domingo, 3 de setembro de 2017

BRASIL: DIREITOS HUMANOS, IMPERFEIÇÕES DA LEGISLAÇÃO (E LULA PELO NORDESTE)


"A criação de uma legislação internacional sobre direitos humanos, se sobrepondo às legislações nacionais, não abre espaço também para ingerência externa sobre países soberanos?
As leis internacionais de direitos humanos têm sido adotadas por um número crescente de tribunais em regiões diferentes. 
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos julga casos apresentados por 47 países, incluindo países orgulhosos e confiantes como Grã Bretanha e Portugal. Essa jurisdição é bem acolhida por pessoas inteligentes e por advogados, porque ajuda a manter sua legislação atualizada, com formas de pensamento conjunto em direitos humanos. Em segundo lugar, porque identifica aspectos da lei que deveriam ter sido reformados há anos, porque os Parlamentos nacionais nunca estiveram dispostos a realizar a reforma.
Existe também o Comitê das Nações Unidas de Direitos Humanos, com 18 juízes especializados e 70 países que aceitam que seus cidadãos apresentem reclamações junto a este tribunal, inclusive países confiantes em sua soberania.
Por aqui, existe a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que tem um julgamento muito famoso, contra o Brasil, em que condenou um juiz investigativo por liberar transcrições de grampos telefônicos à mídia. Exatamente aquilo que o juiz Sergio Moro também fez no ano passado, no caso Lula.
Como advogado criminal, o juiz Moro deveria conhecer esse precedente. Como juiz, ou ignora o fato ou tem uma aversão aos direitos humanos conforme estabelecido pela Corte Interamericana.
Meu ponto de vista é que Nações orgulhosas de si, boas Nações, nada têm a temer das cortes internacionais, muito pelo contrário: deveriam acolher suas orientações e recomendações.
O Brasil, inclusive através do STF (Supremo Tribunal Federal), tem desobedecido várias resoluções da CIDH. Quais as consequências?
Os países que se recusam a obedecer, a seguir as regras relativas aos direitos humanos têm uma mancha negra contra a sua reputação em muitos campos.
Certamente em círculos jurídicos internacionais há professores e juízes brasileiros que não serão considerados seriamente.
Também nos círculos diplomáticos, os brasileiros vão perder aquilo que se chama internacionalmente de 'soft power'.
No comércio internacional, o Brasil poderá ser desfavorecido, porque se não respeita os padrões de direito internacional, será visto como um país primitivo e possivelmente instável. Então pode ter várias repercussões.

Há quem suspeite que a cooperação internacional esteja sendo utilizada para propósitos geopolíticos dos EUA.
A internacionalização começou, de fato, depois do 11 de setembro [de 2001] com o estabelecimento da legislação e da investigação do financiamento do terrorismo.
Obviamente é muito importante investigar a corrupção política em todos os países. Um sinal dela são os políticos movimentando grandes somas financeiras no exterior, as quais não são declaradas às autoridades fiscais. Portanto, é necessária a cooperação internacional para seguir o caminho desses fluxos de dinheiro.
Mas, considerando o comportamento imperialista dos EUA na América do Sul nos últimos anos, obviamente é essencial que as decisões de se investigar e processar sejam tomadas por autoridades nacionais que tenham a responsabilidade perante os tribunais nacionais.
O problema real verdadeiro com a Lava Jato não é a cooperação com os EUA, mas sim o fato do líder da Lava Jato não ser apenas um promotor que investiga, mas também um juiz que julga. Nenhum país civilizado do mundo poderia permitir que as pessoas responsáveis pelas investigações, as pessoas que tomam decisões contra os suspeitos durante as investigações, no dia seguinte, sejam o juiz do caso.
Os EUA podem apoiar o quanto quiser a investigação, desde que as provas sejam submetidas a um juiz independente e imparcial para julgar. Porque o juiz Moro não é imparcial, e esse é o motivo pelo qual ele não deveria atuar como juiz, mas apresentar as provas colhidas a um juiz imparcial para avaliar as evidência sem pré-julgamento.
Como analisa o fato dos EUA trazer para sua jurisdição crimes cometidos em outros países, por estrangeiros, só pelo fato de parte do crime ter transitado por dólares?
A conduta dos EUA ao tentar arrastar estrangeiros para seus próprios tribunais está aberta a questionamentos e sobre, muitos aspectos, pode-se dizer que os EUA pretendem uma jurisdição exacerbada para atuar como a polícia do mundo, como um grande tira mundial.
Nós vimos isso no caso do senhor Julian Assange. Querem processá-lo nos EUA, embora ele seja um jornalista, um editor australiano, sem nenhum tipo de vínculo com os EUA. E não apenas isso. Querem também negar ao senhor Assange a proteção conferida pela 1ª Emenda da Constituição americana, alegando que não é americano.
Porém, pode haver casos em que grandes criminosos são punidos nos EUA merecidamente, porque lá, no seu próprio país, pode haver um sistema fraco e injusto.
E receio que o sistema brasileiro, neste momento, seja injusto.
Existem sistemas melhores, e o melhor seria o sistema ICAC [Independent Commission Against Corruption], que funciona em Hong Kong, Cingapura, Sidney e em outros países, onde uma comissão permanente é criada para investigar, e tem todos os poderes de descoberta de evidências, uso de grampos telefônicos, alegações de corrupção cometidas por políticos, funcionários públicos, juízes e outros.
O que é bom conhecer em relação ao ICAC é o motivo pelo qual tem sido tão bem-sucedido, que tenha grau tão alto de aceitação pública: é que o ICAC não processa. Ou seja, é o contrário do juiz Moro, porque coleta evidência, relata as alegações, e um promotor separado vai processar o caso perante o juiz que não tenha tido nenhuma participação durante a fase de investigação.
Mas como analisar o paradoxo da colaboração que interessa? Quando o julgamento não interessa ao sistema, o Brasil desobedece. O próprio STF tem agido assim. Quando interessa, como é o caso da Lava Jato, vale-se da cooperação para propósitos políticos.
Eu acho que a resposta ao paradoxo é que existem imposições ao Poder Judiciário, que não pode abusar desse poder. É preciso que haja responsabilização. O juiz Moro não responde a ninguém e essa é a tragédia do Brasil. Porque ele criou uma espécie de lei de linchamento contra o Lula, liberando, nesse caso, ao contrário do que manda a lei internacional, a transcrição dos grampos telefônicos. E ele também se conduziu de uma forma obviamente parcial. Não há nenhum problema com um operador do direito que faça campanha contra a corrupção, se ele estiver envolvido apenas com a investigação da corrupção. No entanto, é totalmente errado que essa pessoa seja o juiz que vai julgar a investigação que ele próprio fez.
O juiz Moro é um juiz em causa própria quando condena Lula. E eu acho que é por isso que ele ignorou, não prestou atenção, na sua sentença de 964 parágrafos, ao fato de que não há evidência de que Lula teria feito alguma coisa em relação a essas supostas propinas da OAS.
Não há nenhum tipo de prova de que tivesse havido uma contrapartida por parte do Lula, mesmo tendo a OAS alguma intenção criminosa.
Como comunicado de Lula à Comissão de Direitos Humanos da ONU será atualizado após a condenação? Será mencionada, por exemplo, a entrevista em que o presidente do TRF-4 [Carlos Eduardo Thompson Flores] classificou a sentença de Moro como "irretocável"?
Este é assunto que estamos considerando cuidadosamente porque é obviamente absurdo que o líder do tribunal de recursos, antes de ouvir qualquer argumento, declare que a sentença seria impecável. Ele pode não participar do julgamento da 2ª instância, mas ele é o principal juiz e, portanto, sua opinião influencia o tribunal.
Ele envergonha o Judiciário brasileiro por fazer um julgamento claramente prévio.
Do mesmo modo, a AJUFE [Associação dos Juizes Federais] é uma associação fraca por não dizer nada. No Reino Unido, se um juiz presidente de um tribunal fizesse um julgamento prévio de um caso, como esse desembargador claramente fez, seria demitido ou disciplinado e os seus pares, também magistrados, levantariam a voz.
Portanto, certamente será considerado para uma reclamação. Com base no fato de que Lula não teve julgamento justo e não poderá ter um recurso justo dentro de um tribunal presidido por um juiz irresponsável.
Como governo brasileiro participa do julgamento da Lava Jato na ONU?
O Estado brasileiro é responsável pelo que ocorre no exercício dos poderes de Estado dentro do País. Portanto, o Estado brasileiro é responsável pela Lava Jato. O Estado brasileiro ou, pelo menos, o Ministro de Relações Exteriores não está preparado para uma visão independente.
A resposta [prévia do governo à ONU] deixa claro que ele não entende o conceito da independência que precisa se aplicar ao Judiciário. Alega que o Lula não pode reclamar pelo comportamento de juízes que ele próprio teria nomeado. Como se fosse função do juiz ser um apoiador, um eterno agradecido. É ridículo que o Brasil sugira que seus juízes fariam favores ao presidente que os nomeou.
No entanto, sua tentativa de bloquear essa reclamação apresentada tem uma base pouco técnica. Não contestam o mérito das reclamações do ex-presidente Lula. Por outro lado, admitem que os juízes têm aquilo que é chamado no documento de resposta de um "duplo papel" porque fazem a investigação e processam.
Mas essa resposta também diz que ex-presidente Lula não pode ir à ONU até que ele passe por diferentes procedimentos (instâncias) aqui no Brasil. Este é o argumento técnico do Estado brasileiro.
Qual era a reputação do jurista e do juridicário brasileiro antes da Lava Jato?
Houve alguns bons momentos. Mas nós presumimos que o Brasil tinha a mesma legislação de Portugal. Porém, a lei foi herdada de Portugal no século 19. Essa lei é baseada nos princípios da Inquisição católica. O grande inquisidor fazia a investigação e depois dava a sentença. Depois, na Europa, em 1988, o Tribunal de Direitos Humanos emitiu sentença determinando que um juiz que supervisiona a investigação não pode atuar como juiz no julgamento. E a lei portuguesa hoje é assim.
De fato, o Brasil tem sistema antigo e ainda com essa imperfeição. Precisaria passar por uma reforma para cumprir os padrões internacionais de direitos humanos."



(De Geoffrey Robertson, advogado australiano especialista em direitos humanos e na legislação internacional da matéria, defensor de Lula perante as cortes internacionais de direitos humanos. Entrevista concedida a Cíntia Alves e Luis Nassif. Post intitulado "A desmoralização do direito brasileiro nas cortes internacionais", publicado no Jornal GGN e reproduzido no blog 'Pátria Latina' - AQUI.

SUGESTÃO DE LEITURA


"Vestindo suas melhores camisetas vermelhas, carregando bandeiras e faixas, e em um estado de empolgação barulhenta, milhares de pessoas nesta cidade agrária pobre e empoeirada se aglomeravam na praça principal para ver Lula. Quando ele andava no palco, eles gritavam e esticavam suas mãos.

O mandato do líder barbudo de esquerda de voz rouca acabou sete anos atrás, ainda assim ele continua sendo o presidente mais popular em décadas, se não o mais popular de toda história do país.

“Você conhece um fenômeno maior que Luiz Inácio Lula da Silva?” pergunta Flávio Balreira, 65, usando o nome completo, coisa incomum no Brasil.

O ex-metalúrgico, líder sindical e presidente por dois mandatos que uma vez foi descrito por Barack Obama como “o político mais popular da Terra” tem cruzado o nordeste brasileiro, região semi-árida e empobrecida, para falar a multidões de adoradores como esta em Ouricuri, no estado de Pernambuco. Lula e sua equipe viajam em um comboio de ônibus, que ele chama de "caravana"."
[Para continuar a leitura de "À procura de reviver bonança política, herói da esquerda curte sucesso na estrada", de Dom Phillips, publicado no jornal inglês The Guardian - AQUI - e traduzido/reproduzido no blog Conversa Afiada, clique AQUI].
Em tempo: Desde sexta-feira, Lula realiza visita a cidades do Piauí e Maranhão).

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