A fantástica fábrica de deseducação
Por Carlos Motta
O caso da festa escolar dos burguesinhos do Sul, movida a preconceito e desprezo por pobres e tudo o mais que não pertença ao universo dourado desses filhinhos de papai, dá o que pensar sobre o tipo de educação que os jovens deste Brasil varonil estão recebendo.
Cursei os antigos ginásio e colégio numa das únicas escolas que ousaram, séculos atrás, sair da mesmice pedagógica, o Instituto de Educação Experimental Jundiaí, hoje E.E. Bispo Dom Gabriel Paulino Bueno Couto, em Jundiaí, Estado de São Paulo.
A maior inovação do Instituto era o sistema de avaliação dos alunos, bimestral e por conceitos - deficiente, fraco, regular e bom - em vez de notas.
As aulas eram mais ou menos convencionais, dependiam da formação de cada professor. Havia os francamente ortodoxos e alguns que fugiam da rotina tradicional.
O mais radical deles era o coordenador pedagógico do Instituto, o professor-doutor Newton Balzan, que se tornou uma das mais respeitadas autoridades em educação no Brasil. Suas aulas tinham intensa participação dos alunos, que recebiam várias tarefas, entre as quais, divididos em grupos, apresentar, da maneira que julgassem melhor, determinados temas, para posterior debate entre a classe toda.
Lembro que o nosso grupo teve de falar sobre a guerra civil espanhola. Foram semanas de pesquisa - não havia o Google naquele tempo - e de debates sobre como seria a nossa "aula show". No fim, a nossa performance incluiu música, poesia, fotos e fatos sobre aquele evento histórico que antecedeu a segunda guerra mundial e teve enorme repercussão no mundo todo.
O fato de eu me lembrar até hoje das aulas do professor Newton Balzan e praticamente coisa nenhuma das dos seus colegas do Instituto de Educação reforça o que penso sobre a educação que prevalece no Brasil: não serve para praticamente nada em termos de formar um cidadão, alguém que saiba quais são os seus deveres e direitos, que conheça e cumpra as leis, que pense logicamente, saiba, enfim, viver numa sociedade e conviver com seus semelhantes.
Pode ser que existam alguns focos de excelência no ensino, escolas públicas e particulares que realmente se interessem em formar cidadãos e não somente em fazer as crianças e adolescentes decorar fórmulas, datas e dados, como se estivessem adestrando animais.
Pode ser que haja instituições de ensino que valorizem os professores, paguem salários dignos e adequados a esse trabalho fundamental, deem as ferramentas necessárias para que desempenhem sua função em alto nível, e os estimulem a aperfeiçoar cada vez mais seus conhecimentos.
A realidade, porém, é outra.
O triste episódio da escola de Novo Hamburgo é revelador da miséria da educação brasileira - se naquele local, reduto das classes média e alta, os alunos são estimulados a achar que na vida é mais importante cursar uma faculdade para, posteriormente, ganhar um bom dinheiro, e não ser portador de valores civilizatórios, o que dizer de milhares de outras espalhadas pelo país, a maioria quase à míngua, sobrevivendo com parcos recursos financeiros e humanos?
A situação é praticamente irremediável.
Afinal, o atual ministro da Educação não sabe nem conjugar o verbo haver. - (Fonte: aqui).
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Lendo o texto, veio-me à mente o 'escola sem partido', "medida modernizadora" do Governo Federal no campo da educação. Pensei em escrever alguma coisa, mas preferi eleger como manifestação o comentário do leitor Alexandre Jimenez, que, de forma sucinta, resume tudo:
"Mais técnicos e menos cidadãos: Essa falta de respeito e de solidariedade é o resultado do tipo de formação que estamos privilegiando. Cada vez mais voltada para as técnicas e menos preocupada com a formação de um cidadão. Os comportamentos mais aceitos socialmente reforçam essa visão e criam um verdadeiro círculo vicioso. Entre eles podemos citar o egoísmo, o imediatismo e o individualismo."
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Em tempo: A escola em questão tentou esclarecer o assunto. Veja AQUI.
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