Enquanto repercute no exterior o incrível Esquema WhatsApp (ZapGate, segundo Wilson Ferreira) que abalou(?!) a corrida presidencial em curso, no âmbito interno o escândalo, por determinação do TSE, é objeto de investigação a cargo do Ministério Público Eleitoral, e terá desfecho em data incerta.
Voltando aos 'nomes' do (suposto) escândalo eleitoral, ZapGate parece o mais adequado. Existe similitude (temporal) com Watergate, o nome do edifício em Washington no qual há quase 50 anos aconteceu o desastrado arrombamento do escritório do Partido Democrata por parceiros de Richard M. Nixon, do partido Republicano e então presidente. Pacientemente, os jornalistas Carl Bernstein e Bob Woodward, do jornal Washington Post, investigaram as entranhas do crime, missão em que persistiram mesmo após a reeleição de Nixon, que tempos após, encalacrado, foi compelido a renunciar.
Mas, convém repetir, a similitude é apenas temporal. Não obstante, a Folha de S Paulo, 'nosso' Washington Post, ao noticiar pela primeira vez a celebração de contratos entre o WhatsApp e empresários apoiadores do candidato Jair Bolsonaro, com o propósito de disseminar notícias falsas sobre o seu principal oponente, enfatizou, logo após a manchete, algo como "a prática constitui crime". Aliás, deveria, na verdade, ter consignado 'crimes', no plural.
Uma última observação: O ZapGate, de origem norte-americana, parece ter, no Brasil, caído num vacilo: o crime de ABUSO DE PODER ECONÔMICO poderá restar configurado na medida em que os recursos despendidos pelas empresas em troca dos serviços do WhatsApp são considerados pela legislação brasileira como recursos de campanha do candidato beneficiado, valendo lembrar que o financiamento empresarial de campanhas está PROIBIDO no País, ao contrário do que se constata nos EUA, onde qualquer empresa pode doar capital a quem quiser, no montante que bem entender. A palavra, assim, está com a justiça eleitoral brasileira.
Em tempo: O artigo abaixo foi publicado no sábado, 20. Antes, portanto, da coletiva do dia seguinte, liderada pelo TSE.
'ZapGate' é o último ato da guerra híbrida
Por Wilson Ferreira
Cinicamente a Globo chama de “guerra virtual” para encobrir o caráter assimétrico da batalha do disparo de milhões de notícias falsas com apoio empresarial pela campanha de Jair Bolsonaro - o "ZapGate". Enquanto isso, mais uma vez o PT aciona seu Exército Brancaleone para pedir, dessa vez, medidas punitivas da Justiça Eleitoral – como se não estivéssemos testemunhando o previsível último ato de uma guerra híbrida metódica e sistemática iniciada em 2013. Aguarda-se um show de contorcionismo judicial-midiático para deixar o tempo passar mais rapidamente. Ou enfiarão a cabeça na terra e se fingirão de morto... Este é o último desafio para a esquerda: se ela mal compreendeu o porquê do sucesso da propaganda hipodérmica do nazi-fascismo do século XX, poderá entender e dar uma resposta estratégica à guerra da mineração de big data criadora de dissonâncias cognitivas e realidades paralelas? Apesar do ar pós-modernoso do “ZapGate”, as origens da sua estratégia de comunicação estão no século XX: a descoberta de que as redes dos líderes de opinião de grupos e comunidades é que sancionam os conteúdos midiáticos.
Em 2015 esse humilde blogueiro esteve em uma escola estadual ocupada em Taboão da Serra/SP para dar uma das inúmeras aulas públicas que eram ministradas então naquele momento em escolas no estado. Lá percebi uma nítida diferença geracional: aqueles jovens não viam mais TV ou quaisquer mídias de massas – informações e entretenimento eram buscadas por eles diretamente na Internet, redes sociais e blogs.
Embora curiosos sobre a política dos meios de comunicação no Brasil, para eles tudo não passava de História do Brasil: já estavam no futuro, com uma organização horizontalizada através do WhatsApp e informações buscadas em blogs.
O atual escândalo eleitoral brasileiro do “zapgate” (ou da “guerra virtual” como cinicamente a Globo mancheteia para encobrir o caráter assimétrico dos milhões de notícias falsas disparadas nas redes sociais nesse verdadeiro caixa 2 digital da campanha de Bolsonaro) apenas confirma a pro-atividade histórica da extrema direita – rapidamente compreendeu a progressiva irrelevância das mídias de massa em tempos de convergência tecnológica.
A extrema direita sempre esteve na vanguarda das estratégias de propaganda e comunicação. Não é por menos que o fascismo sempre foi o fantasma que ronda a modernidade: flerta com a arte (Futurismo), com a comunicação (Hitler e Mussolini, fãs do cinema e imitadores dos canastrões do cinema mudo) e a tecnologia – a blitzkrieg nazista foi a primeira guerra tecnológica da História.
Rapidamente compreendeu o fim das estratégias hipodérmicas de propaganda no pós-guerra. Depois que as pesquisas da chamada “Mass Communication Research” de Paul Lazarsfeld nos anos 1940 nos EUA apontaram a importância da influência dos fluxos sociais na recepção da comunicação (a teoria do “two-step-flow” – são os líderes de opinião de grupos e comunidades que determinam a aceitação dos conteúdos propagados pela mídia), a extrema direita abandonou o modelo clássico de propaganda.
Como demonstraram os golpes políticos no Chile, Argentina e Brasil nos anos 1960-70, a atuação combinada de propaganda política massiva com influência comunitária das donas de casa e lideranças de caminhoneiros rapidamente desestabilizou governos – por exemplo, no período que antecedeu ao golpe no Chile em 1973, quando o marido voltava para casa depois das reuniões sindicais, recebia a contrapropaganda da esposa: as contra-informações da extrema direita compartilhadas no cotidiano em feiras-livres, mercados e encontros sociais – leia MARCONDES FILHO, Ciro. O Discurso Sufocado, Loyola.
Obama e a Web 1.0 |
Web 1.0 e 2.0
Em tempos de web 1.0, o sucesso da campanha eleitoral do liberal Barack Obama em 2007 e 2008 (desde o início da disputa das primárias, quando superou Hillary Clinton), aproveitou ao máximo as possibilidades da Internet – pequenas contribuições financeiras via Internet e o apoio de jovens blogueiros e influenciadores digitais.
Agora vivemos na Web 2.0 das redes sociais e pesquisas mercadológicas baseadas na mineração de big data. A estabilidade sociológica de líderes de opinião da blogosfera foi substituída por padrões invisíveis das plataformas tecnológicas. Na política, o caso do Brexit foi o laboratório daquilo que seria replicado na eleição de Donald Trump nos EUA. E a atual guerra híbrida das diversas “primaveras” pelo planeta, terminando na experiência brasileira do “avatar” Bolsonaro, o laboratório de aperfeiçoamento tecnológico.
Enquanto isso, mal a esquerda conseguiu compreender o porquê da eficácia da propaganda clássica hipodérmica nas mídias de massas do fascismo histórico. Tudo o que faz é esboçar formações reativas: negação, wishfull thinking e a tradicional “síndrome de Brian” – relativo ao filme do grupo de humor Monty Python A Vida de Brian: a estratégia paralisante da “Frente Popular da Judeia” contra o imperialismo romano, mais preocupada em fazer propaganda auto-indulgente do que enfrentar o oponente em seu próprio território: a psicologia de massas – clique aqui.
Enquanto Fernando Haddad e o PT se agarram ao púlpito dos debates e protestam contra a recusa de Bolsonaro debater propostas na TV (mesmo porque o “coiso” não as tem), a extrema direita nada de braçadas no mar de big data e da propaganda em rede com o apoio de inteligência do estrategista político da campanha de Trump, Steve Bannon. E o dinheiro não só do caixa 2 brasileiro: também dos fundos da guerra híbrida norte-americana (NSA – agência norte-americana de inteligência) como afirma o analista político Andre Korybko – clique aqui.
Trump e Big Data |
O que é comunicação?
Não existe comunicação a posteriori. A posteriori é Semiótica, Linguística ou Sociologia da Comunicação – o estudo da comunicação depois que ela ocorreu. Comunicação é o aqui e agora, efeito performático, o fenômeno, o acontecimento. A extrema direita rapidamente compreendeu que a comunicação não é conteudista, propositiva. É cognitiva – criação de climas de opinião, percepções, atmosferas. Criar bombas semióticas que destruam a factualidade, criem polaridades e reforcem predisposições –; já nos anos 1940, Lazarsfeld apontava a importância do complexo de predisposições dos receptores: memória seletiva, exposição seletiva etc. Simplesmente as pessoas ouvem o que querem ouvir; veem o que querem ver e entendem o que querem entender.
O fenômeno de bolhas de recepção já havia nas mídias de massas. O que as redes sociais fizeram foi amplificar algoritmicamente essas bolhas com o efeito-filtro. Enquanto a esquerda fica prisioneira na sua bolha de convertidos, minerando big data a extrema direita navega por entre as bolhas localizando líderes de opinião efêmeros (não mais estáveis como na web 1.0) para disparar fake news. Ou cria falsos perfis de líderes de opinião para formar redes mutantes de influência.
O primeiro efeito dessas bolhas na Internet é a indiferenciação público/privado e a erosão do que um dia se chamou de esfera pública: opiniões e críticas são recebidas como se estivéssemos em espaços privados. Por isso são tratadas de forma descuidada, chapadas. Quase sempre com textos adjetivados, sem nenhuma preocupação factual ou rigor lógico ou intelectual.
Erodida a factualidade, cada bolha torna-se auto-referencial, sem possibilidade de criar diálogos com bases comuns. Qualquer coisa é justificável ou comprovada com quaisquer números distorcidos. Seria o paraíso dos sofistas da Grécia da Antiquidade: “o homem é a medida de todas as coisas”, diziam cinicamente Protágoras e Giórgias. Qualquer argumento pode ser refutado por outro argumento desde que possa parecer verossímil.
Sem qualquer base comum (a factualidade) em um diálogo, cria-se facilmente a polarização amigo/inimigo – a despolitização assentada na clivagem (análise em separado) de qualquer diálogo racional possível. Mais uma vez os sofistas (manipuladores da linguagem; especialistas em criar sofismas, argumentos aparentemente coerentes, embora inconsistentes) da Antiguidade vibrariam: redes sociais criam falsos dilemas, de caráter geral e radical, ocultando que na realidade existem mais opções. Para o Brasil, ou é a Venezuela ou a Goldman Sachs Group.
Não é para menos que as causas culturais, identitárias e de costumes se sobrepuseram às discussões político-ideológicas ou de economia política: nessas questões a lógica binária da extrema-direita é reforçada, destruindo qualquer discussão política ou racional.
Dissonância Cognitiva e realidades alternativas
Por isso nesse novo ecossistema digital a extrema direita nada de braçadas com a tática chamada “dissonância cognitiva”. Repare o leitor que desde os primeiros momentos da campanha eleitoral, Bolsonaro começou a fazer ilações sobre “fraude eleitoral”, caso o resultado das urnas eletrônicas desse qualquer coisa, senão sua vitória. Pois agora, com a denúncia do jornal Folha de São Paulo de que empresas compram pacotes ilegais de disparo de mensagens anti-PT, a acusação de fraude eleitoral volta com sinais trocados.
Mais uma vez a factualidade é destruída para no lugar se impor o relativismo da bipolaridade. Se Bolsonaro foi o primeiro a fazer essa acusação, ele deve estar certo...
Isso sem falar das “caneladas” a que Bolsonaro se refere quando o seu vice General Mourão ou o “Posto Ipiranga” Paulo Guedes contradizem o discurso do candidato do PSL: “ele pode ser general, mas eu sou presidente”, “mita” Bolsonaro, extraindo lucro das dissonâncias estrategicamente criadas para ele se impor ao final. Reforçando ainda mais a imagem “antissistema”, replicado por memes através de “estações de repetição”.
Como um candidato-avatar, a Bolsonaro pouco interessa o conteúdo de qualquer comunicação (o discurso propositivo). Sua estratégia é o “acontecimento comunicacional”: detonações cognitivas, bombas semióticas.
Porém o mais perturbador são as realidades alternativas que brotam desse novo ecossistema cognitivo relativístico.
Nunca houve ditadura no Brasil? A Terra é plana? Darwin fez parte do aparelhamento da Ciência feito pelas esquerdas? Os homens foram contemporâneos aos dinossauros? Podemos navegar por horas na Internet encontrando canais, vídeos, palestras e discussões sobre universos fechados e paralelos à realidade factível ou histórica. Já não importa se o conteúdo é crível ou fraudulento. Se reforçar determinadas predisposições, é o suficiente para alimentar ódio e indignação.
Basta encontrar um elemento de verdade nesses discursos (pela memória ou exposição seletiva), seja na forma ou no conteúdo, para ser aceito como pertinente. São discursos que estão muito além dos critérios de credibilidade e verossimilhança.
Aliás, essas “realidades paralelas” começaram um pouco antes dos fenômenos da Web 2.0, nos best sellers literários híbridos, verdadeiros patchworks de ficção e realidade. Como, por exemplo, o livro de Dan Brown “O Código da Vinci” – capaz de misturar dados históricos e artísticos reais com mitos conspiratórios como Illuminatis e Priorado do Sião. O que faz muitos leitores acreditarem que Dan Brown escreveu sobre um terrível segredo escondido pelo sistema.
Ou ainda no livro de Jô Soares “O Xangô de Baker Street”, que narrava as estrepolias de Sherlock Holmes e seu amigo Watson no Rio de Janeiro do Império de D. Pedro II. Com um mapa da cidade do Rio do século XIX ilustrando a narrativa, mostrando o itinerário do detetive ficcional do escritor Conan Doyle. Essa dissonância entre ficção e realidade fazia muitos leitores acreditarem que Jô Soares tivesse feito algum tipo de relato histórico.
Para minha surpresa, naquela época encontrava alunos na universidade que acreditavam que, de fato, Sherlock Holmes e Watson foram amigos pessoais de D. Pedro II no Império...
Diante de tudo isso, mais uma vez a esquerda revela sua Síndrome de Brian: denuncia a fraude e manipulação e espera uma definição da Justiça Eleitoral – como se não estivéssemos na última e derradeira etapa de uma guerra híbrida passo a passo, sistematicamente posta em prática desde 2013.
Outra vez o autoindulgente exército Brancaleone à espera da Justiça, a mesma que mantém Lula na cadeia. Uma luta tão infrutífera que seria como se estivesse lutando apenas para salvar suas biografias diante do mundo e da História.
Mas ao menos dessa vez a autoindulgência da esquerda (Vejam o que a direita faz conosco! Vejam como são autoritários!) deixou nua a contradição tanto da Justiça Eleitoral quanto da Rede Globo. No início da campanha eleitoral, o Ministro Luiz Fux bradou com ameaças até de impugnar as eleições caso as fake news interferissem no pleito. Enquanto a Globo batia o bumbo do combate às notícias falsas. O cenário era outro: a ameaça do crescimento eleitoral do PT com a transferência dos votos de Lula e a checagem das fake news como álibi para censurar os blogs alternativos.
Agora as fake news estão influenciando o processo eleitoral, só que a favor da “esperança branca” da guerra híbrida. Agora Globo e Tribunal Superior Eleitoral reagem em câmera lenta à denúncia da Folha. Aguarda-se um show de contorcionismo judicial-midiático para deixar o tempo passar mais rapidamente. Ou enfiar a cabeça na terra e fingir-se de morto...
Este é o desafio maior para a esquerda que o “zapgate” impõe: abandonar o velho paradigma hipodérmico da propaganda do passado para descer no mesmo campo simbólico no qual a extrema direita ganha o jogo por WO – o jogo da conquista da influência dos líderes de opinião que, afinal, são os que sancionam os conteúdos midiáticos. - (Fonte: Cinegnose - AQUI).
Postagens Relacionadas |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Faça o seu comentário.