Xadrez a barafunda institucional do pós-Temer
Por Luis Nassif
A Constituição de 1988 foi um oásis em um país que conviveu pouquíssimos períodos de democracia plena. Foi uma construção, com princípios sólidos, propostas socialmente modernas, mas fincada na areia e sustentada por uma única pilastra: a capacidade de articulação do Executivo.
Em períodos de normalidade democrática, funcionou pela inércia, especialmente nas relações entre Poderes. O presidente da República sabia como tratar com o Presidente do Supremo, que sabia como tratar com o Procurador Geral da República, que sabia como tratar com o STJ e vice-versa. Mas o eixo central era a Presidência da República.
Ora, o que avaliza a consistência democrática de um país são os testes de stress.
O primeiro teste de stress – a queda de Fernando Collor – foi relativamente simples. Havia uma unanimidade contra ele e, a partir de determinado momento, Collor jogou a toalha e ficou aguardando o desfecho. Os outros poderes cresceram em cima do vácuo.
O segundo teste foi o de Fernando Henrique Cardoso no início do segundo governo, depois do desastre cambial. Fustigado por todos os lados, especialmente por Antônio Carlos Magalhães, FHC agiu com maestria, fechando com o PMDB, especialmente com Orestes Quércia e Jader Barbalho, e fulminando ACM no episódio do painel do Senado. Salvou-se mas abriu espaço para a organização Temer-Padilha-Geddel-Moreira-Cunha.
O terceiro episódio foi o da AP 470. Ali começaram a ficar mais claras as disfunções entre poderes, os alicerces da democracia em areia solta. Sem Márcio Thomas Bastos, o governo Lula perdeu a capacidade de articulação com os demais poderes. Foi salvo pelo desempenho de Lula na crise de 2008.
Com a crise do governo Dilma, a partir da metade do primeiro mandato, a institucionalidade começou a balançar. Com o impeachment, retirou-se a viga mestra que sustentava o edifício. E o que se vê é cada poder se comportando como biruta de aeroporto, sem um script, sem clareza sobre seus limites e formas de relacionamento com os demais poderes.
Um pequeno ensaio sobre a barafunda institucional:
O caso da espionagem
Veja solta um factoide: a acusação de que o Planalto teria convocado a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) para investigar o Ministro Luiz Edson Fachin. Pode ser que sim, pode ser que não. Mais fácil seria contratar um araponga, sem vinculações com a ABIN. O Ministro Gilmar Mendes, por exemplo, poderia ter indicado Jairo Martins, araponga principal de Carlinhos Cachoeira que o próprio Gilmar trouxe como "consultor de informática" do Supremo, quando presidiu o órgão e protagonizou dois episódios excêntricos: o grampo sem áudio e o grampo no Supremo.
Temer negou, como negou o Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional Sérgio Etchgoyen. Pode ser verdade, pode não. Mas não cabe à presidente do Supremo supor. Mesmo assim, Ministra Carmen Lúcia soltou uma nota pavloviana em defesa da classe (https://goo.gl/BpP951), até para justificar uma de suas frases épicas no início de gestão ("onde um juiz for destratado eu também sou" https://goo.gl/7wOYZC).
No dia seguinte, informada que um presidente do Supremo não pode investir assim contra um Presidente da República, correu para soltar outra nota que dizia que não se deve duvidar da palavra de um Presidente. Mais uma vez confundiu-se, misturando a instituição da Presidência com um presidente, endossando em vez da neutralidade cautelosa.
Qual a razão das idas e vindas? Falta de traquejo nas relações institucionais, e não só da presidente do STF. Traquejo é algo que apenas o amadurecimento democrático introjeta nas instituições.
Por sua vez, o Procurador Geral da República Rodrigo Janot vai atrás e se vale de um recurso linguístico para endossar a acusação (https://goo.gl/LzMwpF).
– Não quero acreditar que isso tenha acontecido. Usar um órgão de inteligência do Estado de forma espúria para investigar um dos Poderes da República em plena atuação constitucional e legal, como forma de intimidação, isso sim é a institucionalidade de um Estado policial, de um Estado de exceção.
Poucos duvidam que, no final do jogo, Temer e seu grupo estarão apeados do poder e, provavelmente, presos. E sem a necessidade do PGR se valer da mídia para o uso malicioso do "se". Se fulano matar a mãe, ele será matricida; não importa se não matou a mãe, pois "se" matar será matricida.
Independentemente do alvo, atropelou a liturgia do cargo.
O mandato de Aécio Neves
O Ministro Luiz Edson Fachin decreta o afastamento do senador Aécio Neves. O presidente do Senado, Eunício de Oliveira, recusa-se a cumprir, alegando que o Supremo precisaria definir de que forma se daria o afastamento. Confrontado com a desobediência, alega que Aécio nem está frequentando as sessões do Senado, uma cena digna de Sucupira, de Dias Gomes.
Finalmente, dá a mão à palmatória e acata a ordem.
Agora, entra-se em contagem regressiva para a prisão de Aécio. O Estadão critica o PGR, e cria o conceito da boa e da má propina. Para o PT, era a má propina; para Aécio, a boa propina.
O caso TSE
O Ministro Gilmar Mendes compara seu colega Herman Benjamin a Américo Pisca-Pisca, o reformador do mundo, personagem de Monteiro Lobato. Na mesma sessão, trata a chicotadas o representante da Procuradoria Geral da República. Antes disso, viaja de carona no jato presidencial, visita o presidente no Palácio do Jaburu, se declara seu amigo, aparece em grampos com Aécio Neves, articulando a votação da Lei do Abuso. E não aparece uma alma de Deus para arguir sua suspeição no julgamento de Temer.
No Supremo e no TSE, os colegas e mesmo as vítimas de suas grosserias o tratam como algo meramente extravagante. Confundem a desmoralização ampla das instituições com o ato de arrotar em banquete ou soltar pum em missa.
PSDB e Temer
Os Ministros do PSDB não querem abrir mão do cargo; os presidenciáveis não querem abrir mão de apoio. Queimam as possibilidades do partido para as próximas eleições, sacrificando os candidatos que não fazem parte da panela.
Principal liderança, FHC dá a declaração peremptória: ficarmos com Temer até ele ser denunciado pela PGR. Lembra Magalhães Pinto em 1964: Minas está onde sempre esteve e daqui não arredará pé.
Ora, depois disso Temer não fica. Só faltava o PSDB acompanhá-lo.
Aí o principal presidenciável do partido, Geraldo Alckmin, declara que ficará com Temer; depois, que não avalizará Temer; depois, que ficará com Temer para garantir as reformas. Depois, muito pelo contrário.
Nesse jogo de cena, o PMDB acena com apoio ao PSDB em 2018, para mantê-lo no governo.
Não existe mercado futuro de cooptação. Quando abrir a temporada eleitoral, os diversos partidos avaliarão quem tem mais possibilidades de vencer e montarão os acordos políticos.
A grande rebordosa
Como é que se conserta essa encrenca?
A denúncia e provável prisão de Aécio Neves é a reiteração de uma regra tão antiga quanto a Revolução Francesa: os jacobinos sempre acabam incinerados na pira que acenderam para queimar os adversários. A carreira do político que jogou na prisão um jornalista adversário, que brilhou nas passeatas anti-corrupção, chegou ao fim.
Mas se tem, proximamente, o embate final entre a PGR-STF e o Congresso. Atrás de Temer está o exército das trevas, a malta organizada por Eduardo Cunha, que se apossou do poder e só sairá dele algemada.
Manter Temer será dar sobrevida ao pior esquema político da história. Tirar Temer significará conferir uma influência ainda maior a um conjunto de poderes que avançou muito além de suas atribuições – Judiciário e Ministério Público.
Anti-petistas se regozijam com abusos contra o PT; petistas se regozijam com os abusos contra PSDB e PMDB. Ministros do Supremo tiram sua casquinha cavalgando a onda do punitivismo. Outros se tornam garantistas para defender seus aliados políticos.
É um exemplo graúdo do inferno a que o país foi conduzido pela subversão das informações. E não se atribua à pós-verdade das redes sociais. Quando o maior formador de opinião – os grupos de mídia – abdicou do compromisso com a informação e foi criando suas próprias narrativas ao sabor dos fatos políticos, o resultado não poderia ser outro.
Subverteu-se completamente a informação, deturparam-se as análises, transformando quinquilharias em crimes graves, problemas administrativos em pecados mortais, distorcendo diálogos, criminalizando conversas corriqueiras, banalizando prisões, espalhando a lama da suspeição sobre todos os poros da Nação.
Agora, se tem uma metralhadora giratória sem controle, rodando loucamente e fuzilando tudo ao seu redor. E não se pode imobilizá-la porque foram expostas as vísceras da Nação, a corrupção desenfreada, fruto da falta de vontade de sucessivos presidentes de mudar o modelo político.
A lição que fica é que não haverá salvação fora do grande acordo. E a interrogação que fica é se haverá personagens à altura dos desafios que se têm pela frente. - (Fonte: Jornal GGN - AQUI).
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Comentário selecionado: Leitor Aristóteles Coelho:
Górdio reinou por muito tempo e quando morreu, seu filho Midas assumiu o trono. Midas expandiu o império mas não deixou herdeiros. O Oráculo foi ouvido novamente e declarou que quem desatasse o nó de Górdio dominaria todo o mundo.
Quinhentos anos se passaram sem ninguém conseguir realizar esse feito, até que em 334 a.C Alexandre, o Grande, ouviu essa lenda ao passar pela Frígia. Intrigado com a questão, foi até o templo de Zeus observar o feito de Górdio. Após muito analisar, desembainhou sua espada e cortou o nó. Lenda ou não o fato é que Alexandre se tornou senhor de toda a Ásia Menor poucos anos depois.
(Wikipédia)
O "Grande Acordo" é o nó górdio, no Brasil a expressão "Grande Acordo" não goza de boa reputação, pois quase sempre traduz varrer a sujeira para baixo do tapete, eu não te puno, você não me denuncia, esqueçamos o passado recente, foi mal, daqui para frente tudo vai ser diferente e vamos todos viver felizes.
Temos uma tradição de apaziguamentos: a independência foi negociada, a república, proclamada por um velho marechal doente - manteve quase intacto o sistema anterior, em 1930 tivemos um quase rompimento, mas no frigir dos ovos houve apenas um afastamento temporário do PRP, que se maquiou, deu uma repaginada no visual e voltou como UDN.
Foi-se então ao estado novo, uma forma de se controlar as demandas sociais sem correr o risco de cair no temido comunismo; vem a redemocratização pós-guerra e o antes ditador volta nos braços do povo escanteando o PRP/UDN, que não descansaram até tomar o poder em 1964 pela via soldadesca, o PRP/UDN se maquia de novo e vira ARENA.
Manda e desmanda até que no fim da década de 70 o ciclo claramente dava sinais de esgotamento e novamente tivemos "um Grande Acordo" mantendo intacta a super estrutura de poder que governa desde que índios trocavam pau-brasil por espelhos.
A Nova República como brilhantemente narrou o mantenedor desse espaço foi uma experiência de democracia "nunca dantes" experimentada por essas terras tupiniquins, mas embaixo da fabulosa mansão democrática estava o mesmo barraco intocado que de "Grande Acordo" em "Grande Acordo" nos trouxe até aqui.
Nos últimos tempos o jogo ficou mais extremo, depois de 12 anos consecutivos de governos Social Democratas; sim, porque o verdadeiro partido social democrata é o PT, o PSDB apenas quer, ou melhor queria, ser um; quando da sua fundação era chique, dava um ar europeu que um certo sociólogo adora, mas como dizia, doze anos de abstinência levaram a síndrome de Aécio, que ao invés de aceitar que doe menos resolveu chutar o balde, mas o excremento acabou batendo no ventilador e atingindo a todos.
Não há duvidas de que o país não aguenta uma guerra sem fim, mas quais os termos da rendição, ou seria armistício? Haverão julgamentos por "crimes de guerra"? “Generais” que promoveram massacres vão responder por seus crimes? Se definirão termos para que haja uma convivência civilizada sem ganhadores nem perdedores? Se o "Grande Acordo" for como os anteriores temo que apenas varreremos novamente o problema para debaixo do tapete."
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Quanto a este blog, repetimos o que está dito na parte final de nossa manifestação ao post "Nassif e a guerra entre os Poderes" - aqui -:
" ... Nos anos de chumbo, a palavra pacto teve o seu período de influência institucional, mas os frutos produzidos sempre 'penderam' para o lado opressor. Noutra vertente, indaga-se: Hoje, quem lideraria os entendimentos em busca de pacto? Quem, como diria o doutor Ulysses, se disporia a colocar o guizo no pescoço dos felinos? ...".
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