O dia das crianças de Hitler e Stalin
Por Sebastião Nunes
Quem passasse pelo parque veria apenas duas crianças bonitas, brincando com seus brinquedos vivos, numa manhã macia e esplendorosa.
– Adivinha o que tenho aqui! – disse Hitler sorrindo e estendendo a mão fechada na direção de Stalin.
– Uma mosca morta – respondeu Stalin.
– Errou – disse Hitler. – Uma mosca viva.
– Abre a mão que eu quero ver – duvidou Stalin.
Hitler sacudiu a mão e, com violento arremesso, lançou a mosca sobre a calçada de cimento, onde ela caiu estonteada.
A MOSCA E A TEIA
De um pulo, Stalin pegou a mosca e arrancou-lhe as asas, mantendo na mão aberta aquele inseto mutilado e trêmulo.
– Olha a aranha ali! – exclamou Hitler, mostrando uma grande teia nos ramos de uma árvore, com uma aranha magra no centro.
– Ótimo – disse Stalin. – E bem devagar, para não assustar a aranha, subiu num tamborete e colocou a mosca sem asas na teia.
Pacientemente – eles sabiam que era preciso paciência –, os dois garotos ficaram de olhos arregalados olhando para a teia. Esperavam, mas sabiam o que ia acontecer.
Lentamente, a aranha que parecia adormecida começou a se mover. Movia-se com tanta lentidão que parecia imóvel, mas os garotos sabiam que se movia.
Quanto tempo durou a aproximação? 30 minutos, talvez. 30 minutos durante os quais a mosca se debateu, agitando as perninhas e cada vez mais se enredando nos fios que a mantinham presa, cada vez mais presa.
Os garotos esperavam.
A TECELÃ TECENDO
Na grande teia havia muitos insetos irreconhecíveis, transformados em pequenas trouxas de fios enrolados como novelos. Reserva alimentar. A despensa da aranha. Seu estoque de proteína para quando precisasse.
Mesmo assim, mesmo já tenho garantido uma boa reserva alimentar em seu armazém suspenso, a aranha queria mais. E se aproximou, até ficar ao lado da mosca, que continuava se debatendo.
– Agora ela vai enrolar a mosca – disse Hitler.
– Fica quieto e olha – disse Stalin.
Então a aranha começou a trabalhar. Refazendo ações repetidas desde que as aranhas eram aranhas, desde que o mundo era mundo, desde que existiam aranhas e moscas, a aranha começou a tecer.
Aos poucos, muito lentamente, mas com absoluta segurança, a aranha trabalhou no seu ofício de aranha: o de mumificar e armazenar.
A mosca continuava a se debater, agitando as perninhas ainda ágeis.
SUSTOS E ATROPELOS
Sempre foi assim. Toda vez que uma mosca caía na teia da aranha, teia que estava estendida ali para isso mesmo, a aranha se aproximava lentamente.
A aranha, sem maldade e sem pressa, fez seu trabalho de sobrevivência durante toda a sua vida adulta, sem se aborrecer.
Aconteciam acasos, é claro. Às vezes uma senhora irritada com a intrusa erguia uma vassoura – e zás! Era uma vez uma teia com seu estoque de proteína. Incólume ou com algumas patas estropiadas, a aranha fugia o mais depressa possível.
E recomeçava num outro vértice de parede ou ramos a montar sua teia.
Ou de repente, sem que a aranha sequer percebesse, um pássaro veloz a pegava no bico e a engolia inteira, antes que ela pudesse soltar um ai.
E lá ficava a teia órfã, com seu estoque de proteína secando na sombra.
TERMINA A BATALHA
Mas nesse dia das crianças aconteceu o de sempre. Sob os olhares atentos dos pequenos Hitler e Stalin, a aranha teceu e teceu, lenta mais cuidadosamente, prendendo, aos poucos, as perninhas moventes da mosca sem asas.
Até que a mosca parou de se mover. Todo o seu corpo estava preso na rede macia, resistente e elástica formada pelos fios da teia.
Quando isso aconteceu, quando a mosca estava completamente paralisada, transformada em mais um fardo prensado de proteína moribunda, a aranha parou e se deu conta de que terminara. Quando precisasse de comida, lá estaria a mosca.
Os pequenos Stalin e Hitler continuaram olhando.
Percebendo que o trabalho da aranha estava terminado, saíram devagarinho em busca de uma vassoura. E sem que ela desconfiasse de que a morte chegava, os dois garotos passaram a bater com força na teia até destruí-la.
Até transformá-la numa confusão amorfa de fios de teia e pedaços misturados de mosca e aranha despedaçados.
Acabada a brincadeira, os pequenos Hitler e Stalin se olharam e riram.
Eram apenas duas crianças felizes brincando. - (Fonte: aqui).
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