Abordagens como a a seguir podem ajudar na análise sobre o porquê de investidores e agentes públicos tanto se empenharem, nos últimos tempos, em instituir medidas 'modernizadoras' da legislação concernente aos fatores de produção (capital; trabalho; recursos naturais). Extinção da TJLP, reforma trabalhista/afrouxamento das normas de proteção do trabalho - proteção, aqui, em sentido amplo -, reservas florestais, controle fitossanitário, cominações em geral (multas...), tudo seria, em princípio, suscetível de 'modernização'. Para bons e maus entendedores...
Pregos, ração e a elite do atraso
Por Felipe A P L Costa
Os governos das maiores potências econômicas e políticas do planeta, em especial os países que integram o chamado G-7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) veem o resto do mundo principalmente como fonte de alimentos e matérias-primas baratas. Como são eles que ditam e controlam as regras da economia internacional, não é de estranhar que os preços dos produtos exportados pelos países tropicais estejam sempre em níveis tão baixos. Países dominantes costumam utilizar métodos ardilosos, como estimular a competição comercial entre países dominados, comprando depois de quem oferece produtos a um preço mais baixo, sem se importar muito com os meios empregados para isso (exploração de mão de obra infantil ou de trabalhadores escravizados ou semiescravizados, destruição de habitats naturais etc.).
No atual regime econômico, os exportadores brasileiros precisam estar sempre ‘correndo’ (i.e., precisam estar sempre produzindo ‘safras recordes’), se não quiserem ver o nível de remuneração declinar. Assim, enquanto os agricultores dos países ricos estão parcialmente protegidos, graças, por exemplo, aos subsídios que recebem dos seus respectivos governos, os brasileiros têm diante de si duas alternativas (antes de decidirem abandonar a agricultura): (i) obter ganhos de produtividade, produzindo mais por unidade de área cultivada; ou, simplesmente, (ii) ampliar os limites da área cultivada.
Infelizmente, porém, obter ganhos de produtividade sempre foi um processo lento e difícil, sobretudo em função dos níveis historicamente baixos de investimento em educação e pesquisa. Assim, até alguns anos atrás, aumentar a produção agrícola era quase sinônimo de ampliar os limites da área cultivada – ‘expandir a fronteira agrícola’, no jargão oficial. Nessas circunstâncias, desflorestar ou queimar a vegetação nativa se tornaram práticas agrícolas corriqueiras e bastante difundidas. (Deriva daí, ao que parece, o uso corrente dos termos mato e mata, os quais, de modo pejorativo, fazem alusão tanto à indesejável vegetação miúda que cresce no meio das lavouras como aos fragmentos florestais que, aqui ou ali, ainda permanecem de pé. Mato ou mata seriam assim apenas obstáculos que atrapalham e que, portanto, precisam ser extirpados.)
E continuamos pondo florestas abaixo, muitas vezes, a troco de vento e poeira. Em Minas Gerais, por exemplo, a cobrança de impostos sobre terras classificadas como ‘improdutivas’ (recobertas com vegetação nativa) fez com que durante muitos anos os agricultores simulassem atividades produtivas simplesmente queimando trechos florestados de suas propriedades, mesmo quando não precisavam fazê-lo. (Só a devastação florestal promovida ao longo dos anos pela Belgo-Mineira, uma grande produtora de pregos, por exemplo, já mereceria um capítulo inteiro em um livro dedicado à história dos maiores crimes ambientais praticados no país.)
Semeando a pobreza, promovendo o atraso
Parcela substantiva de tudo o que o país exporta continua sendo ocupada por produtos agrícolas in natura (e.g., café e soja) [Nota deste blog: "e.g." = abreviatura de 'exempli gratia' = 'por exemplo']. Nada muito surpreendente. Afinal, tem sido assim desde quando os europeus entraram em cena, em 1500. De lá para cá, no entanto, certas coisas mudaram. Por exemplo, a agricultura moderna emprega cada vez menos mão de obra (pequenos e médios agricultores, falidos ou descapitalizados, perdem suas terras e migram com as famílias para centros urbanos), embora dependa cada vez mais dos chamados insumos agrícolas (sementes, fertilizantes, agrotóxicos etc.).
Muitos brasileiros já se deram conta de que a fronteira agrícola do país não pode se expandir indefinidamente – com exceção dos habituais lunáticos e especuladores, poucos de fato acreditam que a floresta amazônica possa e deva ser substituída por campos de arroz ou pastagens. Além disso, muitos cidadãos também estão descobrindo a natureza perversa da agricultura que é praticada hoje em larga escala: plantar em uma área cada vez maior (desmantelando redes locais de pequenos proprietários e, ao mesmo tempo, pressionando sobre trechos ainda cobertos com remanescentes de vegetação nativa), mas empregando para isso um número cada vez menor de trabalhadores.
E tudo isso para quê? Para exportar um volume cada vez maior de produtos agrícolas, mas continuar recebendo uma mixaria por unidade de área cultivada. Por quê? Ora, porque é necessário exportar grãos a preços competitivos, de modo que o mercado externo (e.g., Europa, EUA e China) continue comprando soja brasileira barata para dar aos seus porcos. No fim das contas, porém, converter florestas em pregos ou ração animal não parece ser a coisa mais inteligente do mundo. Resta saber se as elites locais vão ter força e disposição para ir contra esse estado de coisas ou se vão continuar fazendo o que sempre fizeram: semear a pobreza e promover o atraso.
[Nota: extraído e adaptado do livro Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas (2ª ed., 2014); sobre o livro mais recente do autor, O evolucionista voador & outros inventores da biologia moderna (2017), ver aqui ou aqui.]
(Fonte: aqui).
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