quinta-feira, 10 de novembro de 2016

POR QUE O BRASIL NÃO É RESPEITADO NOS BRICS


Por que o Brasil não é respeitado nos BRICS

Por André Araújo

O conceito de grandes países continentais que se destacam entre os emergentes não nasceu de um economista do Goldman Sachs, Jim Williamson (nota deste blog: Jim O'Neill), que apenas usou o conceito como uma categoria de mercados financeiros. O conceito geopolítico muito mais sofisticado é dos historiadores Paul Kennedy, Emilly Hill e Robert Chase em um celebre artigo publicado na revista FOREING AFFAIRS. 
Como os economistas de mercado não têm cultura e nem interesse em História e Geopolítica, disseminaram o acrônimo BRICS do Jim Williamson como se fosse uma grande novidade, esquecendo que o conceito (como já observado) não é dele e sim de três grandes historiadores de muito maior envergadura e profundidade, que viam nesses grandes países uma expressão de grandeza especial entre os países fora do eixo europeu-norte americano.
O Brasil é o único dos quatro BRICS que está no mundo ocidental e sua projeção geopolítica é muito menor do que Rússia, China e Índia por poucas e boas razões.
1. O Brasil, único entre os quatro, se atrelou de forma subserviente ao sistema financeiro americano e, se havia alguma dúvida, a nomeação de um executivo de banco americano com vida, carreira e fortes ligações com os EUA no Ministério da Fazenda é prova dessa situação de dependência, completada com outro figurante como presidente do Banco Central, que tem tênue ligação com o Brasil, uma vez que é nascido em outro País e terminou sua educação nos EUA, onde montou sua carreira acadêmica, depois se vinculando ao sistema financeiro privado imune à crise profunda da economia brasileira.
Enquanto isso, os Ministros da Fazenda dos demais BRICS (Nota deste blog: Exceto África do Sul, cuja situação este blog desconhece) são elementos profundamente enraizados no sistema político de seus respectivos países, sendo expressão do circulo do poder interno. Caso de Alexey Ulyukaev da Rússia, Zhou Xiaochuan da China e Arun Jaitley da Índia. Nasceram e construíram suas carreiras dentro do ambiente desses Estados, não tem nenhuma ligação privada com Wall Street.
Na mesma situação de perfil nacional, se encontra a economista e servidora pública de carreira de Estado Elvira Nabiulina, o presidente do Banco Central da Rússia, Lou Jinei, o presidente do Banco da República Popular da China (banco central) e Urjit Patel, presidente do Banco de Reserva da Índia (banco central). Patel é o nome de uma das famílias mais importantes da Índia que está na raiz profunda do Poder indiano, grupo que caminha desde a independência como líder de seu projeto nacional até agora vitorioso; a Índia é hoje campeã mundial de crescimento.
O Brasil preferiu entregar o total de sua economia a dois senhores ligadíssimos ao mercado financeiro americano, o que demonstra uma subserviência que apequena qualquer País que se pretenda grande e com um Estado poderoso a representá-lo. Os dois comandantes da economia brasileira têm condições de, em 24 horas se mudaram para o exterior: um tem residência em Nova York, outro tem um sólido passaporte de cidadão nato em outro País, cuja língua oficial é a sua língua materna. Portanto, são tênues suas vinculações profundas com o Brasil, são cidadãos globais que não têm seu destino dependente do Estado brasileiro, estão de passagem pelo Brasil, como poderiam estar em Montreal.
Um País que coloca sua economia em subordinação completa ao sistema internacional não pode ser respeitado por Estados fortíssimos com Governos que mandam de forma inconteste em seu território, sem nenhuma possibilidade de ser emparedados por mídia, judiciários ou legislativos. Enquanto isso, o Brasil se apresenta com um governo que a qualquer momento pode ser derrubado por um juiz, uma capa de revista ou pelo tribunal eleitoral por um voto desgarrado. Quanto vale um Estado com essa vulnerabilidade e essa fragilidade perante fortalezas nucelares de diplomacia dura e determinada como Índia, China e Rússia?
2. Acordos de cooperação judiciária são, por definição, instrumentos de cessão de porções de soberania e seu valor deve ser medido pelo que dão em troca desse preço alto e perigoso de se misturar jurisdições, pendendo sempre para o lado mais forte.
O Brasil é campeão em acordos de cooperação judiciária feitos sem saber bem por que ou para que; a impressão que dá é que grupos dentro do País acham bonito assinar esses acordos, cujos resultados práticos para o Estado brasileiro são até agora negativos. Mas uma coisa é assinar um Acordo com o Uruguai, outra muito diferente é assinar com os Estados Unidos, País que não costuma vender barato sua assinatura em acordos.
O Brasil aceitou com absoluta normalidade a JURISDIÇÃO dos EUA sobre suas empresas, algo aberrante e completamente discutível à luz do Direito Internacional. Por que o Departamento de Justiça dos EUA pode processar a PETROBRAS por corrupção ocorrida no Brasil envolvendo corruptos e corruptores brasileiros? Por que o Departamento de Justiça pode processar a EMBRAER por corrupção ocorrida na Índia, na República Dominicana e na Arábia Saudita, multando a EMBRAER em US$ 206 milhões, já reconhecidos e pagos? Qual a jurisdição americana sobre empresas brasileiras sobre fatos que não ocorreram nos EUA? Por que o Brasil deve aceitar essa jurisdição? Por que não se debate esse assunto Estado a Estado?
Esse acordo foi aprovado por decreto legislativo sem a mínima discussão sobre suas consequências, alcance, salvaguardas, quem negociou, e por que o fez. Não é um acordo normal, até agora só os EUA ganharam com esse acordo; em um único caso onde o Brasil poderia invocar a seu favor o Acordo não o fez ou não pode: o caso dos pilotos do Legacy, situação que causou a morte de mais de cem brasileiros; os pilotos fugiram para os EUA e obviamente jamais cumprirão a pena a que foram condenados no Brasil. Para que serve ao Brasil esse acordo? Mas serve aos EUA, que arrecadam centenas de milhões de dólares em multas sobre empresas brasileiras relativamente a fatos ocorridos fora dos EUA.
O fato do Estado nacional brasileiro aceitar essa jurisdição nos desqualifica totalmente como potência ou como um Estado nacional forte. Alguém pode imaginar a Rússia, a Índia e a China aceitarem jurisdição americana sobre suas empresas fora dos Estados Unidos?
E a coisa é ainda muito pior: o Departamento de Justiça indicou e aprovou advogados americanos para fazerem uma investigação DENTRO da Petrobras, pelo que esta empresa pagou ou vai pagar quase US$ 160 milhões de honorários a advogados americanos, só para investigar corrupção dentro da estatal. Os escritórios são Gibson, Dunn de Los Angeles e Baker Mackenzie de Chicago, que há dois anos vasculham a contabilidade e os arquivos da Petrobras com carta branca, tudo visto como normal pelo Governo brasileiro.
O Acordo de Cooperação Judiciaria Brasil EUA, de 2001, no seu artigo 3º, item I, letra 'b', reza que no caso de uma investigação afetar o "interesse essencial" do País contratante, esse País pode retirar a ocorrência do âmbito do acordo. Há, portanto, cláusulas de salvaguarda do interesse essencial pelas quais o Brasil poderia retirar os casos Petrobras e Embraer, empresas de interesse nacional, do âmbito da jurisdição do Acordo.
Quanto à própria jurisdição americana invocada pelo Departamento de Justiça ela é AMPLAMENTE DISCUTÍVEL, como qualquer tema de Direito Internacional.
A Lei FCPA jamais poderia ser aplicada à Petrobras porque esta não está sob jurisdição americana sob nenhum ponto de vista e, ainda se fosse aplicável, o Governo Brasileiro tinha OBRIGAÇÃO de discutir essa jurisdição duvidosa e afrontosa usando seu poder político e diplomático. Esses temas estão sempre em cima da mesa para serem discutidos, em Direito Internacional ninguém pode invocar um direito por si só exigindo obediência fora de suas fronteiras, a menos que use força militar ou sanções. Nem o Conselho de Segurança da ONU tem jurisdição sobre o mundo, e suas decisões podem ou não ser obedecidas; há países como Israel que jamais tomam conhecimento dessa jurisdição internacional.
Os EUA são refratários à jurisdição estrangeira, não fazem parte de Cortes internacionais e requerem imunidade jurídica em países com os quais têm Tratado de Cooperação militar.
O operador  brasileiro do Acordo de Cooperação Judiciária com os EUA é EXCLUSIVAMENTE o Ministério da Justiça, não são juízes ou procuradores. Nada pode ser feito no âmbito desse acordo sem autorização do Ministério da Justiça, mas jamais se soube que algum Ministro da Justiça do Brasil tenha se apresentado em Washington a favor da Petrobras ou da Embraer, por quê? Porque aceitam como natural a jurisdição americana sobre nossas empresas.
É muita submissão para qualquer país que se respeite e é por isso que o Brasil não é respeitado nos BRICs, um País que aceita sem questionar soberania estrangeira sobre suas empresas, vai ser visto como?
Então, um País que se submete a Wall Street porque nomeia duas figuras desse "círculo" (um que mora em Nova York, outro estrangeiro nato) para conduzir sua economia, e um País que aceita alegremente e até com orgulho a jurisdição americana sobre suas empresas de interesse nacional NÃO tem como ser respeitado, um Governo que pode ser derrubado por uma rede de TV, um juiz de 1ª instância ou uma capa de revista não vai ser visto como controlador de um Estado nacional forte como são Rússia, Índia e China, onde ninguém desafia o Poder executivo, com ou sem democracia. Um Estado é um ente superior.
Há uma ironia na avaliação das grandes potências sobre os países emergentes que estão entrando no cenário mundial após a reconfiguração do mapa geopolítico pós Guerra Fria.
Enquanto os intelectuais e movimentos sociais elogiam a democracia mais plena possível, os Governos das grandes potências respeitam os Estados com poder concentrado e definido, com estratégias e projetos claros e seguros, porque o Governo está solidamente no Poder.
Um Estado dilacerado, com o Poder executivo contestado continuamente pelos demais poderes, perde estatura internacional e torna-se um Estado fraco e não respeitado. Enquanto os acadêmicos e mídia criticam a ditadura chinesa, os Governos respeitam profundamente o Poder chinês, incontestado, ditatorial e com claro projeto de País.
Enquanto os círculos liberais da academia e da mídia têm críticas intelectuais ao Politburo chinês, uma caixa preta de poder, à oligarquia que governa a Índia desde a Independência e ao poder mafioso na Rússia, as chancelarias ocidentais têm uma admiração reverencial pelo poder autoritário desses três grandes Países e não têm nenhum respeito pelo poder fragmentado e acuado do governo do Brasil, onde corporações judiciárias desequilibram a governabilidade do Poder executivo (...).

Por exemplo, em outros emergentes de ranking imediato ao do Brasil, como México, Colômbia, Argélia, Indonésia, não há remotamente uma situação de cerco ao Poder executivo como tem o Governo brasileiro, emparedado por procuradores e juízes, não sendo obviamente esses países purificados de corrupção.
O enfraquecimento do Poder central no Brasil leva à extraordinária perda de valor das cartas que o Governo brasileiro pode apresentar nos foros internacionais; afinal, o que se governa, se não controla sequer sua policia? Não me refiro ao Governo atual, e sim ao Governo do Brasil como instituição política, em rampa descendente desde a Constituição de 1988. Por reação ao Governo Militar, enfraqueceu extraordinariamente o Executivo; a Constituição necessita de reforma para concentrar o Poder na Presidência, como acontece em todos os grandes Países, tal qual fez a França com a Constituição da 5ª República, que acabou com a "malaise" política que vinha desde o fim da Guerra.
Se o Poder Central se enfraqueceu com a Constituição de 88, ele se esfacelou com o Governo Lula, que nunca teve controle do País, e essa realidade se evidenciou com toda a força no processo do Mensalão, quando o Governo foi pautado primeiro pelo Congresso e depois pelo Supremo Tribunal, sem reagir ou porque não quis ou porque não pode, culminando com a neutralização do Ministério da Justiça e com o empoderamento extraordinário das corporações judiciárias, hoje maiores geradoras de normas do que o Congresso e o Executivo, transformando-se no verdadeiro poder central no País.
Na geopolítica a Democracia é um valor relativo e o Poder é um valor absoluto. Bate-se palmas para a Democracia, mas se respeita mesmo é o Poder.
No tabuleiro do Poder global cada um apresenta suas cartas, e o Brasil não tem cartas para apresentar; um Estado vassalo, fragmentado e submisso não tem cacife para o jogo mundial. (Fonte: Jornal GGN - aqui).

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A justificativa para a Petrobras ser acionada na Justiça norte-americana reside no fato de ela haver - desde o governo FHC, que pretendia torná-la mais, digamos, atraente para efeito de privatização - passado a ter papéis negociados na bolsa de valores de Nova York, subordinando-se, em decorrência, às suas regras.

A propósito do BRICS, o fortalecimento das parcerias 'não alinhadas' seria a alternativa ideal para contrabalançar, mesmo que parcialmente, a pressão que poderá vir do tsunami Trump, que prenuncia o cada um por si, o quem for fraco que se arrebente.

Por último, uma reflexão: Analistas defendem que um país, para sobressair-se no cenário global, precisa contar com um Poder Central que se coloque em patamar superior ao Estado Democrático de Direito, não devendo satisfações a quaisquer instâncias. Não parece sensato aplaudir a ideia...

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