sábado, 28 de julho de 2018
VI NA CARTA MAIOR: CONSPIRAÇÃO E PODER, O FILME
Altas pressões em tempo de campanha eleitoral
Por Léa Maria Aarão Reis
Outubro de 2004, Estados Unidos. A campanha para reeleição de Bush Filho pega fogo quando a rede de televisão CBS, através do seu programa-ícone 60 Minutos apresentado pelo jornalista Dan Rather - o âncora adorado por uma monumental audiência de sofá -, denuncia a covardia e omissão do candidato republicano quando jovem, se safando de embarcar para a guerra do Vietnã usando a influência de papai e os contatos da família.
A autora da pesquisa cujo resultado ignominioso provavelmente alteraria o resultado depois verificado, das eleições, era a premiada produtora da CBS Mary Mapes, detentora do Peabody, premio de prestígio no jornalismo norte americano, ao denunciar as torturas de militares do exército pátrio em Abu Ghraib.
A jornalista foi, na época, a líder de uma equipe exemplar de pesquisadores autorizada e incentivada pela alta cúpula administrativa da Columbia Broadcasting System que, ao vislumbrar a bomba política que poderia trazer àquela corporação grandes dividendos comerciais, acelerou a exibição da matéria.
No final da história a CBS cedeu às pressões para se desmentir, abriu uma investigação interna (o ‘’julgamento’’ é um dos pontos altos do filme, no seu final) para punir Mapes e sua equipe.
‘’Não será um julgamento, ’’ avisou o advogado da jornalista. ‘’Será uma caçada a você. ’’ Lá como aqui: farinha do mesmo saco.
Esta história de Mary e de Dan Rather é o plot do filme Conspiração e Poder* (Truth), que estreou no Brasil há dois anos, inspirado em um livro confessional escrito por Mapes: Truth and Duty – the Press, the Presidente and the Privillege of Power.
Ela foi uma profissional de carreira meteórica que nunca mais, depois do sórdido episódio no qual esteve envolvida, trabalhou na televisão - é claro. Depois de ser demitida pela CBS trabalhou em consultorias, escreveu dois livros e colaborou para a revista de esquerda Nation.
O diretor e roteirista James Vanderbilt, autor desta narrativa sobre perdedores, os que são vencidos pelo sistema, assinara, anteriormente, blockbusters como Zodíaco, O espetacular Homem Aranha e Independence Day. No gênero, roteiros competentes e montados à base de editite ou seja, obsessão pela montagem de filmes em ritmo quase histérico - assim como é Truth.
Mas Truth vem com o diferencial que muda tudo. Ao contrário do destino comum vitorioso dos super-herois, o filme representa uma história de como pressões com constrangimentos e coerções, em tempos de eleições presidenciais, mais do que nunca podem ser tratores destruidores.
É um filme político, de reflexão e alerta para os dois próximos meses de campanha presidencial no Brasil. Também é um lembrete para os que divinizam o modo de viver americano.
Representa com sucesso as pressões insuportáveis e o festival de pusilanimidade, hipocrisia, ambiguidade e traições que vicejam com maior intensidade nesse período, nos meios políticos e nas redações da mídia oligárquica, e entre os jornalistas cães de guarda dos patrões corporativos sempre atentos para não deixarem o poder das urnas cair em mãos progressistas.
O episódio ficou conhecido como Documentos Killian. Os papeis oficiais datilografados eram, supostamente, do tenente-coronel Jerry Killian, comandante da unidade de Bush que servia, só para constar, na Guarda Nacional do Texas. Eles sugerem que o presidente não teria cumprido as obrigações do seu serviço. Neles, Killian faz referência às pressões políticas para que melhorasse o relatório anual sobre a atuação de Bush. Servindo na Guarda Nacional, ele não teria que ir para a guerra.
Mapes (vivida pela atriz Cate Blanchett) suspeitou que George W. Bush usara a influência de seu sobrenome para não embarcar para o Sudeste asiático. Com a ajuda de uma fonte, ela consegue os documentos necessários para a comprovação da denúncia e leva a história ao ar que é apresentada pelo lendário Dan Rather (Robert Redford).
Mas, ao invés de abalar a campanha de reeleição de Bush, após a denúncia tornada pública rapidamente se inicia o processo de desmoralização das informações e o trabalho da equipe de reportagem é posto em dúvida e suspeição.
A então viúva de Killian, Marjorie Connell, questiona a autenticidade dos documentos. Mais. Declara formalmente que admirava o jovem Bush, segundo ela, "um excelente piloto".
Conspiração e Poder é um filme do cinemão comercial. Embora sentimentaloide em passagens que desenham o perfil pessoal de Mary, tem bons diálogos quando trata da trama profissional. Alguns deles:
A fonte, ao discutir porque deverá dar à televisão e não a um jornal as suas informações explosivas. ‘’Porque as pessoas não estão mais lendo jornal, ’’ replica um dos integrantes da equipe de investigação. Em 2004.
Outro: ‘’Eles vão ferrar você também, se assim for necessário para a empresa, ’’ diz um dos membros da equipe de Mapes, ao ser despedido por um chefete daqueles intermediários entre direção/acionistas das empresas de comunicação e redação/produção.
‘’Este programa já foi de responsabilidade pública, ’’ ironiza Rather, na sua última aparição, quando se despede, no ar, depois de demitido. (Posteriormente foi á Justiça alegando quebra de seu contrato.)
A narrativa de Truth é uma das provas de que o poder pode ser mera questão de negociação. E que o jornalismo investigativo, hoje sob ataque, está sendo substituído por documentários ou filmes de ficção ancorados na realidade política.
Vale revê-lo agora.
Para ver 'Conspiração e Poder', clique AQUI.
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