine, Carolina do Norte, Geórgia e Kentucky) e para os governos estaduais (especialmente Carolina do Norte, Kentucky, Montana, Mississippi e Louisiana), também se espera um fluxo grande de propaganda. A Advertising Analytics/Cross Screen Media estima que em torno de US$ 789 milhões serão gastos em anúncios nas disputas para o Senado e, para governador, pelo menos US$ 252 milhões.
A lógica é simples. Quem tem mais recursos, paga mais anúncios, aparece mais e também bate mais, ganhando a guerra da informação e a da desinformação. Na procura por fotos para ilustrar este Informe Opeu, o que se viu foi uma enorme disparidade na quantidade (em termos de volume e de variedade) de anúncios de campanha de Trump em relação a qualquer um dos pré-candidatos democratas com mais chances até o momento.

Financiamento de PACs e Super PACs

Idealizado como uma maneira de pulverizar as contribuições de campanha e diluir o peso dos grandes doadores, o Comitê de Ação Política (PAC) pode ser organizado por empresas, sindicatos, associações, ou grupos temáticos, para apoiar candidatos a cargos eletivos públicos. Eles arrecadam doações de diversas fontes, que são transferidas para os comitês partidários. De acordo com a Comissão Eleitoral Federal (FEC, na sigla em inglês), por mais de duas décadas, o número de PACs se manteve entre 3.800 e 4.600. No início do governo Obama, em 2009, havia 4.611. Tiveram um crescimento vertiginoso nos anos 1970, depois das emendas aprovadas em 1974 à Federal Election Campaign Act (FECA), de 1971, que impuseram limitações ao financiamento dos candidatos ao Congresso.

Em janeiro de 2010, no caso Citizens United v. Federal Election Commission, a Suprema Corte americana baniu a proibição de que recursos de empresas e sindicatos pudessem ser usados na política. Embora não possam fazer contribuições diretas para campanhas, agora estão autorizados a financiar grupos que enviam correspondências e publicam anúncios, promovendo aberta e nominalmente a eleição, ou a derrota, de candidatos federais (independent expenditures). Essa propaganda eleitoral deve ser independente, ou seja, sem vínculo partidário e sem combinações e arranjos de qualquer ordem com os candidatos. O quanto se é possível controlar e o quanto se monitora, efetivamente, é difícil de determinar.

Em março deste mesmo ano, em SpeechNow.org v. Federal Election Commission, a Corte Americana de Apelações para o Distrito de Colúmbia (U.S. Court of Appeals) considerou inconstitucional impor um teto para as doações de indivíduos, sindicatos e corporações a grupos dedicados exclusivamente às chamadas “despesas independentes”, assim como às electioneering communications. Proibidas desde a Bipartisan Campaign Reform Act, de 2002, ambas as situações são bastante parecidas em sua forma. A principal e tênue diferença entre elas é que, no segundo caso, não há apoio manifesto ao candidato. Ainda que seja explicitamente crítico, ou favorável, o conteúdo da mensagem é sugestivo e está inserido em um determinado contexto.

Com base nessas duas decisões, foi criado em julho de 2010 um novo tipo de PAC: o Super PAC. De acordo com a FEC, os PACs podem contribuir com até US$ 5 mil por eleição para o comitê de campanha de um candidato; com até US$ 15 mil para qualquer comitê nacional partidário; e com até US$ 5 mil por ano para qualquer outro PAC. Já no modelo Super PAC, conforme descrito acima, não há contribuições a candidatos, nem a partidos diretamente, mas esses comitês podem arrecadar e fazer investimentos independentes ilimitados, publicando anúncios e comerciais e enviando e-mails e outras correspondências para defender, ou atacar, candidatos. Os Super PACs têm investido cada vez mais em propaganda negativa.

Outra mudança recente decorre do caso McCutcheon v. FEC, de 2014, no qual a Suprema Corte pôs fim ao teto estabelecido ao valor que um indivíduo poderia contribuir para candidatos, partidos e PACs em seu conjunto.

Redes sociais, deepfakes e desinformação

Nas eleições de 2016 e de 2018, as fake news foram um recurso amplamente usado. Em 2020, a disseminação de vídeos deepfake deve potencializar a desinformação a um nível recorde. Com a velocidade de viralização na web e nos aplicativos de mensagens instantâneas, o estrago à reputação pode ser incalculável e irreparável. No caso de material de propaganda com conteúdo deepfake, alguns estados, como Texas e Califórnia, já aprovaram leis que criminalizam o uso deste recurso, se o intuito for interferir e perturbar as eleições.
A preocupação não é banal.
Em junho, por exemplo, o vídeo de um discurso da presidente da Câmara de Representantes, Nancy Pelosi, teve sua velocidade diminuída para fazê-la parecer grogue, ou com algum tipo de problema na fala. Apesar da qualidade rudimentar, longe do efeito bastante realista de um deepfake, houve quem acreditasse que o material era verdadeiro.
Neste semestre, alegando “imprecisão”, a rede CNN e outras emissoras de televisão se recusaram a divulgar um anúncio republicano que apresentava os imigrantes como uma grave ameaça aos Estados Unidos, assim como outros dois sobre a investigação de impeachment em andamento na Câmara de Representantes. Um deles acusa o ex-vice-presidente Joe Biden de corrupção, em alusão a atividades com a Ucrânia.
Uma pesquisa recente do Pew Research Center aponta que, para 68% dos americanos, notícias e informações falsas afetam sua confiança nas instituições governamentais. Além disso, metade dos entrevistados considera as fake news um grande problema para o país, maior do que terrorismo (34%), imigração clandestina (38%), racismo (40%) e sexismo (26%).
Em um país onde o voto não é obrigatório e onde, historicamente, o interesse pelas eleições se manteve de baixo a moderado, a desconfiança das instituições políticas é uma brecha perigosa em tempos de acentuada polarização e de populismo trumpista.  -  (Fonte: Aqui).
Tatiana Teixeira é editora do OPEU, pesquisadora do INCT-INEU e do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI-Ippri/Unesp) e assistente editorial da revista Sul Global, do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IRID/UFRJ).

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