"O depoimento de Antonio Palocci ao juiz Sergio Moro, tão festejado pela Globo, tem o mesmo valor jurídico da delação recentemente desmoralizada de Delcídio do Amaral: rigorosamente nenhum. Serve, como serviu o ex-senador, para dar verossimilhança à ficção contra Lula que a TV dirige e a Lava Jato encena. São atores que valem mais pelo currículo passado que pelas falas de hoje. Ícones de uma farsa.
Palocci está preso ilegalmente há quase um ano, condenado a 12 anos de prisão. Está sob controle de Sergio Moro e seus carcereiros. Assim como outros réus, desistiu de se defender e passou a acusar Lula, orientado pelos advogados de porta de cadeia que Moro arregimenta a peso de ouro em Curitiba. Com garantia de benefícios, orientam o cliente a mentir para preencher as lacunas das denúncias porcas do MPF.
Foi o caso de Leo Pinheiro, da OAS, que mudou seu depoimento original às vésperas do interrogatório de Lula, em maio, no caso do Guarujá. A história se repete uma semana antes de Lula ser ouvido em outra ação sem fundamento, sobre um imóvel que ele nunca recebeu. Assim como Pinheiro, Palocci (que também depôs sem jurar a verdade) deu um depoimento cênico, para a plateia, não para a Justiça.
As mentiras, contradições e armações de Palocci não sobrevivem aos fatos:
1) A Odebrecht não colocou R$ 300 milhões à disposição de Lula após seu mandato presidencial. Nenhum dos 77 delatores do grupo disse isso. O valor foi citado por Marcelo Odebrecht, referindo-se a R$ 200 milhões doados para as campanhas municipais de 2008 e R$ 100 milhões para a presidencial de 2010. Até a Globo (certamente por descuido) evidenciou isso no Jornal Nacional.
2) Lula não autorizou nem foi informado sobre a suposta movimentação daquela ou de qualquer outra soma. O pai de Marcelo, Emílio Odebrecht, em delação premiada, confirmou a declaração do filho sobre doações eleitorais, mas destacou que nunca conversou sobre valores com o ex-presidente.
3) Lula não pediu nem recebeu “pacote de propinas” da Odebrecht no final de seu governo, que incluiria um prédio para o Instituto Lula. Marcelo Odebrecht afirmou que o imóvel foi comprado pela empresa DAG, mas nem ele nem o pai nem qualquer dos outros 75 delatores da empresa disse que o imóvel seria doado ao Instituto. Marcelo e Demerval Gusmão, dono da DAG, afirmaram que, se o terreno viesse a ser usado pelo Instituto Lula, seria alugado ou comprado por um grupo de empresas.
4) A denúncia do MPF contra Lula sobre este imóvel não procede nem deveria estar sob a jurisdição de Sérgio Moro. Marcelo Odebrecht afirmou em sua delação que aquisição do imóvel não teve qualquer relação com os contratos da Odebrecht com a Petrobrás, que é o foco das investigações da Lava Jato.
5) Não foi Palocci quem convenceu Lula e os diretores do Instituto a recusar o terreno, numa suposta reunião em fins de 2011. O imóvel foi descartado pelo próprio Lula, por ser inadequado, após uma visita de avaliação em julho daquele ano. Em fins de 2011, Lula estava sob intensa quimioterapia para tratamento de câncer, afastado de qualquer atividade.
6) A Odebrecht não pagou propina de R$ 4 milhões ao Instituto Lula. As doações de diversas empresas e pessoas físicas ao Instituto, inclusive a Odebrecht, foram registradas, contabilizadas e informadas à Receita Federal, dentro da lei. Ninguém, exceto Antonio Palocci, jamais se referiu a essas doações como suposta e inexistente “propina”, expressão que passou a ser utilizada por delatores premiados e procuradores levianos para criminalizar qualquer movimentação financeira envolvendo seu alvos políticos.
7) As palestras de Lula, mais de 70 para mais de 40 empresas e entidades empresariais do Brasil e do exterior, entre 2011 e 2015, foram registradas, contabilizadas e informadas ao Imposto de Renda. Nenhum delator ou testemunha referiu-se a elas como suposta e inexistente “propina”.
8) Quem fez um pacto de sangue com a Lava Jato foi Antônio Palocci. A expressão que ele usou para causar impacto e fazer manchetes estava escrita em um papel que o ex-ministro consultava ao longo do depoimento, diante das pessoas presentes à audiência.
Antônio Palocci candidata-se a ser mais um entre 158 que fizeram acordos de delação com a Força Tarefa, quase todos presos ilegalmente ou seus familiares. Ao contrário de comprovar eficiência, como alardeiam o juiz, os procuradores e a Globo, esse número escandaloso expõe a fragilidade das acusações e a incompetência dos investigadores, que recorrem à chantagem (por que não dizer tortura?) para arrancar delações onde escasseiam as provas, contra Lula e contra o PT.
Há quem faça seu “pacto de sangue” com sofreguidão, poupando anos de mais que merecida cadeia e salvando milhões no estrangeiro. Há espertalhões, como Sérgio Machado, e canastrões, como Delcídio do Amaral. Antônio Palocci mostrou-se frio como sempre e cínico como nunca se esperava.
Ainda vamos saber quanto vale a delação de Palocci; quanto tempo será abatido de seus 12 anos de pena para perambular com a própria consciência como um personagem de Dostoievski. O preço já está sendo cobrado, pelos muitos que o estão julgando, alguns até com benevolência, pela dignidade que jamais vai recuperar.
Mas não podemos perder o foco da indignação: o mal da Lava Jato não está nos delatores, sejam eles cínicos, oportunistas ou desesperados. O mal está em uma exceção aberta no sistema judicial brasileiro, com o patrocínio da Globo e a conivência dos tribunais superiores, que suspende o estado de direito para perpetrar a caçada contra Lula e o campo político que ele representa. O preço é a revogação da soberania nacional e de tudo o que o povo brasileiro conquistou desde 2003."
(De Ricardo Amaral, post intitulado "Quanto vale a delação de Palocci? Nada", publicado no Jornal GGN - aqui.
Até o momento, o senhor Palocci limitou-se a depor, e ao se prestar depoimento não se está assumindo compromisso com a verdade - como acontece, 'em tese', com a delação premiada. Ademais, a lei prevê que delação, em si, não subsiste, ou seja, não tem consistência; para que se alcance consistência é imprescindível que cada acusação seja corroborada por prova cabal. 'Ouvi dizer', 'ele me revelou', 'era notório que...', nada disso confere eficácia jurídica à 'acusação' apontada. Mas a preocupação com a consistência do depoimento/delação nem sempre constitui o foco; há situações em que o que realmente interessa é o estrago político que as informações oferecidas pelo depoente/delator são capazes de produzir. E se o propósito que presidiu o depoimento do senhor Palocci era esse...
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A visão de de Frei Betto, em entrevista ao jornal El País - aqui:
EL PAÍS – Do que o senhor conhece de Palocci e do que o senhor conhece de Lula, como diferenciar a credibilidade que cada um passa no momento atual nesses depoimentos e versões? Quem parece mais preciso e verdadeiro em suas versões?
Frei Betto: Considero precipitado qualquer julgamento e fico à espera das investigações da Justiça. O que Palocci declarou, motivado pela ânsia de minorar sua reclusão carcerária, é muito grave e compromete a credibilidade de Lula. Contudo, há que ter cautela. O ex-senador petista Delcídio Amaral também fez graves acusações a Lula e, depois, a Justiça apurou que ele mentiu, o que resultou na recente absolvição de Lula quanto aos supostos crimes imputados a ele.
De qualquer modo, Palocci maculou profundamente a imagem do fundador do PT e o partido deveria, no mínimo, promover o quanto antes a sua expulsão sumária.
De qualquer modo, Palocci maculou profundamente a imagem do fundador do PT e o partido deveria, no mínimo, promover o quanto antes a sua expulsão sumária.
EP – Como avalia a confissão do ex-ministro Antonio Palocci, que assumiu crimes que entende que cometeu e também contextualizou crimes que entendeu que Lula cometeu ao tratar de uma nova sede para o instituto e de um apartamento contíguo ao seu apartamento, financiados pela Odebrecht?
FB: O fato de uma empresa comprar um terreno e doá-lo a Lula ou ao PT não implica um crime, bem como financiar um apartamento. A gravidade é se o dinheiro dessas transações foi obtido mediante propinas de serviços prestados ao governo federal. Cabe à Justiça apurar se Palocci fala a verdade quando diz que sim, que o dinheiro resultou de licitações ilegais e favorecimentos escusos.
EP – Mesmo sem delação premiada, pode ser considerado que Palocci dedurou Lula, de olho em obter uma punição menor na condução (redução de até 2/3 da pena) ou de olho em conseguir enfim uma delação. Esse depoimento, então, traz credibilidade?
FB: Palocci se encontra em situação de profundo sofrimento como encarcerado. Estive preso quatro anos e sei que não é fácil para um pessoa que, como ele, gozava do respeito e da amizade de banqueiros, desfrutava uma vida de luxo e mordomias, suportar a reclusão carcerária. Portanto, ele está disposto a tudo para ver a sua pena reduzida e obter prisão domiciliar. Isso compromete a credibilidade do que declara. Vi muitos companheiros de prisão que, sob tortura física ou psicológica, declararem o que os nossos algozes queriam ouvir. Portanto, repito, é preciso aguardar as investigações da Justiça e as provas que Palocci deverá apresentar para fundamentar o que disse.
EP – Com o partido acusado no STF na terça-feira, como PMDB e PP, de se mobilizar para obter financiamento ilícito (para fins pessoais ou partidários) e se manter no poder, como fica agora a história recente do partido?
FB: O PT nega qualquer ato ilícito. O ônus da prova cabe a quem acusa. Porém, é no mínimo estranho que o PT tenha abandonado a bandeira da ética na política e não punido, até agora, seus militantes comprovadamente envolvidos em falcatruas. O PT deveria fazer autocrítica. Sua atual presidente declarou que o partido não fará autocrítica “para não dar munição à direita”. Ora, quem não deve não teme. E não adianta tapar o sol com a peneira. É preciso calçar as sandálias da humildade e ousar separar o joio do trigo, caso contrário fica comprovada a cumplicidade do partido com militantes que comprovadamente se envolveram em corrupção, como Palocci, que se autodenuncia).
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