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É intenso o empenho dos bolsonaristas no sentido de encerrar a disputa presidencial logo no primeiro turno. As contribuições vêm de todos os lados: área judicial, redes sociais, matérias quentes e requentadas da mídia corporativa etc. É factível? Não sabemos. Mas que o espaço para a dúvida parece se ampliar a cada dia. O jogo é rasteiro. O artigo abaixo foi publicado antes do debate da Globo de ontem, 4, com sete dos presidenciáveis (o líder das pesquisas, munido de atestado médico, 'contornou' o confronto e reinou sozinho em uma emissora concorrente, em gravação exibida no mesmo horário do debate global). E após o debate, alguma expectativa fundada? Persistem as dúvidas, embora se possa vislumbrar - conforme se pode conferir AQUI - chances de expectativas até certo ponto positivas, mas sem que, ainda assim, as dúvidas sejam afastadas.
Xadrez do segundo turno e a comunidade Amish de Bolsonaro
Por Luis Nassif
Há algumas características a se observar nessas eleições:
Peça 1 – as ondas sucessivas no período eleitoral
Toda eleição prolongada é composta por ondas sucessivas, algumas pequenas, outras que ganham dimensão e refluem, outras que se tornam vitoriosas. Foi assim em quase todas as eleições pós-ditadura, embora o resultado final consolidasse a polarização PT x PSDB.
Nesses tempos todos observou-se o fenômeno breve de Mário Covas e Guilherme Afif em 1988, Garotinho, Ciro, Marina em outros momentos.
Essa eleição teve três ondas nítidas.
A primeira, pró-Bolsonaro após a facada.
A segunda, pró-Haddad depois de oficializado como candidato a presidente.
A terceira pró-Bolsonaro, provavelmente como reação à consolidação de Haddad, aos ataques dos demais candidatos, aos vazamentos da dupla Sérgio Moro-Globo, reavivando o clima da Lava Jato e às fantásticas passeatas das mulheres contra Bolsonaro.
Vamos tentar entender melhor esse motivo final.
Peça 2 –os porões da opinião pública
1. Há um aspecto interessante nas denúncias. Denúncias de pessoas contra seu próprio campo são mais aceitas que contra o campo adversário. Um analista neutro ou progressista criticando o PT tem mais credibilidade que um Merval da vida. E vice-versa.
2. Os bolsonaristas são essencialmente anti-sistema. O que seria o sistema? Os partidos políticos, incluindo PT, PSDB e PMDB, é claro. A Justiça, as instituições em geral, a mídia e os chamados leitores incluídos no mercado de opinião pública, aqueles nacos de público moderno, moralmente avançado, refletido nas novelas da Globo e nas manifestações de artistas. A TV Globo é sistema. Qualquer denúncia contra o sistema pega. Contra Bolsonaro, não.
Com ajuda profissional ou não,- os bolsonaristas vêm montando há tempos seu microssistema de informações através de grupos de WhatsApp, Telegram e Youtube. É um mundo novo, onde notícias falsas se misturam com verdadeiras, com teorias da conspiração, por mais inverossímeis que sejam. Quem define o que é verdade ou não é a própria comunidade. É uma imensa bolha que junta comunidades, tipo amish, apartadas do mundo moderno e vivendo de acordo com seus próprios códigos. Mas, ao contrário dos amish, alimentados com ódio permanente.
E nem se imagine apenas populações pouco instruídas dos sertões. Essa ignorância cívica pega desembargadores de tribunais, pequenos e médios empresários (os grandes estão de longe, aguardando os bons negócios que podem se abrir), e uma classe média que ainda acredita no mito do comunista-comendo-criancinha.
Seria apenas uma excrescência não tivesse envolvido metade do país. Tudo isso possível graças ao processo de degradação da notícia que ocorreu com o jornalismo de esgoto dos grandes veículos, os programas sensacionalistas da TV aberta e o caos que se instalou no mercado de opinião com o advento das redes sociais. Mas, principalmente, pela falência das instituições.
É por isso que uma manifestação épica, como a das mulheres, provoca uma contrarreação maior nas profundezas do país. É bem possível que se encontre aí as explicações para o aumento da rejeição feminina a Haddad.
Mas aí já é tema para os cientistas sociais explicarem mais à frente
Peça 3 – as novas ondas
O que interessa é daqui para frente.
Hoje, a pesquisa IBOPE mostrou alguma estabilização na última onda, com Bolsonaro e Haddad mantendo-se na margem de erro e, no segundo turno, um empate técnico, mas com Haddad levemente na frente. Significa que a segunda onda Bolsonaro pode ter chegado ao pico sem garantir a vitória no 1º turno.
Partindo-se para o 2º turno, haverá uma nova onda Haddad, juntando todos os atemorizados por Bolsonaro.
Haverá os seguintes atores políticos tentando brecá-la:
Sérgio Moro – não se tenha dúvida que vazará mais delações de Palloci. Moro se tornou o símbolo máximo da desmoralização do Judiciário, enquanto instituição. A cada abuso, a reação são algumas palavras de condenação. E só.
Status quo - trata-se de um contingente que aderiu a Bolsonaro pensando nas possibilidades futuras. Entram aí bilionários. É curiosa a adesão de parte da comunidade judaica, já que os judeus são alvos históricos do fascismo. Até famílias de bom nível intelectual, como os irmãos Feffer, caíram de cabeça na defesa de Bolsonaro. Não são numericamente significativos, mas têm poder de indução sobre os veículos de comunicação. Entram também associações empresariais, comunidade jurídica e outros setores conservadores.
Rede Globo – o editorial de hoje do jornal O Globo confirmou o que antecipamos na 6ª. A decisão do Ministro Luiz Fux, de desautorizar seu colega Ricardo Lewandowski, contou com a cumplicidade de Dias Toffoli e o salvo-conduto da Globo. O editorial faz críticas leves a Moro e condenações pesadas a Lewandowski. Nenhum pio sobre a decisão de Fux que, além de ilegal, atentou contra a liberdade de expressão e defende a censura prévia. A Globo incorre na mesma posição de Ministros do Supremo, como Luis Roberto Barroso, políticos, jornalistas, de não se guiar por princípios doutrinários, nem sequer pelos fundamentos da liberdade de imprensa. Aliás, este é o preço maior do subdesenvolvimento brasileiro, a praxi macunaímica de parte relevante da elite. Significa que continuará dando respaldo aos vazamentos de Moro e à disseminação de factoides.
Por outro lado, haverá os seguintes fatores a favor:
Fim dos ataques de outros candidatos – No 2º turno, rasgam-se as fantasias. No 1º, Haddad foi alvo de vários candidatos, por motivos diversos. Ciro, para tentar substituí-lo como o algoz de Bolsonaro. Alckmin para substituir Bolsonaro como algoz do PT. Marina por ser um poço até aqui de mágoas. E Álvaro Dias por ser um político provinciano de baixíssimo nível.
Clareza sobre a disputa - No 2º turno, esse Brasil mais moderno, espalhado por parte do eleitorado de Alckmin, por Ciro e Marina, terá que se decidir entre Bolsonaro e Haddad. Agora, não haverá mais zonas cinzas. A disputa será entre modernidade e atraso, civilização e barbárie.
Tete-a-tete nos debates – Bolsonaro terá que se mostrar, agora. E caberá a Haddad o desafio de domar o bruto, evitando a armadilha de se fixar em temas morais ou de desqualificar o oponente por sua ignorância. Qualquer dessas estratégias será considerada ofensa pessoal a cada bolsominion – já que o candidato tem a mesma dimensão de seu eleitor médio. O desafio será explicitar os efeitos nefastos do liberalismo selvagem de Bolsonaro sobre emprego e renda. Nesse campo, Haddad contará com o apoio inestimável do general Mourão. Espera-se apenas que esconda o Mourão do PT, o ex-Ministro José Dirceu. Terá também que firmar sua personalidade, para cativar os anti-lulistas.
Serão três semanas de pau puro. Na primeira, será possível esperar o crescimento da onda Haddad. Depois, é torcer. - (Aqui).
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