quarta-feira, 9 de novembro de 2016

SOBRE LIMITES DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E TOMADA DE DECISÕES


"Limites da investigação
Antes da Constituição, havia limitações a investigações. Depois houve uma uma abertura maior, inclusive para a atuação do Ministério Público, que foi alçado a um super órgão, e as instituições passaram a conhecer novos espaços, que não conheciam antes.
A questão muda com novos instrumentos de investigação, mas alguns atores não souberam ‘brincar’ com eles, como interceptação telefônica, infiltração policial e a delação premiada. Lidar com tudo isso acabou acarretando em excessos e ilegalidades.
Em SP, tivemos cinco operações de grande porte anuladas pelo STJ e pelo STF, pois houve excesso de ilegalidades. Hoje há novos instrumentos para o enfrentamento do crime, mas eles ainda não são usados com o equilíbrio necessário. Há juízes e autoridades que se excedem, ainda que sob pretexto que estão fazendo uma causa nobre, mas não dá para  concordar com isso.
Lava Jato
É a operação mais importante da história do Brasil, tem que continuar, mas tem que continuar de outro jeito, é preciso botar a bola no chão. A gente não está dando chance para o país se recuperar.  Não estou dizendo que tem que poupar ninguém, mas precisa um viés menos extensivo, de menos espetáculo. O grande mérito da Lava Jato é mostrar para todos como é o sistema. E o processo serve para mexer no sistema. Já sabemos como eram feitos os financiamentos de campanha, as gestões de uma empresa pública. É preciso mudar. Pode muito bem continuar, mas sem essa publicidade. Não acredito nessa história de que se ela se tornar menos pública vai morrer.
A Lava Jato está sendo usada até para defender aumento de salário de juiz e procurador. Sempre tem alguém para dizer que aquilo que o desagrada é retaliação à Lava Jato – isso é um absurdo.
Prefiro acreditar que não é verdadeira a tese de que, na Lava Jato, prende-se para forçar delação. Se isso fosse verdade, estaríamos à frente de uma tortura institucionalizada. Vivemos em um Estado Democrático de Direito. A imprensa fala isso com muita naturalidade, como se usasse o método de tortura para obter delações. A prisão do Guido Mantega [ex-ministro da Fazenda] é uma evidência forte que pode haver ilegalidade nesse tipo de prisão. Em nenhum lugar da nossa legislação diz que, se acompanhar um doente, a prisão não é necessária. Ficou provado que era mais para espetáculo.
O Supremo vai começar a exigir que os investigadores e juízes andem na linha. E isso foi demonstrado nas ultimas decisões que tomou.”
Juiz tem lado?
O juiz traz uma carga de sua experiência de vida e transpõe ao processo. Um magistrado favorável ao aborto, por exemplo, vai procurar brechas para transpor sua ideologia no processo. É mentira que não existe ideologia. Identifico que muita gente tem ‘lado’ na Justiça Federal. Mas nosso compromisso é com a neutralidade! Nos últimos anos, creio que mais juízes adotaram um determinado lado, geralmente coincidente com o lado da imprensaÉ difícil um juiz nadar contra a correnteza. Juízes e promotores têm receio de contrariar o rumo que a imprensa segue.”
Execução provisória da pena
“A prisão em segunda instância é um retrocesso. Como o Judiciário é ruim e moroso, tenta-se compensar isso colocando as pessoas na prisão. O certo é esperar o trânsito em julgado. Aguardar que uma decisão seja avaliada até a última instância não significa dizer que as decisões do juiz e do desembargador não valem nada. O Protógenes [Queiroz, ex-delegado federal e ex-deputado Federal], por exemplo, eu condenei. Chegou no STF, eles mantiveram a decisão, e aí então mandaram cumprir a pena. Não vejo o motivo de minha decisão não ter sido válida.
A grande questão é que aceitamos isso por causa da demora do Judiciário. Não é que só o STF vale, mas 25% das decisões mudam nos tribunais superiores. Estamos defendendo que 25% de inocentes podem ser presos. De cada cem, vou prender 25?”
Juiz de garantias
“Sou totalmente favorável. O Juiz da investigação não deve atuar na fase processual. Dificilmente o juiz que começa uma investigação consegue manter imparcialidade e neutralidade. Juízes vão chiar e bater, mas isso é da própria natureza humana. Ao longo da investigação, o juiz adquire crenças e convicções. Dali para frente, é comum que ele superdimensione o que vai ao encontro de sua opinião, menosprezando os argumentos dos outros lados.
Aposentadoria compulsória é punição?
Se o fato é grave, vai ter ação penal e então o juiz perde cargo e aposentadoria, correndo risco até de ser preso. Se a for infração for administrativa, pode haver o afastamento do cargo, que é punição gravíssima. A punição varia de acordo com o que o juiz fez de errado. Aposentadoria compulsória pode até ser um prêmio, mas o afastamento, não. Não consigo imaginar uma infração administrativa que não seja crime. A democracia tem um preço, que é a presunção de inocência. Como vou tirar a remuneração? E se for inocente? Primeiro prove-se a culpa.
Quando o Judiciário decide agir de forma isenta atua bem para avaliar processos cometidos por juízes, acaba atuando bem. Mas o Judiciário falha tanto que é difícil falar que atua bem em algum setor. O problema é quando os amigos julgam. Eles pensam: ‘Esse é amigo, vou fechar pra lá, vamos aposentar compulsoriamente’. São jeitinhos que se dá, o Judiciário não é um órgão profissional."




(De Ali Mazloum, juiz criminal, titular da 7ª Vara Federal de São Paulo, que acaba de publicar seu sétimo livro, "Reserva de Jurisdição: Os Limites De Um Juiz Na Investigação Criminal", no qual, segundo o site jurídico JOTA - aqui -, "analisa o que qualifica como 'abusos', que teriam sido cometidos por seus colegas de profissão, com base em temas do momento, como delação premiada, CPIs, quebra de sigilo telefônico e bancário, terrorismo e outros." 
Ainda segundo o site citado, "O magistrado diz que sentiu abusos do sistema de Justiça na própria pele: em 2003 foi acusado pelo Ministério Público Federal - MPF, no âmbito da Operação Anaconda, de estar envolvido em uma quadrilha que vendia sentenças. Mazloum ficou quase dois anos afastado do cargo, até que retornou à Justiça Federal graças a um habeas corpus obtido no Supremo Tribunal Federal, que extinguiu o processo."
Quanto aos temas que, segundo Mazloum, configurariam atos abusivos praticados por colegas de profissão, fica a indagação: E quando os atos assim classificáveis emanam de autoridade incensada à unanimidade?).

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