Embaixador americano na Síria: al-Assad ganhou a guerra. Sua saída agora é impossível
Do jornal Los Angeles Times
No inverno gelado do sul da Síria, em 2011, uma pichação de um escolar dizendo “É a sua vez, doutor” ― uma gozação que conclamava a saída do presidente Bashar al-Assad ― ajudou a provocar uma guerra civil feroz, que deixou centenas de milhares de mortos e milhões de pessoas deslocadas.
Seis anos e meio depois, é cada vez mais crescente o consenso diplomático de que al-Assad, o oftalmologista de 51 anos, que há 17 herdou a liderança do país de seu pai, com quase toda certeza venceu todos os esforços militares para desalojá-lo. Agora, seus opositores internacionais têm que se ver diante da evidência da sua sobrevivência política, até que se decidam por algum novo rumo a tomar.
O conflito brutal, de muitos antagonistas, pode até não estar perto de terminar por inteiro, mas a consolidação do controle de al-Assad sobre regiões chave do país e a continuidade do apoio crucial de seus aliados, Rússia e Irã, tornaram praticamente impossível, para os terroristas apoiados pelos Estados Unidos, expulsá-lo do poder. É o que dizem os observadores de longa data desse conflito.
“Em termos militares, Bashar al-Assad ganhou a guerra”, afirmou Robert S. Ford, último embaixador dos Estados Unidos em Damasco, que testemunhou os primeiros dias das agressões terroristas contra aquele país. “E não consigo ver nenhuma perspectiva de alguma oposição a seu governo ser capaz de obrigá-lo a fazer maiores concessões em uma negociação de paz” ― completou.
O governo ainda não conseguiu garantir integralmente a proteção de áreas ao redor da capital. Os combates continuam em vários bolsões no leste do país, como também na província de Idlib, no noroeste. No entanto, até mesmo os mais firmes adversários internacionais de al-Assad veem a continuação de seu governo como um fato consumado, chegando a instar os combatentes por eles apoiados a reconhecer o mesmo.
“As nações que mais nos apoiaram estão mudando sua posição”, disse por telefone Osama Abu Zaid, um porta-voz das forças sediciosas. “Estamos sendo pressionados por todos os lados para assumir uma visão mais realista, e reconhecer a permanência de al-Assad”.
A chave para a sobrevivência do líder sírio foi a aliança militar com Moscou e Teerã. Ambos colocaram sob mira firme o objetivo de sua manutenção no poder.
Em 2015, a Rússia enviou aviões de guerra e as unidades de elite Spetsnaz, para impedir o avanço dos terroristas, uma coalizão de fundamentalistas islâmicos, no momento em que estavam a ponto de cruzar os limites dos derradeiros bastiões do país. O Irã despejou material e mão-de-obra, incluindo contingentes de um país tão afastado quanto o Afeganistão, para reforçar as tropas exauridas de al-Assad.
No campo diplomático, a Rússia tem exercido sistematicamente seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU para proteger Damasco dos abusos diplomáticos dos Estados Unidos, além de se empenhar para estabelecer zonas de distensão, que deram ao exército sírio o espaço e as condições que precisava para respirar e montar novas ofensivas na província oriental de Deir al-Zur.
Enquanto isso, os terroristas se veem diante de apoiadores internacionais já sem vontade política para remover al-Assad, com cada governo perseguindo apenas suas próprias prioridades estratégicas diante da situação na Síria.
A Turquia, que servia de corredor principal para os terroristas ― com suas cidades de fronteira tendo praticamente se tornado bases de retaguarda para eles no início das agressões ― está agora ocupada em deter o avanço das Unidades de Proteção do Povo, ou YPG, a facção curda síria que foi uma das forças de combate mais efetivas contra o Estado Islâmico. A Turquia as vê como uma espécie de representantes por procuração dos seus separatistas curdos domésticos, que por décadas lutaram contra o governo de Ancara.
Isso pôs a Turquia em rota de colisão com os EUA, que promoveram o YPG à condição de núcleo da resistência ao Estado Islâmico, na esperança de que isso pudesse servir de obstáculo à presença iraniana no país.
As monarquias do Golfo, antes patrocinadoras em comum dos terroristas, estão agora uns apontando para a garganta dos outros: Arábia Saudita e Emirados Árabes se atracando com o Catar, mesmo diante do atoleiro em que se meteram no Iêmen, onde uma campanha aérea saudita de 29 meses produziu mais de 10.000 mortes e provocou uma crise humanitária monumental, que inclui uma das piores epidemias de cólera do mundo.
Enquanto isso, o governo de al-Assad dá sinais de confiança em pequena e grande escala. No início deste mês, a Feira Internacional de Damasco ― que já foi uma demonstração das proezas econômicas e tecnológicas do país, atraindo investidores de todo o mundo árabe e mais além ― voltou a ser realizada pela primeira vez desde que se viu interrompida no início da guerra.
“A feira é o pórtico para a declaração de vitória da Síria”, disse seu diretor, Fares Kartali, por telefone, de Damasco.
Enquanto isso, os que esperavam expulsar al-Assad defrontam-se com a desolação do jogo da realpolitik daqueles que os terroristas contavam como seus patronos. Abu Zaid, porta-voz dos sediciosos, disse que a França e outras potências europeias estão mais interessadas em estancar o fluxo de refugiados sírios, e estabilizar o país o suficiente para enviar de volta muitos dos que já estão na Europa.
Ele e outras figuras da insurgência criticaram severamente as administrações de Obama e Trump, dizendo que os EUA haviam abdicado da batalha maior contra a Rússia, enquanto se concentravam na luta contra o Estado Islâmico e a al-Qaeda. Mesmo que em abril o presidente Trump tenha ordenado um bombardeio, depois de encenar um ataque de armas químicas falsamente imputado ao governo sírio, ele não chegou a mandar um recado claro sobre a remoção de al-Assad.
Fora o desejo de combater os grupos jihadistas, “é como se os Estados Unidos não estivessem nem aí”, disse Abu Zaid.
Os assim chamados “rebeldes moderados”, ao não serem mais que forças auxiliares do Estado Islâmico e da Frente al-Nusra (al-Qaeda na Síria), não apenas se tornaram um opróbrio para o Ocidente como também ou foram excluídos ou se recusaram a participar das tortuosas negociações promovidas pela ONU entre o governo sírio e grupos insurgentes, em Genebra e na capital do Cazaquistão, Astana. Na prática, isso significa que mesmo esses grupos insurgentes já não têm mais capacidades efetivas no campo de batalha.
Damasco, por seu turno, alinhou conquistas no campo de batalha que cimentaram o controle de al-Assad sobre aquilo que os agentes políticos gostam de chamar de “Síria útil”: Damasco, Alepo, Homs e as cidades costeiras do Mediterrâneo de Tartous e Latakia, todas firmemente nas mãos de al-Assad. A marcha das suas forças para o leste pôs de volta sob o controle do governo as reservas energéticas desesperadamente necessárias.
Todos esses fatores produziram a uma espécie de campanha em larga escala para “reciclar o regime”, disse Yahya Aridi, porta-voz de grupos insurgentes e membro do Alto Comitê de Negociações, seu principal órgão representativo.
No longo prazo, aqueles países que apostaram na derrota de al-Assad seguramente se verão excluídos de um lucrativo esforço de reconstrução ― parte de um giro geopolítico maior já projetado pelo governo sírio. Em um discurso no início deste mês, al-Assad pontuou sua política de “voltar os olhos para o Oriente”. O Irã, a Rússia e a China ficam assim bastante bem posicionados para colher a bonança de uma reconstrução que o Banco Mundial já projetou ao custo de 226 bilhões de dólares.
Assim, “nesse momento, não há nenhuma opção realista para defender uma saída de al-Assad que não seja uma escalada dramática do conflito ou um golpe de sorte”, disse Andrew Parasiliti, do Centro de Risco Global e Segurança da Rand Corp [um think tank patrocinado pelo complexo industrial-militar norte-americano]. “Os sírios querem apenas tocar suas vidas adiante”.
A fantasia de derrubar al-Assad acabou. - (Aqui).
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“Os sírios querem apenas tocar suas vidas adiante”.
Os que sobreviveram aos massacres, claro. Já quanto aos refugiados...
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“Os sírios querem apenas tocar suas vidas adiante”.
Os que sobreviveram aos massacres, claro. Já quanto aos refugiados...
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