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Sebastião Nunes, autor da série, é natural de Bocaiuva, MG, escritor, editor, artista gráfico e poeta. É também titular de um blog no Portal Luis Nassif OnLine.
O país dos canalhas - Capítulo 23 - O rato mendigo de Brasília
Por Sebastião Nunes
Tendo recebido alta no Hospital de Base, arrumei a mala, sai e fechei a porta. Na recepção paguei a conta – exorbitante! – e caminhei até a saída.
Na rua, respirei fundo: eu estava curado dos delírios e livre para continuar meu trabalho junto à fina flor da canalha brasileira, preparando o assalto à Casa da Moeda, assunto dos primeiros capítulos desta história.
Nem tive tempo de pensar no que fazer. Ao meu lado, esparramado na calçada, um enorme rato gordo, vestido com roupas nojentas, me encarava sorrindo.
Não fosse a cara (ou o focinho), seria um mendigo comum. Vestia um casaco puído de couro, calças jeans esfarrapadas, usava sapatos furados e segurava duas sacolas grandes, uma da McDonald’s e outra que não consegui identificar.
– Uma esmola pelo amor de Deus – disse o rato.
Com essa eu não contava! Um rato mendigando! Um rato falante! Se relatasse isso nos Istates ninguém acreditaria.
Ressabiado, tirei a carteira, extraí uma nota de 20 reais – seria muito? – que estendi ao pedinte. Sua mão era branca e gorda, de modo que ele não era um mendigo brasileiro padrão: negro e esquelético. Ou negra e magérrima, no caso das mulheres.
– Está estranhando? – perguntou o rato. – Nunca viu um rato pedindo esmola, viu? Nem falando, não é? Posso contar minha história. Quer ouvir?
ALIMENTANDO O RATO
Disse que sim e levei o rato mendigo até uma lanchonete. Claro que não entramos. Não o aceitariam lá dentro, com seus molambos e seu fedor.
Comprei dois sanduíches de presunto e queijo, dois refrigerantes, e nos sentamos num banco da pracinha em frente. Enquanto comia, ele começou a contar.
Era uma longa história, estranhíssima história, que só a custo eu não interrompia.
Depois de comer, pediu um cigarro e um conhaque. Compreendi, pela pedida do conhaque, que não se tratava de um vagabundo qualquer. Era um vagabundo de grife, digamos assim. Um vagabundo com berço.
Claro que não vou repetir o que me disse, apenas resumir a história, que durou toda a tarde e ameaçou entrar pela noite.
Voltei ao Hospital e me internei de novo, internando também o rato mendigo. O que ele contou podia ser verdade, mas podia ser delírio. Melhor os médicos decidirem. De volta à tranquilidade do meu quarto, redigi o resumo que você vai ler.
A HISTÓRIA DO RATO – INÍCIO
Filho de classe média alta, criado numa cidade média, nunca se dedicou a nada, nem mesmo a estudar o básico. Terminado o ensino médio, mal sabia assinar o nome e odiava livros. Nunca aprendeu português, matemática ou o que fosse. Era o que se chama hoje analfabeto funcional, como cerca de 80% da população brasileira.
Que fazer? O pai havia sido vereador e prefeito, tinha largas influências, de modo que o empregou numa empresa de construção civil, como auxiliar-administrativo do departamento financeiro, diretamente ligado ao presidente.
Durante alguns meses trabalhou direitinho, cumprindo horários e levando a sério suas obrigações. E tão bem trabalhou que logo descobriu o caminho das pedras que o levaria a ganhar 10 ou 20 vezes o salário mensal: as propinas.
Comprou um carro de luxo e passou a exibir padrão de vida muito superior a seu relativamente modesto salário.
Não deu outra: foi demitido, só não sendo preso e processado porque, como foi dito, o pai era figurão na cidade e tinha costas largas.
– Mas todo mundo aqui recebe propina – disse ele, ao ser despedido.
– Recebe sim – concordou o presidente. – Mas ninguém deixa o rabo de fora.
No olho da rua, compreendeu enfim como é que o mundo se movia.
A HISTÓRIA DO RATO – MEIO
Como se aproximavam as eleições municipais, o pai decidiu que o melhor seria elegê-lo vereador. Difícil? Não. Com as já famosas largas influências da família até que foi fácil ganhar como o segundo mais votado.
Na metade do mandato candidatou-se a prefeito e foi eleito.
Dois anos depois, deputado estadual. Mais quatro anos, deputado federal. Na câmara, dezenas de comissões, especialmente as que cuidavam de finanças públicas.
Assíduo, seus discursos eram bombásticos e reproduzidos fartamente na mídia. Rapidamente se tornou um dos deputados mais conhecidos, assediados e paparicados.
Seu nome era frequentemente lembrado como o próximo ministro da fazenda, ou do planejamento ou da casa civil.
Modesto, ele nada dizia. Pensava na presidência da república. Por que não?
A HISTÓRIA DO RATO – FIM
Num belo fim de semana participou de uma dessas alegres festanças que tornam tão deliciosa a vida dos poderosos em Brasília: muita bebida, muito sexo, muita droga – enfim, muito de tudo, do bom e do melhor.
Foi quando aconteceu o desastre.
(Continua. - Fonte: Aqui).
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