sábado, 1 de julho de 2017

SOBRE COMUNICAÇÃO CONFIÁVEL


"O Jornal Nacional (1) de quinta-feira (29/06/2016) deu destaque para um estudo feito pelo Instituto Reuters – Universidade de Oxford – sobre a “confiança (sic)” do público em relação a mídia e que “o foco (sic) é a confiança do público numa época de notícias falsas, as fake news”. 

Mais uma vez, a Globo contou uma meia-verdade que deixa no ar uma meia-mentira. Para começar, o estudo (anual) é sobre o mercado de notícias. Na introdução do estudo - 136 páginas em formato PDF (2) - publicado este ano, o diretor David Levy diz que o escopo são as preocupações sobre o financiamento do jornalismo no tempo em que as organizações de jornalismo se deparam com as novas plataformas de notícias – e que este estudo trata 'também' das “fake news” (notícias falsas). Assim, é rebaixar demais o sentido e a abrangência do estudo deixando o telespectador entender que ele só faz medir a confiança do público em relação ao veículo X ou Y no contexto da praga das fake news.

A notícia do JN diz também que o “estudo cita o Portal G1 e o jornal O Globo como veículos de informação (sic) que criaram equipes para verificar a veracidade das notícias publicadas na internet”. É curioso como o G1, com sua duvidosa novidade do “É ou não é” (3), tenha entrado em destaque no estudo no “combate às fake news” quando já existem sites que atuam nisso há mais tempo, como “E-farsas” (desde 2002) ou “Boatos.org” (desde 2013) e, claro, a chamada blogosfera que tenta fazer contraponto às mentiras e boatos espalhados pela mídia - como é o caso deste espaço, que costuma desmentir o próprio JN (4). Por ironia, uma matéria (5) da Globo dá dicas para o público saber se uma notícia é “fake”. 

Uma das dicas (procedentes, aliás) é verificar a ausência de link para fonte de informação. E a página do JN com o estudo (da Reuters – Oxford) não traz o link para o mesmo, de modo que o internauta precisa pesquisar até encontrar não só o site da Reuters Institute, mas também o estudo em si. No hiperlink do JN “Universidade de Oxford” você é conduzido para... a notícia do JN! Ou seja: ser uma empresa de mídia é ser “A" Verdade, o que isenta o veículo de apresentar as fontes da notícia. É aí que mora o perigo.
Correspondente da Reuters é “da casa”, Globo.
Em tempos de internet, é um perigo o veículo jogar a notícia como se não houvesse amanhã. Se foi estranho um estudo aparentemente sério jogar o Grupo Globo (!) com uma referência elogiosa, a estranheza se desfaz quando pegamos o nome do correspondente da Reuters no Brasil, Rodrigo Carro: é colunista do Valor (leia-se Globo) (6). Assim sendo, com todo respeito ao correspondente, qual o seu grau de isenção para concluir que a mídia no Brasil tem tanta credibilidade se estudos recentes apontam algo bem diferente? (7). A despeito deste detalhe, a melhor definição para o trabalho de Rodrigo Carro pode ser a comparação com o seu colega Alejandro Rost, correspondente na Argentina. Este fez o dever de casa e apontou a grande concentração de mídia, no caso, referente ao Grupo Clarín - o que foi fundamental para a vitória à Presidência de Mauricio Macri, que, ainda segundo o estudo, tenta revogar itens da Ley e Medios, um modelo de democracia, segundo a ONU (8), que visa acabar com o monopólio das telecomunicações. E os gráficos que apontam o domínio do Grupo Clarín tanto na mídia tradicional – TV, rádio e jornal – quanto na plataforma online são similares aos que apontam o Grupo Globo com igual domínio no Brasil. Ou seja: a diferença entre as pesquisas no Brasil e na Argentina é a explicação do fenômeno do monopólio da informação, que, no caso brasileiro, está ausente no estudo – mas muito presente na realidade. 
Fontes:
1- Jornal Nacional de 29/06/2017 - "Brasil é segundo país com a maior confiança na mídia, diz estudo":
2- Estudo completo do Instituto Reuters - U. Oxford (PDF):
3- É ou Não É - site "anti fake news" do G1 (Globo):
4- Exemplo de quando o Jornal Nacional deu asas às fake news e foi desmentido neste espaço:
5- "G1 ajuda internautas a checar fatos para não cair em notícias falsas."
6- Rodrigo Carro - LinkedIn:
7- Estadão - 28/10/2016 - "Confiança no Judiciário é de apenas 29% da população" - Confiança nos jornais: 37%; confiança nas emissoras de TV: 33%
8- "Ley de Medios da Argentina -  legislação democrática que deveria servir de modelo para as telecomunicações no mundo" - Frank La Rue, correspondente da ONU dos Direitos Humanos para Liberdade de expressão e de opinião, em pronunciamento na Casa Rosada, sede do governo argentino:



(De Miguel Arbache, post intitulado "Como a Globo manipulou estudo que [não] diz que Globo é confiável", publicado no Jornal GGN - aqui.
Com que, então, tudo não passou de uma fake global...).

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