Lamento francês
Por Daniel Afonso da Silva
Perplexidade: esse é o sentimento dos franceses diante de seus presidenciáveis, Marine Le Pen do Front National e Emmanuel Macron do En Marche!, credenciados para o segundo turno das eleições deste ano. Após o debate da última quarta-feira, 03/05, confrontando os dois candidatos e seus dois projetos, a perplexidade se somou a certo lamento.[1] Um lamento francês – e, ao certo, também de todos nós.
As razões são múltiplas. Algumas, inéditas.
Ambos, Macron e Le Pen, emergem de partidos não tradicionais.
Macron, saído do Partido Socialista, concorre à Presidência pelo seu recém-criado En Marche!, partido ainda incaracterístico. Le Pen, malgrado seu esforço de “desdiabolização” partidária que conduziu inclusive ao rompimento seu próprio pai (Jean-Marie Le Pen, fundador do Front National), segue no Front Nacional.
Ambos partidos, En Marche! e Front National, são republicanos. Ou, ao menos, são aceitos no sistema político-partidário francês.
Mas é a primeira ocasião, no percurso da Quinta República Francesa, inaugurada pelo general De Gaulle em 1958, que representantes da esquerda tradicional (no caso, do Partido Socialista) e da direita tradicional (no caso, do RPF do general de Gaulle e todas as suas mutações até o atual Les républicains) estão inabilitados para residir no Élysée.
1965: o general de Gaulle disputou com François Mitterrand e venceu.
1974: Valéry Giscard d’Estaing (herdeiro do general) confrontou e venceu François Mitterrand.
1981: repetiu-se o embate Giscard versus Mitterrand. Mas dessa vez a vitória foi socialista.
1988: Mitterrand venceu Jacques Chirac (herdeiro do general).
1995: Jacques Chirac (herdeiro do general) venceu Lionel Jospin (herdeiro de Mitterrand).
2002: Jacques Chirac foi reeleito diante de Jean-Marie Le Pen do Front National.
2007: Nicolas Sarkozy (herdeiro de Jacques Chirac) venceu Segolène Royal (herdeira de Mitterrand).
2012: François Hollande (herdeiro de Mitterrand) bateu Nicolas Sarkozy (herdeiro de Jacques Chirac).
Nesse sentido, na presente eleição de 2017, os presidenciáveis não dispõem de lastro político-partidário evidente e abrangente.
Macron rompera com o presidente François Hollande (2012-2017), abandonou o governo de Manuel Valls (primeiro-ministro de Hollande) e criou seu En Marche! para sair como candidato independente.
Marine Le Pen segue no Front National, mas renega o radicalismo, a xenofobia e o caráter possivelmente proto-fascista e proto-nazista da agremiação original.
A chegada do Front National ao segundo turno das eleições causou sensação. Mas não foi a primeira vez. Em 2002, sob a condução de Jean-Marie Le Pen, o partido lograra esse êxito. No entanto, o presidente Jacques Chirac (1995-2007), candidato a um segundo mandato, refutou debater com o representante do Front National. Primeiro pelo descrédito absoluto de Jean-Marie Le Pen e seu Front National frente à opinião pública francesa. Segundo pela hipótese de debate púbico de Chirac versus Mitterrand ser considerada imoral. Terceiro pelo ambiente político que, imbuído nesse descrédito político e moral, forjou apoio uníssono ao presidente-candidato.
Não ao acaso, Jacques Chirac seria reeleito com mais de 82% dos votos – o maior trunfo de um presidente eleito na Quinta República Francesa.
Quinze anos depois, o cenário político francês mudou completamente.
O Front National de Marine Le Pen ganhou distância do Front National de Jean-Marie Le Pen. Dispõe de aceitação progressiva no interior da sociedade francesa. Acrescenta eleitores e eleitos a cada escrutínio. Foi ao segundo turno presidencial com o apoio de 7 milhões, 678 mil e 491 eleitores – ou seja, 21,30% dos votos válidos. Recebe apoio e aliança do candidato gaullista Nicolas Dupont-Aignan, do partido Debout de la France, que recebera 4,7% dos votos no primeiro turno das eleições. E encena uma realidade inconveniente para muitos: Marine Le Pen pode, sim, chegar ao Elysée como presidente; se não nesta eleição de 2017, na próxima de 2022.
A candidata do Front National chegou a figurar como favorita na primeira rodada do pleito, mas acabou chegando em segunda colocação. Macron fora o vencedor com 8 milhões, 656 mil e 346 eleitores – ou seja, 24,01% dos votos. Uma margem pequena. É verdade. Mas o mais grave é que a sociedade francesa está claramente dividida (para não dizer perdida) e inquieta (para não dizer assustada).
Dividida porque Macron tampouco Le Pen correspondem a candidatos dos sonhos franceses, europeus e mundiais. Mas são os candidatos que chegaram ao segundo turno e um deles virá a ser o presidente da República. Assustada porque nem um nem outro parecem possuir estatura técnica, política e intelectual para encarnar a função presidencial.
Nem Macron nem Le Pen estavam, porquanto, em condições de refutar um debate face-a-face. Esse confronto foi esperado por todos. Franceses e demais. Seria nele a oportunidade de um e outro demonstrar a sua presidenciabilidade. Mas não foi isto que ocorreu na última quarta-feira, 03/05, quatro dias antes da votação final.
Macron e Le Pen deram mostra de um espetáculo chocante (para não dizer frustrante) e inconveniente (para não dizer desconcertante).
O que era a hesitação de alguns virou a convicção da maioria: a eleição de Macron ou de Le Pen tende a rebaixar a função presidencial na França. Nem um nem outro parece dispor de adequação e preparação suficientes aos desafios presentes e futuros de seu país (a França), de seu continente (a Europa) e do mundo contemporâneo.
Alain Duhamel, jornalista político veterano e fino observador da cena política francesa desde os tempos do general De Gaulle, considerou o debate Macron versus Le Pen como o mais duro, tenso, violento, desagradável, cínico, elétrico e polêmico de toda a Quinta República Francesa.[2]
Éric Zemmour, outro jornalista político francês veterano, por seu turno, ponderou ter sido o debate o menos digno e o mais medíocre de todos os praticados na França.[3] Olivier Mazerolle vai na mesma direção.[4]
A experiência eleitoral mundial tem ensinado que debates políticos não necessariamente modificam tendências da cartografia nem da geografia do voto. Dificilmente, portanto, mudam o destino de seus participantes.
Macron ingressou no debate de quarta-feira, 03/05, com 60% de intenção de voto. Marine Le Pen, com 40%. Difícil dizer que algo tenha mudado em função do debate. 24 horas depois, um e outro jornal indicava sensível modificação. Uns indicavam um ou dois pontos a mais para Macron e um ou dois pontos a menos para Le Pen.
Mas a única e verdadeira novidade foi a (re)emergência do movimento ni-ni (nem Macron, nem Le Pen). Essa tendência figurou em headlines ou em matérias secundárias dos principais jornais e periódicos franceses. Caso consequente, ela indica que tende a diminuir a taxa de participação dos eleitores no segundo turno. E, sendo assim, a eleição tende a ser definida mais pelas ausências – abstenções e votos nulos – que pelos cidadãos que comparecerão às urnas.
Não restam dúvidas que o debate Macron versus Le Pen frustrou. Nenhum dos candidatos saiu vencedor. Mas, ao menos, três verdades ficaram evidentes
1. Contrário às aparências, o jogo não está jogado e a eleição ainda guarda surpresas.
2. Macron não é Donald Trump nem João Dória e, por isso, pode perder
3. Marine Le Pen não é Vlamir Putin nem Jair Bolsonaro e, por isso, pode ganhar.
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(Fonte: Jornal GGN - aqui).
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O artigo acima foi escrito antes da divulgação das pesquisas sobre o debate, que apontam Macron como vencedor, mantendo-se folgadamente na dianteira - até o final do dia 5 -, da corrida presidencial e, para a unanimidade dos analistas, sem quaisquer chances de reviravolta para Marine Le Pen.
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