Muito além do entretenimento
Por Maurício Stycer
A eleição de Donald Trump, em novembro de 2016, ainda é um fenômeno em busca de boas explicações. Uma delas, divulgada recentemente, aponta para o papel da televisão.
Não está se falando da cobertura enviesada dos canais de notícias ou do espaço gigantesco que o candidato, com seu faro midiático, soube conquistar gratuitamente, alertam os pesquisadores James Shanahan, da Universidade de Indiana, e Michael Morgan, da Universidade de Massachusetts Amherst.
Em um estudo publicado na edição de abril do "Journal of Communication", um dos mais respeitados da área no meio universitário, os autores apresentam os resultados de uma pesquisa que mostra como a programação da TV cultiva o autoritarismo e como isso ajudou a eleger Trump.
Um resumo do trabalho foi publicado no site acadêmico The Conversation e reproduzido na revista "Time" desta semana.
Com base em uma pesquisa que ambos conduziram nos EUA e na Argentina nos anos 1990, Shanahan e Morgan partem do suposto de que quanto mais você assiste à televisão mais você tende a abraçar tendências e perspectivas autoritárias.
"Americanos e argentinos que assistem muita televisão têm um sentimento maior de medo, ansiedade e falta de confiança. Eles valorizam o conformismo, veem o 'outro' como ameaça e se sentem desconfortáveis com a diversidade."
Isso ocorre, afirmam, pelo fato de que a maior parte dos programas (séries, novelas etc.) ainda reforça estereótipos de gênero e raça, além de glorificar o uso da violência como solução de problemas.
Dois meses depois de Trump ter sido escolhido como o candidato republicano, no segundo semestre de 2016, os pesquisadores voltaram a investigar o assunto. A pesquisa, on-line, com mil adultos, buscou identificar os hábitos de consumo de televisão e as tendências autoritárias dos entrevistados.
Isso se mede com base em uma série de questões sobre o que, na opinião do entrevistado, é mais importante para uma criança. Independência ou respeito aos adultos? Curiosidade ou boas maneiras? Autoconfiança ou obediência? Quanto mais respostas à segunda opção em cada par, maiores as tendências autoritárias.
Como na pesquisa anterior, também desta vez foi possível notar uma associação entre consumo intenso de televisão e preferência por valores que sugerem tendência autoritária.
Mais importante ainda, escrevem, foi perceber que "ver muita TV e o autoritarismo, tomados juntos em sequência, tiveram uma relação significativa com a preferência por Trump". Esta relação, acrescentam, não foi afetada por gênero, idade, educação, ideologia política, raça e consumo de notícias.
Shanahan e Morgan concluem o artigo com duas afirmações importantes. "Nada disso significa que a televisão tenha desempenhado o papel decisivo no triunfo de Donald Trump. Mas Trump ofereceu uma 'persona' que se encaixou perfeitamente com a mentalidade autoritária alimentada pela televisão."
Acrescento duas observações. É curioso notar como muitas críticas ao "politicamente correto" no humor e na TV no Brasil partem de pessoas com um perfil politicamente mais conservador e, eventualmente, agressivo.
E, mais importante, não custa sempre lembrar que rebaixar a televisão a mero entretenimento, como muita gente faz, é fechar os olhos para os variados impactos que o meio pode provocar. - (Fonte: aqui).
Mas, claro, houve quem encarasse positivamente o pensamento 'trumpista'. Ao fim e ao cabo do processo eleitoral, Trump levou a melhor - ainda que não em número de votos, sintomaticamente.
A seguir, comentário do leitor Severino Januário, selecionado entre os que o post suscitou:
"Por que é tão difícil enxergar o óbvio em relação à eleição de Trump? Trump é voluntarioso, mas sofreu da mídia americana um processo de demonização que multiplicou por mil seus defeitos, inventando outros tantos que ele não possui. Trump foi eleito porque o povo americano não suporta mais a opressão de um governo que é um só com dois partidos, que tem o mesmo programa e não oferece opção. Que cultua ao mesmo tempo a fabricação de bilionários e de milhões que engrossam progressivamente a multidão dos que caem na pobreza e na falta de tudo: falta de empregos, crescente precarização de condições de trabalho e, sobretudo, falta de esperanças. Trump viu esta insatisfação generalizada e ofereceu ao povo a opção que ele queria, na forma de um programa que ele agora está tendo a maior das dificuldades para implantar, devido ao boicote da mesma mídia que o perseguiu na campanha eleitoral. Seu programa incluía o fim das chamados "guerras estrangeiras", como as do Iraque, da Líbia, do Afeganistão e da Síria, e a priorização total da resolução dos problemas internos do país, como a pobreza, o desemprego e a caduquice da infra-estrutura. Também foi sublinhado explicitamente em seu programa de governo o fim da ingerência nos assuntos de outros países e o fim do hábito horrível de promoção de mudanças de regime através de apoio ou promoção de golpes de estado.
Esta eleição americana trouxe à clareza meridiana que quem governa os americanos não é mais sua democracia, mas uma organização inefável chamada de Estado Profundo. Isto acontece porque, seja lá que for eleito, tem que se sujeitar a implantar a agenda de quem governa de fato, que é o Estado Profundo. O Trump foi eleito e arregaçou as mangas para governar com sua própria agenda. Mas a grande mídia, que pertence toda ao Estado Profundo, não tem aceitado sequer suas escolhas de ajudantes e assessores. Inventaram uma tal de interferência russa nas eleições, que apesar de completamente absurda foi transformada em verdade absoluta pela mídia, e jogando com esse baralho fantasma têm tentado dirigir o governo Trump para bem longe de suas aspirações iniciais. Mas Trump entrou no jogo também, e tem conseguido enganar os belicistas e os idólatras do mercado financeiro.
É verdade que Trump desejava ficar de bem com a Rússia e fazer com ela uma frente para combater terroristas, e isso só aumentou os ataques a ele desferidos pelo EP. Já estava sendo chamado até de traidor da pátria pelos maiores apresentadores de TV, quando despejou 69 mísseis tomahawc sobre uma base aérea síria de onde teriam partido aviões que teriam jogado bombas químicas sobre inocentes civis. Tudo armação. Mas Trump entrou no jogo, e logo depois da chuva de mísseis a mídia mudou 180 graus em relação a ele. Foi chamado pelos maiores jornais até de herói do povo americano. Mas os que estavam atentos viram que a base tinha sido avisada com antecedência e os resultados militares do ataque foram quase nulos.
Depois vieram as respostas duríssimas de Trump contra a Coreia do Norte, que também não eram nada além de palavras. E agora vêm as ameaças contra a Venezuela e o rompimento do entendimento com Cuba, uma providência que, segundo um site cubano, não alterou em nada o que já havia acontecido de positivo com a abertura de Obama, nem nas facilidades sociais nem na parte econômica, onde a Europa, que não simpatiza muito com Trump, não interrompeu seu recente namoro econômico com Cuba. Trump vai se virando, fingindo que é um falcão e desnorteando seus inimigos do EP, e enquanto isso vão esticando o prazo para desfechar sobre ele um golpe de estado judicial-legislativo à moda brasileira."
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O cartum que ilustra o post, de autoria do austríaco Marian Kamensky, reflete o impacto causado por Trump ao longo de sua campanha, sendo aquela uma das reações 'admissíveis' por parte dos espectadores (no caso, de quem não comunga com as ideias do então candidato), valendo assinalar que o rádio também exerce larga influência sobre o público norte-americano, notadamente nas regiões interioranas.Mas, claro, houve quem encarasse positivamente o pensamento 'trumpista'. Ao fim e ao cabo do processo eleitoral, Trump levou a melhor - ainda que não em número de votos, sintomaticamente.
A seguir, comentário do leitor Severino Januário, selecionado entre os que o post suscitou:
Esta eleição americana trouxe à clareza meridiana que quem governa os americanos não é mais sua democracia, mas uma organização inefável chamada de Estado Profundo. Isto acontece porque, seja lá que for eleito, tem que se sujeitar a implantar a agenda de quem governa de fato, que é o Estado Profundo. O Trump foi eleito e arregaçou as mangas para governar com sua própria agenda. Mas a grande mídia, que pertence toda ao Estado Profundo, não tem aceitado sequer suas escolhas de ajudantes e assessores. Inventaram uma tal de interferência russa nas eleições, que apesar de completamente absurda foi transformada em verdade absoluta pela mídia, e jogando com esse baralho fantasma têm tentado dirigir o governo Trump para bem longe de suas aspirações iniciais. Mas Trump entrou no jogo também, e tem conseguido enganar os belicistas e os idólatras do mercado financeiro.
É verdade que Trump desejava ficar de bem com a Rússia e fazer com ela uma frente para combater terroristas, e isso só aumentou os ataques a ele desferidos pelo EP. Já estava sendo chamado até de traidor da pátria pelos maiores apresentadores de TV, quando despejou 69 mísseis tomahawc sobre uma base aérea síria de onde teriam partido aviões que teriam jogado bombas químicas sobre inocentes civis. Tudo armação. Mas Trump entrou no jogo, e logo depois da chuva de mísseis a mídia mudou 180 graus em relação a ele. Foi chamado pelos maiores jornais até de herói do povo americano. Mas os que estavam atentos viram que a base tinha sido avisada com antecedência e os resultados militares do ataque foram quase nulos.
Depois vieram as respostas duríssimas de Trump contra a Coreia do Norte, que também não eram nada além de palavras. E agora vêm as ameaças contra a Venezuela e o rompimento do entendimento com Cuba, uma providência que, segundo um site cubano, não alterou em nada o que já havia acontecido de positivo com a abertura de Obama, nem nas facilidades sociais nem na parte econômica, onde a Europa, que não simpatiza muito com Trump, não interrompeu seu recente namoro econômico com Cuba. Trump vai se virando, fingindo que é um falcão e desnorteando seus inimigos do EP, e enquanto isso vão esticando o prazo para desfechar sobre ele um golpe de estado judicial-legislativo à moda brasileira."
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