sábado, 12 de novembro de 2016

O SONETO IMORTAL DE SHAKESPEARE


A história do mais famoso soneto de Shakespeare

Por Gilberto Cruvinel

Manuel Bandeira dizia que o soneto é uma composição poética de quatorze versos distribuídos em dois quartetos e dois tercetos. Mas o que faz o soneto, acreditava o poeta pernambucano, é antes um certo equilíbrio de volumes líricos genialmente esquematizado por essa divisão de dois quartetos e dois tercetos. Os poetas ingleses não respeitam muito essa estrutura do soneto, por eles tratado como um todo de quatorze versos. Para Bandeira, era importante manter o esquema, tudo o mais era acessório: metro, rimas.
O soneto 18 é certamente o mais famoso na coleção de sonetos de Shakespeare e talvez seja o mais conhecido poema lírico em língua inglesa. Da obra do bardo inglês, talvez só o monólogo de Hamlet “Ser ou não ser” e o monólogo de Julieta “Ó Romeu, Romeu! Onde estás Romeu?” sejam mais conhecidos.
No tempo de Shakespeare, geralmente o soneto  era dito ou recitado ou escrito para grandes ocasiões, casamentos, nascimentos, celebrações. No caso do soneto 18, era uma elegia. Um poema lírico em tom terno e triste, uma canção de lamento.
Shakespeare tinha três filhos, um deles, um menino, chamado Hamnet. Hamnet, não Hamlet, a peça. Seu filho Hamnet ficou muito doente e Shakespeare estava em Londres trabalhando. E aqui, vemos um homem, um pai, com uma vida e problemas tal qual eu e você. É claro, ele tinha que ir ver o filho. Hoje em dia, se você tomar um carro a partir do centro de Londres até Stratford Upon-Avon, onde a família morava, não levará mais que 90 minutos. Naquele tempo, o dramaturgo inglês levou três dias.
Então, Shakespeare partiu e foi até lá e quando chegou a Stratford foi recebido por sua família e descobriu que seu filho estava morto e enterrado. Não havia nada a fazer. Mas, o que poderia ele fazer além de confortar sua família? Para superar isso, o que ele ia fazer? Vocês podem imaginar a dor. Podemos imaginar que, talvez, depois que todos tivessem ido dormir, ele ficava acordado, com uma vela e sua pena. E ele escreveu, ele fez o que Shakespeare podia fazer melhor.
E ele escreveu o soneto 18,  "Posso comparar-te a um dia de verão", onde ele fala sobre a eternidade, "até onde homens puderem respirar e olhos puderem ver", ele viverá para sempre. Ele congelou no tempo o pequeno Hamnet em sua mente, para ser imortal na vida de Shakespeare.
Soneto XVIII
Tradução de Ivo Barroso

Devo igualar-te a um dia de verão?
Mais afável e belo é o teu semblante:
O vento esfolha Maio inda em botão,
Dura o termo estival um breve instante.
Muitas vezes a luz do céu calcina,
Mas o áureo tom também perde a clareza:
De seu belo a beleza enfim declina,
Ao léu ou pelas leis da Natureza.
Só teu verão eterno não se acaba
Nem a posse de tua formosura;
De impor-te a sombra a Morte não se gaba
Pois que esta estrofe eterna ao Tempo dura.
Enquanto houver viventes nesta lida,
Há-de viver meu verso e te dar vida.
Soneto XVIII
Tradução de Geraldo Carneiro 
Te comparar com um dia de verão?
Tu és mais temperada e adorável.
Vento balança em maio a flor-botão
E o império do verão não é durável.
O sol às vezes brilha com rigor,
Ou sua tez dourada é mais escura;
Toda beleza enfim perde o esplendor,
Por acaso ou descaso da Natura;
Mas teu verão nunca se apagará,
Perdendo a posse da beleza tua,
Nem a morte rirá por te ofuscar,
Se em versos imortais te perpetuas.
Enquanto alguém respire e veja e viva,
Viva este poema, e nele sobrevivas.
Sonnet 18
Shall I compare thee to a summer’s day?
Thou art more lovely and more temperate.
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer’s lease hath all too short a date..
Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimmed;
And every fair from fair sometime declines,
By chance, or nature’s changing course, untrimmed;
By thy eternal summer shall not fade,
Nor lose possession of that fair thou ow’st,
Nor shall death brag thou wand’rest in his shade,
When in eternal lines to Time thou grow’st.
So long as men can breathe, or eyes can see,
So long lives this, and this gives life to thee.
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Fontes:
2.      Geraldo Carneiro, O Discurso do Amor Rasgado poemas e fragmentos de William Shakespeare, p. 122, 123, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2012.
3.      Shakespeare, William; in Barroso, Ivo (tradução e apresentação). "William Shakespeare 50 Sonetos.". Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011
5.       Manuel Bandeira, “Andorinha, andorinha”, Organização de Carlos Drummond de Andrade, Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1966, 1ª edição.

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(Jornal GGN - Aqui).

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