quarta-feira, 16 de novembro de 2016

DA SUBVERSÃO DA GEOPOLÍTICA


"Se a análise política de fundo vale alguma coisa em confronto com a boçalidade dos comentaristas da tevê Globo e Veja, pode-se concluir que há  grande probabilidade de o governo Trump trazer para o mundo uma era de prosperidade econômica sem paralelo. Não falo da política interna. Sinceramente, ela não me interessa. É que o suposto elemento de regressividade prometida nesse campo pelo novo presidente será contrabalançado, e até anulado, pelo fortíssimo movimento de defesa dos direitos civis norte-americano.     
O aparente enigma vem do exterior, e ele já pode ser decifrado em vários aspectos. O principal deles está associado ao caráter profundo da política externa dos Estados Unidos.  É uma política estruturada em duas vertentes. A primeira, econômica, visa essencialmente a abrir espaço para as empresas norte-americanas no mundo. A segunda, geopolítica, visa à confirmação recorrente do poderio militar do país, especialmente depois que apareceu diante dele um rival com poderio nuclear capaz de desafiá-lo, a União Soviética e agora a Rússia.
Tradicionalmente o comando da estratégia norte-americana cabia a geopolíticos, que tinham ascendência sobre os interesses econômicos. Houve exceções, é verdade, como a relacionada com a política imperialista do petróleo. Acontece que petróleo desfruta de duas naturezas, uma geopolítica, por ser um insumo fundamental em termos bélicos convencionais, e outra econômica, pela importância universal de sua cadeia produtiva. Em outras  situações, o intervencionismo americano se deveu exclusivamente à geopolítica, como na América  Central.
Agora, pela primeira vez na história americana, tem-se um empresário – não um empresário comum, mas um mega-empresário produtivo – no comando da estratégia nacional e imperial. O capital produtivo – sim, é o que ele representa, não Wall Street – não será representado pelos geopolíticos, mas atuará diretamente segundo seus interesses. Muito provavelmente não serão inventadas guerras de honra, como a segunda do Iraque, ou as múltiplas intervenções no exterior, como no caso da chamada Primavera Árabe.
O fato é que, exceto para o complexo industrial-miliar, guerra hoje em dia não dá muito dinheiro. A prova é o sucesso econômico espetacular da China com módicos investimentos militares, em comparação com Estados Unidos. Além do mais, sabe-se desde o plano militar megalômano de Reagan que investimentos bélicos, num mundo de altíssima tecnologia, geram poucos empregos. O material usado são chips, com uma dimensão material muito menor do que a da antiga indústria bélica baseada em canhões, tanques, aviões.
Trump, consciente ou não, vai aplicar seu pragmatismo no espaço que abre para seu país uma real perspectiva de crescimento: Rússia. A relação norte-americana com a China não promete muito mais do que já deu. A indústria dos Estados Unidos está profundamente penetrada em território chinês, e a ideia de fazer isso retroceder não se compatibiliza com a visão pragmática de Trump. Ademais, boa parte dos investimentos americanos na China são de norte-americano vinculados ao Partido Republicano. Mas por aí não dá crescimento.
Já a Rússia é uma terra virgem a ser conquistada. Tão logo sejam levantadas as estúpidas restrições econômicas que os “estrategistas” americanos impuseram ao país, Putin, ele também um pragmático, abrirá as portas ao investimento dos Estados Unidos. Com os recursos naturais que tem e com a mão de obra especializada herdada da União Soviética, a Rússia é um território de conquista sem paralelo para o capital, revertendo sua tendência secular à queda. A meu ver, estará aí o grande espetáculo econômico do século XXI.
Não só isso. A Rússia é a Ásia profunda, que se complementa com a China, a Índia, o Japão. Uma vez retiradas as barreiras geopolíticas idiotas, essa mega-região poderá puxar o mundo para o crescimento, inclusive o Brasil, neste caso se não tiver o terrível azar de ter alguém tão inexpressivo na Presidência, como Temer, e alguém tão despreparado para o cargo de Ministro das Relações Exteriores, como José Serra. E o azar ainda maior de ter por trás deles algo tão desprezível como o sistema de comunicação da Globo e da Veja.
Putin é um ás da estratégia. Tem dado um baile nos geopolíticos americanos na Geórgia, na Ucrânia (Crimeia) e na Síria. Não perderá essa oportunidade de por a Rússia na trilha do crescimento. Há ali toda uma infra-estrutura do crescimento que está sendo preparada pela China, a partir da Rota da Seda, assim como uma formidável estrutura de financiamento que inclui Banco Asiático de Investimento, Fundo de Investimento da Rússia, Fundo da Rota da Seda, Cia de Financiamento do Desenvolvimento da Infraestrutura, Novo Banco de Desenvolvimento (BRICS). Diante desse aparato, só continuaremos a aceitar condicionalidades especulativas do Banco Mundial e do FMI se cometermos crimes de lesa-pátria."




(De J. Carlos de Assis, post intitulado "Trump e Putin apontam nova era de prosperidade para o mundo", publicado no Jornal GGN - aqui.

Trata-se, sem dúvida, de uma abordagem inesperada, para dizer o minimo.

Quanto aos gastos militares dos EUA e o uso da expressão 'complexo industrial-militar', ocorre-nos invocar opinião deste blog e valiosa observação externada por Aurélio Junior, leitor do Jornal GGN, no post - deste blog - "OS EUA: PERSPECTIVAS GLOBAIS (E UMA ATENTA OBSERVAÇÃO)" - aqui -:

"(...) Relativamente aos gastos militares dos EUA, cumpre notar que as bilionárias dotações orçamentárias dificilmente virão a ser reduzidas: a fabricação de componentes encontra-se (deliberadamente) espalhada por vários estados, e cada um deles, por intermédio de seus representantes políticos e empresariais,  pressionarão no sentido de que suas fatias sejam preservadas.

NOTA

Transcrevemos, por valiosa, observação do leitor Aurélio Junior:

"Esta classificação de "complexo industrial militar" é um dos conceitos mais ultrapassados que ainda vicejam em discursos, teses e demais abobrinhas que rotineiramente são cometidas, por vários "entes sociais" fora do ramo, que estacionaram nos anos 90 do século passado.
   No contexto norte-americano é utilizado o acrônimo A & D (Aerospace and Defense), cujas varias indústrias, entidades, laboratórios, são representadas pela AIA (Aerospace Industries Association - "The voice of american aerospace & defense") - um organismo de lobby privado do qual um dos últimos associados recebidos foi o Facebook, e logo depois o Mr. Elon Musk (criador do PayPal) através da Tesla e da SpaceX.
   Em sua última demonstração, a AIA mostrou que este setor proporciona: 1,7 milhão de empregos, com renda média superior em 44% a outros do setor industrial, e no quesito exportações líquidas, foi em 2015 o maior dos Estados Unidos, auferindo US$ 143 Bilhões.
    As demandas da AIA foram apresentadas diretamente a Trump em julho passado, e continuam as mesmas  como explanadas na carta de felicitações a sua eleição (www.aia-aerospace.org/aia-congratules-president-elect-trump-and-the-115-.......).
     O defunto "complexo industrial militar" foi declarado morto por Willian Perry, quando secretário de defesa de Clinton, no famoso "The Last Supper". ( www.defensenews.com/articles/30-years-willian-perry-reshaping-the-industry ).
     O próximo nível da indústria de defesa e consequentemente dos orçamentos destinados a esta área, para que inclusive não apareçam exclusivamente nesta rubrica (defesa), será a terceirização de vários serviços e ramos das FFAA, como ocorre na experiência britânica - a mais avançada no momento -, onde até a manutenção de seu arsenal nuclear foi terceirizada (LM), como também os serviços de "busca e resgate" (SAR), através de contratos de longo prazo, assim como suas comunicações estratégicas (Paradigm), ou, como estamos para fazer aqui no Brasil, terceirizando a manutenção de nossos blindados pesados (Leopard e Gepard), para a unidade industrial da KMW em Santa Maria/RS.")

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