quarta-feira, 4 de setembro de 2019

A DESTRUIÇÃO DO BRASIL


A destruição do Brasil
Por Paulo Kliass
As pesquisas de opinião demonstrando as quedas sucessivas na popularidade do Presidente da República guardam relação íntima com as opções que a equipe governamental tem feito desde a posse, há pouco mais de 8 meses. É óbvio que o estilo destrambelhado do ocupante do Palácio do Planalto e sua insistência em manter uma polarização permanente, com base em declarações relativas a temas de interesse exclusivo da extrema direita, contribuem também para esse rápido emagrecimento de sua base de apoio. No entanto a tragédia na dimensão do econômico e do social é uma das principais razões na elevação do descontentamento generalizado.
Em nenhum outro momento da História de nosso País um presidente eleito chegou a níveis tão altos de avaliação negativa passados apenas alguns meses desde sua posse. Há pesquisas encomendadas para todos os gostos e tipos, mas a maioria delas apresenta uma porcentagem dentre 38% e 41% da população avaliando a atual gestão como já sendo “péssima e ruim”. A tendência que vem se firmando ao longo dos últimos meses é de redução de avaliações positivas e aumento das negativas. Por mais que a postura anti-petista de uma parcela do eleitorado tenha contribuído para a vitória de Bolsonaro em outubro do ano passado, o fato é que a legião dos arrependidos só faz aumentar a cada dia que passa.
A explosão continuada dos índices de desemprego vem desde o início do austericídio em 2015, ainda quando Dilma Roussef resolveu entregar o comando da economia para Joaquim Levy. No final de 2014, por exemplo, essa taxa estava em 6,8%. E o índice praticamente dobrou ao longo dos anos seguintes. Atualmente está em 11,8%, o equivalente a quase 13 milhões de pessoas. O total de subaproveitados em sua força de trabalho se aproxima perigosamente da casa de 30 milhões de pessoas. A recessão da atividade econômica segue em marcha, com uma queda acumulada que transforma o último quadriênio no pior desempenho do PIB de toda a nossa História.
A armadilha do superávit primário.
Para conferir a esse quadro doloroso uma tintura ainda mais trágica, vale recordar que a essência da política econômica do conservadorismo ortodoxo recomenda a prática da assim chamada “responsabilidade fiscal”. Na verdade um eufemismo para conferir um certo ar de seriedade a uma estratégia de destruição do Estado brasileiro. A trajetória vem de longe, desde quando o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) introduziram a novidade do “superávit primário” nas negociações do volume de endividamento externo dos países do Terceiro Mundo ao longo da década de 1980. A armadilha do adjetivo “primário” confere status especial às despesas financeiras dos Estados nacionais e obriga seus governos a gerarem superávit por meio da compressão das demais despesas.
O Brasil seguiu à risca tal recomendação e a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2000 incorpora essa diretiva para dentro da nossa legislação. Assim, a Lei Complementar n° 101 passa a definir a obrigatoriedade de geração de superávit primário como sinônimo de condução “responsável” da política fiscal. Os gestores dos governos federal, estaduais e municipais passam a ser obrigados a cumprir diversas metas no que se refere às contas púbicas, dentre as quais a de obtenção de um valor determinado de superávit primário.
Em outras palavras, a legislação em vigor há quase 2 décadas prevê a criminalização do comportamento do agente público que não comprimir as despesas sociais para que o saldo nos respectivos Tesouros sejam direcionados para pagamento de juros da dívida pública. Uma loucura!

Logo depois do “golpeachment” que afastou Dilma e trouxe Henrique Meirelles ao Ministério da Fazenda sob Michel Temer, o Congresso Nacional aprovou a PEC do Fim do Mundo, como ficou conhecida a alteração constitucional que recebeu o carimbo de EC 95/2016. Por meio dessa medida, foi criado um novo eufemismo – o “Novo Regime Fiscal”. Não contentes com o desastre provocado pela LRF, os integrantes da nova equipe econômica conseguiram aprovar a medida que congela por 20 anos os gastos sociais, sempre na lógica do superávit primário.
Austeridade e generalização da miséria.
Como o conjunto da política econômica só fez aprofundar a recessão das atividades desde então, o fato é que as necessidades de apoio à maioria da população por meio de políticas públicas de redução de danos da miséria social só fizeram aumentar de tamanho. No auge da crise é que a presença do Estado em áreas como previdência social, saúde, educação, assistência social, segurança pública e outras se faz tão necessária. No entanto, a lógica perversa do austericídio e a cabeça de planilha da tecnocracia vendida ao financismo impedem o recurso a essa tábua de salvação.
Pois agora estamos vivendo essa opção criminosa em toda a sua intensidade. A recessão continuada reduz a capacidade de arrecadação do Estado, uma vez que a maior parte de nossa estrutura tributária é montada sobre produção e consumo. Assim, surge um volume de necessidades de financiamento que somente será coberto por meio do crescimento do PIB e a volta das atividades econômicas ao patamar do período anterior à crise. O raciocínio obtuso das elites tupiniquins insiste no receituário que foi abandonado há muito por seus correspondentes nos países ricos, logo depois da crise econômico-financeira de 2008/9. Por aqui permanecem com o mantra de “cortar, cortar e cortar”, ao passo que nos Estados Unidos, na União Europeia e no próprio FMI a ordem é buscar o protagonismo do Estado.
Trata-se daquilo que o “economês” chama de adoção de medidas contracíclicas. Ao contrário do que recomenda o senso comum e o besteirol criminoso dos “especialistas” ouvidos pelas editorias de economia dos grandes meios de comunicação, no momento de crise o Estado deve aumentar seus gastos. Foi isso que fizeram lá fora, nos países centrais. Essa medida se justifica tanto pelos efeitos imediatos de ajudar a maioria da população em suas necessidades básicas, como pelo efeito do chamado “multiplicador de gastos” do governo. Com a retomada do crescimento mais à frente, os Tesouros passam a arrecadar mais e cobrem esse momento em que incorreram em déficit.
Revogação imediata da EC 95.
Nossas universidades já avisaram que não terão dinheiro nem para comprar papel higiênico e café a partir do final desse mês. Os hospitais públicos estão em estado de penúria. As bolsas de pesquisa acabaram e os laboratórios estão com ameaça de paralisação. O Exército ameaça dispensar seus recrutas por falta de recursos. As queimadas criminosas na Amazônia seguem sem controle, inclusive por falta de recursos para combater os incêndios. Enfim, o Estado brasileiro está sendo destruído meticulosamente a cada dia que passa. Trata-se da execução detalhada e impiedosa do sonho de Guedes & Cia relativamente ao Estado mínimo.
O que se observa é uma combinação assassina de desmonte de políticas públicas com privatização de patrimônio público. O discurso de que o governo não tem recursos é uma falácia. O Tesouro Nacional apresenta uma conta com valores superiores a 1 trilhão de reais junto ao Banco Central. Existe um potencial enorme de arrecadação de setores que são perdoados com isenções e desonerações. O que falta é vontade política de mudar o rumo da orientação da economia. Mas isso parece ser uma impossibilidade, uma vez que o viés financista está no DNA da atual equipe do Ministério da Economia. Tanto que ao longo dos últimos 12 meses de “carência de recursos”, o governo encontrou mui espertamente o montante de R$ 357 bilhões para pagar juros da dívida pública. Aqui não existe atraso de pagamento, nem contingenciamento, nem cortes.
O argumento que permanece é a obrigatoriedade de tal comportamento em função da vigência dos mandamentos da EC 95. Na verdade, faz sentido, pois o Novo Regime Fiscal está incluído no texto constitucional há quase 3 anos. Logo, a medida mais do que óbvia seria promover a imediata revogação dessa espada que ameaça o pescoço de qualquer ocupante de cargo estratégico no governo.
A situação está tão dramática que até alguns economistas que apoiavam a austeridade até pouco tempo atrás mudaram de opinião e consideram a necessidade de remover essa constitucionalização da austeridade.
Não tem como fugir. O caminho passa pela revogação urgente da EC 95.    (Fonte: Vermelho - Aqui).
[Paulo Kliass – Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal].

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"...ao longo dos últimos 12 meses de 'carência de recursos', o governo encontrou mui espertamente o montante de R$ 357 bilhões para pagar juros da dívida pública. Aqui não existe atraso de pagamento, nem contingenciamento, nem cortes.  
O argumento que permanece é a obrigatoriedade de tal comportamento em função da vigência dos mandamentos da EC 95 (aquela que congela os gastos sociais por 20 anos). Na verdade, faz sentido, pois o Novo Regime Fiscal está incluído no texto constitucional há quase 3 anos. Logo, a medida mais do que óbvia seria promover a imediata revogação dessa espada que ameaça o pescoço de qualquer ocupante de cargo estratégico no governo."

Aparentemente, a imediata revogação da EC 95 seria a medida óbvia. Mas é pouco provável que se venha a concretizar: os credores (internos/externos) iriam 'receber' muito mal tamanha 'afronta'. Quem lhes garantiria céu de brigadeiro no que respeita ao serviço da dívida, que, como observado, alcançou R$ 357 bilhões somente no que tange aos juros, no ano passado? Nada disso, sem essa! É fato que o apoio ao social pode dar ensejo ao aumento dos níveis de consumo por parte dos mais pobres, o que contribui, a médio prazo, para alavancar a arrecadação e a própria economia, formando o chamado círculo virtuoso. Mas, não, melhor matar dois coelhos com uma cajadada: sucatear o que se impuser e entregar o patrimônio nacional na bacia das almas, sob a alegação de que é preciso angariar verbas para setores básicos, de crucial interesse para o povo, sacou? 

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