segunda-feira, 3 de setembro de 2018

SOBRE CETICISMO E 'TONE TROLLS'

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No artigo abaixo, Carlos Orsi volta a um tema que lhe é muito caro, as teorias da conspiração. Nesta oportunidade, mas especificamente sobre a forma como elas são encaradas por críticos e observadores. E desta feita as alia a 'trollagem'. Mas, focando unicamente nas tais teorias da conspiração, há aquelas que insistem, persistem, não desistem, e perduram por anos e décadas. O homem pisou na Lua? O que Stanley Kubrick, de "2001...", teria tido a ver com isso? E quanto ao 11 de Setembro, por que tantos engenheiros até hoje insistem em especular sobre implosões? E que interesses diversionistas poderiam estar por trás desses acontecimentos, se, num esforço surreal de imaginação, elas, as teorias da conspiração, fossem consideradas 'fidedignas'?! Esses tempos conturbados estão a suscitar teorias as mais disparatadas, é fato; mas é fato, também, que algumas delas são muito bem alinhavadas.


Ceticismo, pensamento crítico e "tone trolls" 

Por Carlos Orsi

Encontrei a expressão "tone troll" (literalmente, "troll de tom"), pela primeira vez, há quase dez anos, em meio às reações da comunidade cética/racionalista internacional à palestra Don't Be a Dick("Não Seja Babaca"), do astrônomo e divulgador de ciência americano Phil Plait. Plait, que em seu site Bad Astronomy analisa à exaustão bobagens como as teorias da conspiração em torno do Projeto Apollo, sugeria na palestra que divulgadores de ciência, principalmente nas trincheiras do movimento cético/laicista, evitassem tratar os oponentes como idiotas. As pessoas raramente mudam  de ideia quando são xingadas, ponderava ele. 

Plait foi rapidamente acusado de ser um "tone troll". Definição: alguém que, embora concorde com a substância do que você diz, se dá ao trabalho de vir a público criticá-lo pela forma como você diz. "Astrologia não faz sentido, homeopatia é uma bobagem, certo, concordo, mas por que você não respeita os sentimentos das pessoas?" Essa é a essência do "tone troll".

Debates acalorados entre "tone trolls" e suas vítimas -- essencialmente, debates sobre forma e etiqueta entre pessoas que concordam quanto ao conteúdo e à ética -- consomem uma energia fantástica. Gente que nunca moveu um dedo para estimular a vacinação infantil ou condenar o uso de horóscopos por departamentos de RH de repente se põe a escrever textões intermináveis, condenado quem faz isso de modo mais abrasivo. No caso específico de Phil Plait, a acusação me parece infundada, mas mais sobre isso adiante.

A questão da trollagem de tom me voltou à mente por causa da recente reação de alguns comunicadores de ciência à série de tuítes do Pirula sobre astrologia. Como sói acontecer no Twitter, as coisas volta e meia entram numa escalada um tanto quanto grotesca, desproporcional à causa, e neste caso logo surgiram críticas e acusações quanto ao tom usado pelo divulgador para criticar o negócio dos horóscopos e mapas astrais.

A reação à trollagem de tom também pode ser desproporcional, aliás; há um temor difuso de que apelos ao "respeito pelos sentimentos" sejam apenas o início de um declive escorregadio que leva a leis contra blasfêmia e a intelectuais supostamente sofisticados que apoiam a fatwa contra Salman Rushdie. Sei muito bem como é esse medo: vivo com ele.

A questão de se encontrar o tom na divulgação científica de matriz cética é, certamente, importante. Quem comunica algo nessa área está tentando causar um impacto cognitivo (mudar crenças) ou comportamental (não compre isso, não dê dinheiro para aquilo). Questões de censura à parte, há pesquisas que indicam que as pessoas tendem a rejeitar informações que conflitam com seu senso de identidade, por exemplo (aqui aqui).

Essas pesquisas costumam ser interpretadas como indicando que é necessário moldar a mensagem de modo a preservar a integridade das identidades socais: é preciso dizer às pessoas que você pode ser cristão e aceitar a teoria da evolução, pode ser um fundamentalista do livre mercado a aceitar que existe um aquecimento global antropogênico, ser a favor da reforma agrária e aceitar que transgênicos não causam câncer ou autismo.

Isso faz com que muitas críticas comumente classificadas como "trollagem de tom" tenham sentido (e aí incluo, por exemplo, a palestra de Plait). Mas, primeiro, é preciso notar que a conciliação entre fato e identidade tem limites: "você pode ser um terraplanista e aceitar que a Terra é redonda" soa bizarro, para dizer o mínimo.

Segundo, públicos diferentes requerem mensagens de moldes diferentes -- e é aí, creio, que "abrasivos" e "respeitadores" se encontram no mesmo erro: parafraseando o Eclesiastes, existe um tempo para passar a mão na cabeça e existe um tempo para meter o pé no peito. A sabedoria está em distinguir qual a estratégia mais adequada para qual público, em qual momento. No entanto, os dois campos parecem achar que sua estratégia favorita é primeiro e único Santo Graal da Comunicação. E isso não existe: em sua palestra, Plait pergunta, à audiência, se alguém ali já havia mudado de ideia depois de ser chamado de idiota, e algumas pessoas levantam a mão. Não muitas, mas algumas.

A autocrítica sobre o tom das mensagens de comunicação científica é importante, mas também é importante que essa autocrítica seja específica: o tom desta mensagem, frente a este público, é adequado ou não? Se não for assim, vira só trollagem.  -  (Fonte: Blog de Carlos Orsi - Aqui).

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