Para entender a demissão de Paulo Nogueira Batista Jr
Por Luis Nassif
Peça 1 – a criação do Banco dos Brics
O Novo Brasil de Desenvolvimento (NBD), ou Banco dos BRICS, foi uma tentativa ousada de criar um banco de desenvolvimento de abrangência global, o primeiro após o Tratado de Breton Woods, que resultou na criação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Surgiram outras bancos de desenvolvimento, mas sempre de alcance regional, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Banco Asiático de Desenvolvimento, CAF (Cooperação Andina de Fomento).
A ideia inicial era o NBD chegar a 2022 com capital integralizado de US$ 10 bilhões, podendo chegar a US$ 13 bilhões, dependendo da entrada de novos sócios. É um capital apreciável, se comparado com o Banco Asiatico de Desenvolvimento (capital de US$ 7 bi), o BID (US$ 6 bi). O Banco Mundial tem US$ 16 bilhões de capital, mas há enorme resistência dos sócios majoritários, americanos e europeus, de aceitarem novos membros.
O pilar do NBD é a China, tanto o governo central em Beijing como o governo municipal de Xangai. Tem planos para o NBD e para o AIIB (Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura), envia seus melhores quadros para lá e tem respeitado cuidadosamente a governança do NBD.
Peça 2 – a governança
O NBD tem cinco países fundadores: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Há duas instâncias de representação dos países-membros. Uma, o Conselho de Governadores, instância máxima, integrada pelos Ministros das Finanças; e a Diretoria, em geral funcionários de escalão médio dos países-membros. No caso do Brasil, o diretor é o Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda.
A outra instância é a diretoria.
O presidente é o indiano KV Kamatah. E há quatro vice-presidentes representando os demais países-sócios. Desde a fundação, o vice-presidente brasileiro do NBD era Paulo Nogueira Batista Júnior, economista de tendência desenvolvimentista, mas que nunca foi ligado a partidos políticos.
Peça 3 – o impeachment e a mudança de linha
Com a deposição de Dilma Rousseff, entrou uma equipe econômica, intelectualmente liderada por Ilan Goldjan, presidente do Banco Central e egresso do staff do FMI.
Os primeiros movimentos consistiram em tirar da linha de frente diplomatas experientes que representavam o Brasil no NBD.
Os interesses brasileiros no NBA passaram a ser negligenciados desde a saída do embaixador Luis Antônio Balduíno Carneiro, substituído por Marcello Estevam, economista oriundo dos quadros do FMI. Estevam passou os últimos 20 anos nos EUA, 17 dos quais no FMI. É casado com uma funcionária do FED (O Banco Central norte-americano), tem 4 filhos americanos. A família permanece morando nos EUA.
Quando foi chefe da missão do FMI para a Nicarágua, Estevam comunicou ao governo local que recebera instruções do Tesouro norte-americano para obter informações sobre a cooperação entre a Nicarágua e a Venezuela. Criou um incidente diplomático. O presidente Daniel Ortega, o Ministro das Finanças e o Presidente do Banco Central da Nicarágua se queixaram formalmente ao FMI.
Poucos dias antes da cúpula dos BRICS na China, causou desconforto no banco com entrevista ao "Valor" com críticas duras ao banco.
O cerco de ampliou a a partir de meados de 2017, quando o Embaixador Carlos Márcio Cozendey foi substituído do cargo de diretor pelo diretor de assuntos internacionais do Banco Central, Tiago Couto Berriel, jovem economista com pouca experiência na área internacional.
Peça 4 – o ataque a Paulo Nogueira
Faltava o lance final, de substituir o vice-presidente brasileiro. Principalmente porque, pelo Acordo de Fortaleza, a partir de 2022 a presidência será do Brasil, e o país receberá o segundo escritório do NBD fora da China.
Havia um problema.
Os vice-presidente têm mandato e contrato. No caso de Paulo Nogueira, o mandato tem 6 anos e só terminaria em junho de 2021. Qualquer membro da administração do NBD só poder ser demitido se comprovado que infringiram seus contratos.
Duas acusações foram lançadas contra Nogueira Batista.
A primeira, acusação de assédio moral e retaliação contra Sergio Suchodolswki, funcionário cuja demissão havia sido solicitada pelo próprio Paulo Nogueira.
A segunda, a acusação de quebrar o código de conduta, ao publicar artigos supostamente de cunho partidário no Brasil, em sua coluna quinzenal no jornal O Globo.
Posteriormente, foi acusado de obstrução das investigações no caso do assédio moral.
O NBA tem um Departamento de Compliance. Coube a ele analisar as acusações. As investigações ficaram a cargo da firma Baker & McKenzie.
Conforme abordado várias vezes no GGN, através das análises de André Araújo, trata-se de um escritório estreitamente ligado ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, utilizado em ações que envolvem empresas estrangeiras de valor estratégico, segundo a visão norte-americana. Couberam ao escritório trabalhos de compliance na Petrobras, participação no acordo de leniência da Embraer e da JBS com o Departamento de Justiça.
As conclusões foram contra Paulo Nogueira. A peça condenatória foram dois artigos em O Globo, um dos quais condenando o impeachment e outro criticando a sentença do juiz Sérgio Moro contra Lula.
Quando Paulo Nogueira entrou, o NBD não possuía nenhum modelo de contratação e nenhum código de conduta.
Houve uma discussão minuciosa sobre o papel da administração do banco nos temas públicos, resultando na Seção 3 do Contrato de Emprego. No item "engajamento político", o contrato diz que
"Enquanto você pode ser membro de um partido político e contribuir com fundos para o partido ou para candidato individuais, você não poderá, a titulo pessoal, participar de reuniões de partidos políticos, assumir qualquer papel de liderança dentro de um partido político ou se envolver em atividades político-partidárias".
De nada valeram os argumentos de que não se tratava de atividade partidária, que Paulo Nogueira há 15 anos era colunistas de O Globo e que a maioria dos seus artigos não tem sequer cunho político.
A sentença foi dada.
Se fosse um jogo normal, sem combinação de bastidores, caberia ao governo brasileiro e ao Itamarati protestar contra a medida arbitrária. Mas, ao que tudo indica, foi um jogo de cartas marcadas.
Ficou a dúvida sobre a razão de China, Rússia e Índia terem referendado a demissão.
(Fonte: Jornal GGN - aqui).
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Dois entre os muitos comentários suscitados:
Fernando J: "'Ficou a dúvida sobre a razão de China, Rússia e Índia terem referendado a demissão.'
Uma pista: China, Rússia e Índia não têm mais o menor interesse pelo Brasil, se tornou má companhia, depõe contra a seriedade do bloco um país membro que mais se parece com um lupanar administrado por escroques. O Brasil brevemente será convidado a sair de fininho da sociedade."
(Permitimo-nos discordar. Os bam bam bans do BRICS têm, sim, interesse em ter o Brasil como companhia. A guerra geopolítica em curso no cone sul envolve China, Rússia e, mais do que obviamente, EUA, e as riquezas de nosso país nunca estiveram tão 'acessíveis'. Os três citados travam luta encarniçada pelo butim, e essa luta envolve contrapartidas, agrados...).
Felipe Peixoto: "Não existe lealdade / fidelidade no jogo internacional.
Se o Brasil não consegue ser um dos grandes, será engolido por eles.
Sobra mais espaço para Índia, Rússia e China (a África do Sul entrou pra compor e por pressão do Brasil, não tem força).
Inclusive, se o Brasil está se desintegrando o problema é nosso !
Não esperem nenhum auxílio desses países, pois todos eles também estão de olho em nossos recursos naturais.
O jogo internacional já está virando de forma positiva para a eurásia. Fiquemos de olho....".
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Por falar em recursos naturais, uma digressão: Venezuela. Há tempos a principal emissora brasileira e o resto da mídia alardeiam o caos chavista, mas ontem, 16, tiveram de noticiar a vitória da situação nas eleições de governadores (17 a 6). Esquisito.
Corte: Kirkuk é uma província fortemente disputada por Iraque e Curdistão. Ontem, o Iraque teria retomado a área. Programa na Globonews:
A comentarista: "O Iraque reconquistou Kirkuk, contando com o apoio dos EUA, mas o Curdistão também tem apoiadores... Kirkuk tem áreas riquíssimas em petróleo!"
O âncora: "Petróleo, isso explica tudo!"
Voltando para os canais abertos brasileiros. Quantas vezes o leitor ouviu algum repórter, ao relatar matéria sobre a crise venezuelana, dar conta de que a Venezuela é a campeã mundial em reservas provadas de petróleo? São 298,4 bilhões de barris (aqui). Uma riqueza monumental, altamente cobiçável. A quem interessa esse petróleo todo?
O 'incentivo' ao boicote empresarial (prateleiras vazias nos supermercados...), em tais circunstâncias, se revela artifício 'factível', em especial se o governo central não é simpático.
Isso poderia explicar muita coisa, senão tudo.
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