A Constituição da República Federativa do Brasil chegará, no próximo 5 de outubro, a trinta anos de promulgação. Insistindo, ainda, em manter-se ereta, a despeito das intempéries. Bem antes começara a busca da consagração do Jornalismo, com maiúscula.
(Mas, ao sabatinar o candidato Fernando Haddad - AQUI - após o que se viu no JN, o 'pool' Uol/Folha/SBT como que resgatou o Jornalismo).
(Mas, ao sabatinar o candidato Fernando Haddad - AQUI - após o que se viu no JN, o 'pool' Uol/Folha/SBT como que resgatou o Jornalismo).
(Pieter Bruegel).
Constituição da 'República' Privada do Jornal Nacional do Brasil: uma outorga
Por Eliseu Raphael Venturi
Alguns de nossos pais diriam “falta de educação”. Alguns filósofos diriam “falta de ética profissional”. Alguns professores de jornalismo se arrependeriam da escolha de vida e diriam “falta de tudo”. Algumas linhagens feministas diriam “manterrupting”, ao que até teóricos do gênero se sentiriam deslocados – sim: mulheres também interrompem homens.
Alguns cientistas políticos diriam, simplesmente, “poder”: ganhando o jogo de dardos. Falecidos Hermes e Thêmis diriam apenas “que pena!”. Os juristas, esgotados do cortisol com a recente “mera grosseria” do racismo, quedam apáticos na gradual morte lenta da sua ciência e arte. Constituição da 'República' Privada do Jornal Nacional do Brasil: uma outorga Por Eliseu Raphael Venturi
A entrevista do presidenciável do Partido dos Trabalhadores em 14 de setembro de 2018, não à toa a última da série, demonstrou (mais uma vez) que as transmissões noturnas do folhetim tupiniquim não se tratam propriamente de jornalismo.
Nem de informação. Nem de qualquer noção rota que se aproxime a um sentido mínimo de interesse público que justificaria a onipresença desta empresa em todos os lugares que ocupa – obviamente, sob um ponto de vista normativo-constitucional – há século. É educação, doutrinação, veja-se a ironia. “It's the good advice that you just didn't take; Who would've thought, it figures”.
Senhor da Verdade, o telejornalista-quase-candidato “sextou”, com sua colega, na mais absoluta capacidade de contradição, para deleite dos docentes da Lógica exaltarem a urgência do estudo da sua disciplina.
Partindo a entrevista de todo o grande mote da ausência de autocrítica do Partido, pela qual o presidenciável deveria não apenas responder no todo como convencer e re-unir a nação, em determinada altura o entrevistador-debatedor confronta afirmações de críticas dantes feitas pelo próprio candidato, para delas pretender obter alguma declaração forçada.
Nunca se pretendeu, assim, questionar autocrítica, mas, antes, prosseguir uma continuidade do espírito desenfreado de delações sem embasamento ou os velhos espíritos inquisidores de confissões. Pessoas e partidos são unificados. “O Senhor está dizendo que o eleitor não sabe votar?” brada a jornalista, desesperadamente, pois seria esta mais uma oportunidade de queimar ali alguns milhões de votos?
Técnicas um pouco antigas de uma esclerosada dedução que busca fatos a partir de verdades pré-estabelecidas. Conjunto de técnicas, aliás, já bem conhecidas por qualquer analista da comunicação ou do discurso; ou por qualquer aluno do ensino médio que prestou atenção nas aulas de Língua Portuguesa – as recentes reformas ainda permitem o ensino do Português?
Senhor e Senhora exímios das estatísticas, dos fatos, dos dados corretos, alinhados com o mesmo cuidado do desalinhamento alinhado dos seus cabelos. No vulgo “encarnação da credibilidade”, além do não invulgar pressuposto do determinismo do econômico pelo político, os jornalistas se colocam acima dos interesses e das políticas no momento da preservação de suas sacrossantas liberdades, há muito sacrificadas no cerne de sua atuação politizada.
Ao compasso, estes mesmos jornalistas-quimera assumem a posição de debatedores quando a questão é exercer a advocacia de sua empresa e de suas redes de poder na era agonizante das grandes comunicações e hegemonias moribundas. “Essas conjeturas absurdas provam que a Quimera já estava cansando as pessoas. Melhor que imaginá-la seria convertê-la em qualquer outra coisa. Era demasiado heterogênea”³. Hoje estamos igualmente cansados.
Insiste, então, o jornalista-chefe: candidato, dos tantos cargos do Judiciário, a grande maioria foi indicada pelo Sr. Presidente. Desconsidera, no entanto, que os cargos, ao terem nomeações previstas em Constituição enquanto incumbências do Sr. Presidente, não poderiam ser feitas por outro governante, dado o recorte temporal do exercício daquela Presidência e sua proporção com a duração do exercício dos cargos e o lapso da presidência petista total.
Bem, nada importa: importa é que dos dados numéricos só se pode concluir que o Judiciário seja imparcial. Do mesmo modo que o Partido só pode ser uma máfia uniforme universal, a despeito de todo o investimento feito nas instituições estatais de persecução à corrupção. E que indivíduos devem responder pelo todo de suas vinculações e co-partidários. Enfim, ser quimera dá este tipo de vantagem interpretativa cambiante.
Algo é claro, dizem-nos os dois jornalistas: tudo não passou do jornalismo profissional, da informação verificada e verdadeira, dos fatos objetivos. O jornalista-sedutor modulará sua entonação de voz em um ritmo sincronizado com um suave movimento de cabeça e sobrancelhas, e dirá com voz afinada: “eu não minto, eu digo a verdade, eu sou impecável”, e sorrirá de canto. A jornalista-sedutora, em igualdade de direitos.
Gratos estaremos pela existência de mais uma novela entre a das 7 e a das 9 e, não fosse seu impacto de massa que poderá decidir por um futuro autoritário ainda mais tenebroso, poderíamos ignorá-la, preferindo outros tipos de romance mais qualificados, estéticos e pessoalmente oportunos. Com duplas dinâmicas mais simpáticas, menos petulantes, inclusive.
Nunca assistimos a entrevistas: o que vimos em todas as entrevistas foi um reiterado debate entre presidenciáveis, de um lado, e os representantes do poder universal a que se deve prestar contas, do outro.
Podemos chamar de novela, de telejornal, de entrevista, ou de debate, mesmo de educação ou doutrinação, mas apenas estaremos diante daquela matéria de formas mutantes, de forças em interação caótica – para muitos, de efeitos mentais similares ao dos entorpecentes – chamada “poder”.
E, a cada poder, uma Constituição.
Como disse Mourão: “Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo”. Dia 14 de setembro, o fim do processo de outorga de uma Constituição: a Constituição da “República” Privada do Jornal Nacional do Brasil.
Sorte que, a cada poder, a cada força, uma resistência. - (Fonte: GGN - Aqui).
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[Eliseu Raphael Venturi é doutorando e mestre em direitos humanos e democracia pela Universidade Federal do Paraná. Editor executivo da Revista da Faculdade de Direito UFPR e Membro do Comitê de Ética na Pesquisa com Seres Humanos da UFPR. Advogado].
¹ Pieter Bruegel. Paisagem com a queda de Ícaro (cópia de 1560), 1558. Disponível em: < http://www.milanoplatinum.com/la-caduta-icaro-pieter-bruegel-vecchio.html>. Acesso em: 15 set. 2018.
² AUDEN, Wystan Hugh. Musée des beaux arts. Poemas. Seleção de João Moura Jr. Tradução de José Paulo Paes e João Moura Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 70-71.
³ BORGES, Jorge Luis; GUERRERO, Margarita. O livro dos seres imaginários. Tradução de Carmen Vera Cirne Lima. São Paulo: Globo, 2000. p. 117-118.
Eliseu Raphael Venturi
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