Vivemos hoje uma atabalhoada preocupação em exibir falsos sinais de riqueza. Criou-se a ideia de que o estatuto do cidadão nasce dos sinais que o diferenciam dos mais pobres.
Recordo-me de que certa vez entendi de comprar um veículo em Maputo. Quando o vendedor reparou no carro que eu tinha escolhido quase teve um ataque. “Mas esse, senhor Mia, o senhor necessita de uma viatura compatível”. O termo é curioso: “compatível”.
Estamos vivendo num palco de teatro e de representações: um carro já não é um objecto funcional. É um passaporte para um estatuto de importância, uma fonte de vaidades. O carro converteu-se num motivo de idolatria, numa espécie de santuário, numa verdadeira obsessão promocional.
Esta doença, esta religião que se podia chamar viaturolatria atacou desde o dirigente do Estado ao menino da rua. Um miúdo que não sabe ler é capaz de conhecer a marca e os detalhes todos dos modelos de viaturas. É triste que o horizonte de ambições seja tão vazio e se reduza ao brilho de uma marca de automóvel.
É urgente que as nossas escolas exaltem a humildade e a simplicidade como valores positivos.
A arrogância e o exibicionismo não são, como se pretende, emanações de alguma essência da cultura africana do poder. São emanações de quem toma a embalagem pelo conteúdo."
(De Mia Couto, trecho de discurso proferido na abertura do ano letivo do Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique, publicado originalmente no 'Pensar Contemporâneo' e reproduzido no 'Diário do Centro do Mundo' - AQUI.
Este texto foi integralmente publicado na obra “E se Obama fosse africano?”
Mia Couto - António Emílio Leite Couto -, moçambicano, é biólogo, professor e escritor).
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