quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

O MUNDO E O RECEITUÁRIO EUA

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A Internet não passava de ficção inimaginável, os gibis eram a nossa coqueluche (coqueluche, supimpa!), com destaque para a série "Aí, Mocinho", com búfalos e índios sendo impunemente dizimados. Os filmes de Tarzã, Cavaleiro Mascarado, Roy Rogers & Dale Evans, "filmes de guerra", entre outros, roubavam a cena nos meus inesquecíveis cines Roxy e Éden; a gurizada desconhecia um certo Joseph McCarthy e seu sinistro macartismo, mas encantou-se com o Sputnik e depois com Gagarin a dizer "A Terra é azul" (as conquistas espaciais russas 'vinham' da imprensa americana, traduzida pela tupiniquim). Enfim, era o romantismo à moda da gurizada. O Brasil já era culturalmente americanizado, mas longe do nível hoje observado nessas plagas, em que a grande frustração de muitos é não ter nascido nos EUA. O certo é que, como diria Drummond, os EUA e seu "Destino Manifesto" estão onde sempre estiveram. E é de lá, por sinal, que as 'primaveras' (a exemplo da árabe) continuam a ser lançadas. Mas aí já estamos saindo do romantismo...


O maior poder do Diabo

Por Fernando Horta

“O maior poder do Diabo é convencer o Homem de que ele (Diabo) não existe.”. Atribuem esta frase a Charles Baudelaire, mas se alguém tiver indicação mais sólida da autoria, favor comunicar.

Quem estuda os EUA nas décadas de 40, 50 e 60 fica impressionado com o tamanho do investimento público – feito pelo governo diretamente ou por “fundações” que tinham isenção de impostos – para a criação de todo um arcabouço científico voltado para a “engenharia social”. Sociologia, Antropologia, Psicologia, Marketing, Ciência Política, Economia e etc. eram patrocinadas desde que os projetos fossem de uso imediato na “Guerra contra o Comunismo” que se iniciava. Tal qual o investimento nas armas nucleares, nos mísseis, aviões e comunicações, as “humanas” recebiam vultuosos recursos – que terminaram por construir um campo de ponta em pesquisa e publicação – na medida em que ofereciam ferramentas de controle e modificação das realidades históricas ao governo norte-americano.

Antes que comecem os argumentos conspiracionais, é preciso que se diga que TODAS as teorias foram colocadas em prática primeiro sobre sua própria população. A inserção pelo consumo como forma de diminuição do interesse popular na política é característica dos EUA pós-guerra. O “lawfare” foi insistentemente usado contra as minorias nos EUA (Malcolm X, Luther King, Rosa Parks, Betty Friedan, César Chavez, ...). O controle da mídia como forma de criar pautas que dividiam a opinião pública é a gênese do Macarthismo. O financiamento para “think tanks” conservadores, em suas ações de cooptação da juventude, é marca norte-americana desde os anos 60, assim como a militarização e o patriotismo foram (e ainda são) usados como argumentos para interditar debates sobre políticas públicas e possibilidades de mudanças na sociedade e economia yankee.
O receituário empregado dentro de casa é, portanto, exatamente o mesmo usado “overseas”. Nos EUA, há muito impera o voto facultativo e ninguém que realmente conheça a história e política dos EUA pode deixar de perceber que democracia como um “direito” redunda em altos níveis de abstenção e uma baixíssima participação social na política. A atuação de controle do Estado sobre o cidadão não começou com as leis antiterrorismo depois do 11/09. São marca de criação da CIA e do FBI desde os tempos de Allen Dulles e John Hoover.
Agora, a maior máquina de ilusionismo do mundo ganhou novas ferramentas para trabalhar, mas as teorias e os objetivos continuam os mesmos. Enquanto Trump ameaça com o “botão nuclear” o mundo, “protestos espontâneos” no Irã surgem. Espontâneos, sem lideranças, “apolíticos”, com pautas inicialmente ligadas aos interesses econômicos das populações urbanas (“não é por 20 centavos”), e que são coordenadas pelas redes ...
Lembra algo?
Lá, no Irã, também os partidos nanicos de esquerda estão se lançando como partícipes dos movimentos “populares” e empunhando bandeiras revolucionárias. O Partido Comunista Iraniano já informou que o protesto é das “massas e dos trabalhadores” e que visam uma “mudança no regime” para melhoria da população.
A receita dispensa a internet. Tanto no Brasil em 64, quanto no Chile em 73 o modus operandi é semelhante. Primeiro induz-se uma crise econômica. No Brasil os níveis de investimento internacional caem dramaticamente entre 62 e 64, e mesmo acordos de cooperação já assinados são abruptamente interrompidos para forçar o problema econômico. No Chile houve a indução de crise de desabastecimento com as greves de “caminhoneiros”, além das rupturas de tratados com organismos internacionais. No Brasil, em 2013-2014, o empresariado decidiu parar com o investimento no país, de forma Kaleckiana. No que foi bastante ajudado pela desastrosa política de desoneração sem contrapartida de Dilma e, depois, pela insólita guinada neoliberal de Levy. Na Venezuela, na Argentina, no Equador e etc. é sempre o mesmo receituário. Crise econômica induzida, desabastecimento, financiamento das oposições, crítica internacional ao “regime” (qualquer que seja) e a “felicitação” pela busca do povo pela “democracia”. Depois da queda dos governos, os valores investidos são retornados com lucros. Pedro Parente (já condenado por desvios em gestões suas na Petrobrás) acaba de indenizar em alguns bilhões de dólares os EUA.
Não se tem notícias de pagamento de indenização a países estrangeiros pela quebradeira de 2008. O Lehamn and Brothers, a seguradora AIG, o JP Morgan, o Citigroup, a Goldman Sachs, o Bank of America, Merrill Lynch, a Moody’s ou a Standard & Poor não tiveram que pagar “indenizações” ao mundo todo pelo que fizeram. Mas Parente já faz a Petrobrás pagar uma parte do prejuízo que os EUA tiveram com 2008. E com os aplausos de parte dos eleitores brasileiros, felizes com a luta contra o “comunismo”.
A manipulação internacional do preço do petróleo, com a ajuda do sempre parceiro regime da Arábia Saudita (note-se que não há uma crítica americana sobre a falta de democracia lá ou sobre os direitos humanos), atingiu em cheio Rússia, Irã, Venezuela e Brasil, de forma direta. Permitiu a queda de lucratividade das empresas estatais de energia e a diminuição de entrada de impostos de forma a atingir o nível de vida das populações. A partir daí, não é mais necessário o pagamento de políticos dentro dos países (como foi em 64 ou 73 na América Latina) os “bots” da internet se encarregam de criar os “revoltados” on line. É barato, efetivo e mais fácil. Destrói-se regimes sem fortalecer NENHUMA nova liderança política já que o movimento parece ser “horizontal”, “apolítico” e “popular”. Cria-se um clima de desesperança na política, de terra-arrasada que inflige, além dos danos imediatos dos golpes políticos, ainda de cinco a dez anos de desarrumação interna.
As armas nucleares não podem ser usadas. O custo político e social é proibitivo. Há mais de 70 anos os EUA usaram em uma guerra contra os fascistas japoneses, e mesmo com todas estas razões nunca se livraram das acusações de selvageria. É um estratagema ilusionista ficar discutindo que tem o maior “botão” nuclear em sua mesa, portanto. Mas, enquanto o ilusionista acena com a mão direita ao público, as verdadeiras armas de destruição em massa estão sendo secretamente postas em prática. Usando as mesmas teorias sociais e políticas desenvolvidas nos anos 50 e 60. Lutando pelo “coração e as mentes” das pessoas no mundo. Insuflando medos irreais, criando “corruptos” por todos os lados, gerando fraturas sociais e, com apoio das elites internas, destruindo projetos de desenvolvimento e emancipação nacional.
Agora com a internet e as mídias sociais, tudo ficou mais barato. Não há mais a necessidade de “Cabos Anselmos”. Youtubers, digital influencers, e qualquer bunda, foto ou clipe fazem os problemas reais desaparecerem. Enquanto uns sentem medo do comunismo, outros da guerra nuclear, os grupos “críticos e conscientes” lutam por qualquer argumento que não seja de crítica econômica. O Marxismo é “velho e ultrapassado”, a “mais-valia” uma bandeira do século passado e a “luta de classes” “não mais me representa”.
“Quem não sabe brincar, não desce pro play”, dizem os novos empoderados. E, pensando bem, eles têm toda a razão. O mundo não é uma brincadeira e não estamos em nenhum playground.  -  (Aqui).

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