Ligações perigosas em comerciais na grande mídia
Por Wilson Ferreira
Certa vez, nos meus tempo de faculdade de jornalismo, Carlos Eduardo Lins da Silva (jornalista e pesquisador, ex-correspondente internacional da Folha), na época professor da disciplina Comunicação Comparada, disse para a minha classe: ao fazer a análise de conteúdo de um telejornal, preste atenção nos seus anunciantes.
Isso porque é comum associar manipulação da informação com Governos e regimes totalitários. Mas em uma democracia, normalmente não são governos que financiam as mídias mas anunciantes como corporações, holdings e grupos empresariais. Muitas vezes os interesses dos anunciantes não se limitam apenas a publicizar seus produtos e serviços em um programa com altos índices de audiência – buscam também comprar o silêncio de telejornais, desestimulando reportagens ou matérias investigativas que possam atingi-los.
Principalmente quando o anunciante mantém relações promíscuas com o próprio governo. Isso pode estar por trás do atual “case” do Banco Original, onipresente nos intervalos publicitários em diversos telejornais de várias emissoras, principalmente da TV Globo – nessa emissora seus comerciais se repetem tanto em telejornais locais (SPTV) quanto nacionais como Hoje e Jornal Nacional.
Começamos a coçar a pulga que fica atrás da orelha quando sabemos que o atual Ministro da Fazenda do governo interino de Michel Temer foi, até recentemente, presidente do Conselho de Administração da J&F, holding dona do Banco Original, JBS Friboi, Swift, Massa Leve, Vigor, Doriana, Havaianas entre outras.
O Original foi criado anos atrás para dar empréstimos aos fornecedores de gado do JBS. Depois de chegar ao J&F, em 2012, Meirelles se envolveu no projeto de mudar o perfil do banco para atrair clientes de alta renda para se tornar com um perfil parecido com BankBoston, do qual foi presidente global nos anos 1990.
No primeiro mandato do Governo Lula, Meirelles foi considerado a principal voz da equipe econômica. Coincidentemente, na gestão petista o BNDES foi bastante generoso com o JBS Friboi com empréstimos de R$ 2,5 bilhões.
Hoje a credibilidade do grupo está associada diretamente à atuação de Meirelles, primeiro como presidente do Banco Central da Era Lula, agora como Ministro da Fazenda de Temer.
"...mas a carne é Friboi?"
Desde então, o grupo JBS Friboi empreendeu uma massiva campanha publicitária inserindo anúncios caríssimos no horário nobre da TV pagando cachês milionários a artistas globais como Tony Ramos, Fátima Bernardes e até para o vegetariano Roberto Carlos. Com direito a viralizar o slogan “a carne é Friboi?” criando memes e o temor dos mais paranoicos de abrir a geladeira e dar de cara com o ator global lhe fazendo essa pergunta.
Essa espalhafatosa campanha publicitária evidentemente tem o poder de amansar a grande mídia, desestimulando qualquer ímpeto jornalístico investigativo que possa revelar as perigosas ligações desse sucesso empresarial turbinado com financiamento público.
O que lembra o recente episódio do milionário comercial da Samarco (de triste memória associada à catástrofe ambiental e humana em Mariana/MG) inserido no horário nobre e no programa Fantástico da Globo criando um evidente “conflito de interesse”: Samarco patrocinando telejornais que supostamente deveriam ser imparciais nas reportagens investigativas sobre a responsabilidade da empresa na tragédia mineira.
Agora a vez é do Banco Original, depois de investir R$ 600 milhões em sua plataforma digital para oferecer crédito e investimento em operações totalmente fechadas pela Internet. Essa ação coincidiu com o momento em que o nome de Meirelles passou ostensivamente a circular no meio político como forte candidato a integrar o governo Temer.
Meirelles estava tão envolvido com o projeto que quase se tornou o garoto-propaganda da campanha publicitária. Ideia abortada depois que se viu confirmado no cargo de ministro da fazenda.
Primeira Ironia: "Infotenimento?'
As ligações perigosas entre BNDES, JBS Friboi, J&F, Meirelles e grande mídia revelam curiosas ironias.
Primeiro, a promiscuidade entre telejornalismo e interesses empresariais, que parece ampliar o apagamento das fronteiras midiáticas entre ficção e realidade. Essa massiva investida da J&F nos meios de comunicação coincide com a onda migratória de jornalistas para o mundo dos programas de entretenimento. Fátima Bernardes e Ana Paula Padrão são os exemplos atuais onde jornalistas migram para programas matutinos ou para o reality gastronômico MasterChef da Band.
A credibilidade angariada no jornalismo é levada para o entretenimento para criar uma linguagem paradoxal que procura tornar a ficção mais “realista” ou “crível” - sobre essa tendência do jornalismo atual chamada “infotenimento” clique aqui.
Fátima Bernardes fazendo testemunhais dos produtos Seara e Ana Paula Padrão fazendo uma entusiástica apresentação do aplicativo do Banco Original. Nos intervalos de telejornais. O que acabou criando uma outra situação irônica: a ex-âncora do Jornal da Globo aparecendo no comercial do próprio patrocinador do telejornal.
Segunda ironia: "cara dura"
E a segunda ironia é que essas ligações perigosas que criam um evidente campo de conflito de interesse é agora explícita, ou, para ser mais ostensivo, na “cara dura”. Se no passado teses e dissertações em Teoria do Jornalismo discutiam essas questões no âmbito da pesquisas e investigações que necessitavam de ferramentas conceituais e de esforço físico do investigador em correr atrás dos dados, hoje está tudo explícito e jogado diariamente na cara de todos os telespectadores.
O que parece ser uma característica da atual Era Temer: um presidente foi deposto sob um pretexto (“pedaladas fiscais”) que é tão insustentável que até o ministro do STF Gilmar Mendes teve que confessar para jornalistas na Suécia que não houve nenhum crime e que o impeachment foi uma iniciativa puramente “política” – eufemismo para “golpe”, “coup” – sobre isso clique aqui.
E agora, mais um exemplo para esse “espírito do tempo” atual com ligações promíscuas “na cara dura” entre o ministro Meirelles e a grande mídia.
É irônico que em plena era das informações em tempo real onde tudo está disponível 24 horas como um gigantesco banco de dados, vivemos paradoxalmente a época de menor transparência. Mesmo estando tudo visível e jogado diariamente na nossa cara. O que lembra uma das teses do pensador francês Jean Baudrillard: “a mais alta pressão da informação corresponde a mais baixa pressão do acontecimento e do real”.
Esse é o espantoso fenômeno da compra do silêncio midiático. Principalmente sabendo-se que, como revelou o repórter Leandro Prazeres no site UOL, a J&F e JBS Friboi têm um grande comprometimento com doações a campanhas políticas: em 2014 foi o maior doador em patrocínio eleitoral com R$ 366,8 milhões, superando a construtora Odebrecht (R$ 111 milhões) e o Bradesco – cerca de R$ 100 milhões. (Fonte: Cinegnose - AQUI).
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