Quando, na noite de terça, 23, o noticioso da Rede (vejo sim, visto que, como costumo falar, toda informação diz algo, e a ausência de informação, mais ainda) anunciou a antecipação do programa da noite seguinte não em 15 minutos, como usualmente ocorre nas quartas-feiras futebolísticas, mas em 30 minutos, observadores mais argutos pensaram, com razão: TRF4, julgamento do recurso de Lula, 'preferencialmente' condenatório. Batata. (Mas, claro, sem mostrar o 'povão do lado de lá' ou mesmo o do lado oposto). Didáticas explicações sobre passagens dos votos proferidos pelos julgadores se sucederam, seguidas do histórico da lei da ficha limpa, entre outros. Um manjar. Eis que agora, lendo comentários suscitados pela postagem abaixo, deparo-me com observação que me trouxe à mente, de imediato, o citado manjar: "O Brasil não tem povo. Tem público" (Afonso Henriques de Lima Barreto). Supimpa. Grande Lima Barreto. (Mais aqui).
Nota: Não conseguimos reproduzir na íntegra o conteúdo de alguns quadros da matéria abaixo. Vai ser preciso ir à fonte original.
Xadrez dos embargadores da verdade de Lula
Por Luis Nassif
Por baixo dos data vênias, do latim, das citações, o direito, assim como a economia, tem que obedecer à lógica. Às vezes, há temas complexos, exigindo desenvolver conceitos mais sofisticados. Em outros casos, são situações corriqueiras, que exigem apenas decifrar os pontos centrais do que está em julgamento. É o caso do julgamento de Lula.
Nele, havia um conjunto de indícios e duas narrativas possíveis.
Peça 1 - Os fatos
Marisa Lula tinha uma cota em um apartamento da Bancoop cooperativa que entrou em crise.
Anos atrás, OAS assumiu o edifício e negociou com os moradores a transformação das cotas em apartamentos.
Marisa tinha um apartamento menor. Na divisão foi-lhe facultado adquirir um maior.
O triplex foi reformado pela OAS de acordo com o gosto do casal.
Em determinado momento Lula desistiu do apartamento e Marisa pediu o dinheiro de volta.
Esses são os fatos.
Os pontos de dúvida
1. Qual a motivação da OAS reformando o apartamento para o casal Lula?
2. O casal chegou ou não a ter a propriedade do imóvel?
Peça 2 - A narrativa lógica
1. Na política econômica dos campeões nacionais, as empreiteiras foram o setor mais beneficiado. Ao mesmo tempo, Lula saiu do governo como o mais popular estadista do planeta, com imagem pública e relacionamentos consolidados nos países de interesse da empreiteira.
2. Por tudo isso, a OAS pretendeu oferecer um mimo a Lula, turbinando a cota de apartamento que tinha no edifício Solaris.
3. Após duas reuniões, Lula desistiu do apartamento. Ou porque se deu conta da exploração política que poderia advir do episódio, ou porque se desinteressou do apartamento.
Peça 3 - A narrativa da Lava Jato
1. A OAS tinha uma conta-corrente de propina com o PT proveniente de contratos com a Petrobras.
2. Descontou da conta R$ 3 milhões para fazer as reformas do apartamento.
3. Passou o apartamento para Lula, mas manteve em seu nome para esconder o novo proprietário.
As evidências apresentadas
Ponto 1 - O tratamento diferenciado concedido a Lula, em relação aos demais condôminos.
Ponto 2 - Vários depoimentos dando conta de que o apartamento estava sendo preparado para a família Lula.
Ponto 3 - Depoimento de Léo Pinheiro, presidente da OAS, de que a diferença entre o que foi gasto e o que foi recebido da família Lula saiu da conta do PT.
Peça 4 - Sobre a relevância das evidências
Entre as três, apenas o terceiro ponto tem relevância para o processo.
Ponto 1 – se em lugar de Lula fosse uma atriz de novela da Globo, o tratamento seria igualmente diferenciado. Uma personalidade pública é, por definição, uma personalidade diferenciada. Qualquer empreendimento gostaria de ter o casal Lula como condômino.
Ponto 2 – nunca houve a menor dúvida sobre o interesse inicial do casal Lula pelo tríplex durante determinado período. O ponto central é se o casal ficou ou não com a posse.
Ponto 3 - Esse é o cerne da acusação. As dezenas de evidências recolhidas pela Lava Jato se referem apenas aos Pontos 1 e 2, que não são condições suficientes para confirmar o Ponto 3.
A lógica canhestra da manipulação consiste em juntar uma enxurrada de depoimentos que apenas reafirmam dois pontos incontroversos: Lula estava sendo um tratamento especial; e em determinado período, a OAS estava preparando o apartamento para o casal Lula. Morre aí, totalmente insuficiente para a condenação.
Peça 5 – a prova definitiva
Aí entra o depoimento de Léo Pinheiro, trazendo a prova considerada definitiva pelos juízes: uma mera declaração de que o apartamento era de Lula e o valor foi descontado das propinas devidas ao PT.
A prova decisiva: uma conversa entre Léo Pinheiro e o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto.
Coloco em negrito e sublinhado porque toda a construção da acusação se baseia nesse ponto.
A denúncia de Léo Pinheiro obedeceu à seguinte trajetória:
1. 01/06/2016 Delação de Léo Pinheiro trava após inocentar Lula (https://goo.gl/kp3whZ).
2. 23/11/2016 recebeu sentença de 26 anos de prisão confirmado pelo TRF4 (https://goo.gl/qFEvgB).
3. 12/07/2017 por ter ajudado no processo contra Lula, Sérgio Moro reduz a pena de Léo Pinheiro a 10 anos e 8 meses.
4. 21/09/2017 Procuradoria Geral da República não aceita a delação de Léo Pinheiro por não ter apresentado nenhum elemento de prova (https://goo.gl/4kn7tF).
5. Mesmo assim, Moro mantém o depoimento de Léo Pinheiro e o TRF4 reduz sua pena para três anos e seis meses. Como já cumpriu uma parte, deverá ser solto em breve (https://goo.gl/TaY6kp).
E toda a acusação se baseou apenas nisso, declarações de Léo Pinheiro, de que o gasto foi descontado da conta de propina do PT, claramente, nitidamente em troca da redução da sua pena. Sem o acerto, ele passaria o resto de sua vida na prisão.
O tal acerto teria sido combinado em uma reunião com o tesoureiro do PT João Vaccari Neto. Apenas duas pessoas poderiam confirma a conversa: ele e Vaccari. Vaccari não foi ouvido. Léo não apresentou um documento sequer. No ano passado, declarou não possuir documentos porque Lula teria aconselhado a se desfazer deles.
Nem se entre em outros detalhes, como a desproporção entre a suposta propina ao suposto chefe maior do esquema e o que era pago ao terceiro escalão da Petrobras.
O ponto central foi esse.
Ponto 6 – a retórica midiática de defesa da condenação
Entendido isso, leia agora o artigo “Questão de ordem: Provas, sim, e claríssimas”, de Marcelo Coelho na fonte. É interessante para comprovar a maneira como a mídia em geral constrói seus sofismas.
O artigo tem 4.058 caracteres, divididos da seguinte maneira.
4058
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100,0%
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toques
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758
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18,7%
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sobre isenção de Moro
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256
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6,3%
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sobre não cerceamento da defesa
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398
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9,8%
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sobre não encontrar o caminho do dinheiro
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619
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15,3%
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sobre o ap não estar em nome de Lula
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654
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16,1%
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para dizer que Lula se interessou pelo ap
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804
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19,8%
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se Lula nomeou os diretores da Petrobras, ele é o responsável pela corrupção
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377
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9,3%
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para reafirmar que "as provas eram claríssimas"
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Marcelo é um dos bons colunistas da Folha. No artigo, extenso, falou de todas as preliminares, mas não consumou o ato: a prova “acima de qualquer dúvida” de que o apartamento era de fato de Lula. Limitou-se a endossar todas as afirmações dos desembargadores, como se fossem verdades comprovadas, de fontes intelectualmente idôneas.
O editorial da Folha, “Condenado”:
2573
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100,0%
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1378
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53,6%
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Para enaltecer o comportamento dos magistrados
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537
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20,9%
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para atacar a irracionalidade de quem é contra
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243
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9,4%
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mostra o interesse de Léo Pinheiro na obra como prova
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162
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6,3%
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para enfatizar que Lula nomeou diretores da Petrobras
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253
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9,8%
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para afirmar que a democracia se fortalece
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Editorial do Estadão, “Acima de qualquer dúvida”
4323
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100,0%
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856
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19,8%
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para descrever o julgamento
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1788
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41,4%
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se foi 3x0, logo Lula é corrupto
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1679
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38,8%
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para enaltecer mais uma vez os desembargadores
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Ponto 7 – sobre a nova retórica
Todo o jogo é esse, uma sucessão de argumentos retóricos em que o objetivo final não é a busca da verdade, mas o convencimento do público.
A propósito, é um dos temas desenvolvidos por Chain Perelman, pensador já falecido, que estudou as implicações da “Nova Lógica”, no pensamento jurídico (https://goo.gl/2auhPn)
“Para os retóricos não existe nada em absoluto. As coisas estão mais ou menos corretas, mais ou menos entendidas, mais ou menos aceitas. O embate retórico contra a certeza e contra a objetividade fez-se projetar como teoria do aproximado, do inconcluso, do relativo. [...] Não se espera convencer através de um argumento específico em qualquer debate gerado pela vida quotidiana ou jurídica, a práxis dos falantes revela que o argumentador não sabe ao certo qual dos seus argumentos –perante o auditório ou o juiz- pesará mais. Então ele busca a quantidade, a diversidade e espera, desta forma, ser mais persuasivo.
Entende PERELMAN que para a solução de problemas cotidianos que tenham envolvimento com valores a melhor forma de se buscar uma solução é através da chamada arte da discussão.
O objeto da retórica, segundo PERELMAN, “é o estudo das técnicas discursivas que visam provocar ou a aumentar a adesão das mentes às teses apresentadas a seu assentimento
Destarte, podemos dizer que a Retórica é a adesão intelectual de um ou mais espíritos apenas com o uso da argumentação; é o preocupar-se mais com a adesão dos interlocutores do que com a verdade; é não transmitir noções neutras, mas procurar modificar não só as convicções daqueles espíritos, como as suas atitudes”.
(Fonte: Jornal GGN - AQUI).
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