sábado, 12 de março de 2016

O MP E O APEQUENAMENTO DO MP


"O Brasil tem umas coisas inacreditáveis. Sério, não é possível que o mundo seja tão criativo quanto a gente. Olha esse absurdo: o processo que corre em segredo de justiça é disponibilizado pela imprensa na internet (quem vazou, ó dúvida cruel?) para qualquer um ver. Mas, se o advogado de um dos dezesseis acusados tentar consultar o processo no balcão do fórum, não poderá. Pelo sigilo e burocracia, a defesa tem que esperar o noticiário da tarde para saber do que se trata a acusação.

Por que cazzo existe segredo de justiça nesse país, então? De verdade, o jogo seria mais limpo se isso não existisse.
Nesse esconde esconde sigiloso, pelos corredores, havia a apreensão, inclusive de adeptos do PT, quanto ao que a acusação tinha em mãos contra Lula. A divulgação a conta-gotas todos os dias deixou o clima apreensivo, paranoico. Tanto que, quando vi a notícia do pedido de prisão de Lula, um pensamento atravessou direto minha cabeça - Cheque mate. Acabou para ele. Afinal, Lula é tão grande enquanto figura pública, que, caso os promotores quisessem atingi-lo de morte, teria de ser uma coisa indefensável e certeira.
Do ponto de vista estratégico de uma acusação de qualidade e efetiva, explica-se com uma comparação boa para quem é do mundo geek. Imagine o ex-presidente Lula (vilão) como a Estrela da Morte do Star Wars e os promotores como o Skywalker (mocinhos) que só tinha um míssel para disparar em um determinado lugar e causar a destruição da gigante nave. Em outras palavras, acusações frágeis são ingratas e fortalecem a imagem do réu, ante o enfraquecimento e desmoralização dos "herois". Exatamente tudo que o Ministério Público não precisa nesse momento e a opinião inquisidora não quer.
Fui ler, então, e me dei conta de que além de inacreditáveis, o Brasil tem outras coisas tragicômicas. Trágico porque, de forma infantil, três promotores de justiça se imaginam no direito de fazer uma acusação capenga e um pedido de prisão patético, movido pelo amor e ódio ao petismo. Essa irresponsabilidade frusta não só os torcedores da prisão de Lula, como também abala a vida de muitas pessoas, do réu e todo seu círculo íntimo. O pior é a sensação evidente de que o pedido foi acelerado para uma foto bonita no jornal, acompanhada de uma vaidosa tentativa de manter competência processual para investigar e acusar.
De outro lado, é cômico e sarcástico imaginar a energia obtida pela aversão política dos promotores a Lula sendo canalizada em um pedido de prisão tão apaixonado e… cego. Tratando-se de Justiça brasileira, é possível que a prisão seja convertida, mas o pedido continuará sendo pífio.
Pífio porque para se prender uma pessoa, os três ilustres promotores conseguiram apenas destilar seu ódio político na figura do ex-presidente - apesar de não acreditar que seja saudável, é direito deles odiar, desde que nutram esse rancor no campo da vida pessoal; jamais o tragam para o processo. No caso, trouxeram. E muito. Segundo os membros do MP, uma das razões da necessidade da prisão de Lula é sua “força político-partidária para movimentar grupos de pessoas que promovem tumultos e confusões generalizadas”. Essa capacidade de mobilizar bárbaros para benefício próprio teria ficado evidente no fatídico dia da frustada audiência do ex-presidente.
Naquela ocasião, segundo os promotores, adeptos políticos "iniciaram confusão, com agressões a outros manifestantes e pessoas que se encontravam de forma democrática no local” - detalhe para a colocação nada sutil de quem estava lá de forma democrática e quem eram os vândalos. Na intenet circula uma imagem que questiona: de onde o MP tirou essa argumentação, das provas do inquérito ou das correntes de whatsapp?
Após essa fundamentação alucinada, há um parênteses de três parágrafos na peça acusatória para crítica (?!) à presidenta Dilma e sua viagem de visita ao ex-presidente logo após a conturbada condução coercitiva. Ao final, fundamentaram ainda a necessidade da prisão no poder que um Ex-Presidente da República tem em mãos para fugir do país. Chega a ser um delírio, tanto lógico, fático e processual, uma vez que, partindo da tese acusatório, Lula a) jamais teria condições de sair do Brasil, pois sempre haverá a mídia grudada; b) não ganha nada na política fugindo do país - melhor virar ministro e ganhar tempo e c) não demonstrou nenhum indício de que ele faria isso algum dia. 
A vergonha alheia aumenta mais quando, para mostrarem erudição, os promotores exibem uma ignorância profunda, como na hilária troca de Engels por outro filósofo, formando a inédita dupla Marx e Hegel. Até a noite de hoje, essa dupla inventada pelos promotores era trending topic no twitter - volto ao início do texto, em especial na parte da desmoralização dos acusadores fracos. São três patetas que ainda fundamentaram o pedido de prisão em um palavrão dito por Lula. Surreal.
Repito: causa espanto uma fundamentação dessa. Seja pela falta de técnica jurídica, pelo ódio político-partidário como fundamentação de um pedido de prisão, ou ainda, pela ingenuidade estratégica. Francamente, o Ministério Público é um gigante e deve ser muito maior que isso."



(De Brenno Tardelli, diretor do site jurídico 'Justificando', post intitulado "Pedido de prisão de Lula pelo Ministério Público causa vergonha alheia", publicado no Jornal GGN - aqui.

"Francamente, o Ministério Público é um gigante e deve ser muito maior que isso.", diz o articulista. 

A propósito:


PROMOTORES E PROCURADORES LANÇAM MANIFESTO CONTRA PRISÃO ALOPRADA

Agorinha, no jornal O Dia:
Brasília – Um grupo de promotores de Justiça, procuradores da República e procuradores do Trabalho, integrantes do Ministério Público de diversas partes do Brasil, que se diz “imbuído da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos fundamentais, individuais e coletivos”, conforme, segundo o mesmo grupo, prevê a Constituição Federal, assinou nesta sexta-feira um texto de repúdio ao que considera “banalização da prisão preventiva”.
Nesta quinta-feira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi alvo, de um pedido de prisão preventiva feito pelo Ministério Público Estadual de São Paulo. A decisão do MPE paulista despertou críticas entre magistrados e até mesmo entre políticos de oposição, que consideram o pedido “sem consistência e fundamentação”.
“O grupo vêm a público externar sua profunda preocupação com a dimensão de acontecimentos recentes na quadra política brasileira, e que, na impressão dos/as subscritores/as, merecem uma reflexão crítica, para que não retrocedamos em conquistas obtidas após anos de ditadura, com perseguições políticas, sequestros, desaparecimentos, torturas e mortes”, diz o texto, que também enumera:
1. É ponto incontroverso que a corrupção é deletéria para o processo de desenvolvimento político, social, econômico e jurídico de nosso país, e todos os participantes de cadeias criminosas engendradas para a apropriação e dilapidação do patrimônio público, aí incluídos agentes públicos e privados, devem ser criteriosamente investigados, legalmente processados e, comprovada a culpa, responsabilizados.
2. Mostra-se fundamental que as instituições que compõem o sistema de justiça não compactuem com práticas abusivas travestidas de legalidade, próprias de regimes autoritários, especialmente em um momento em que a institucionalidade democrática parece ter suas bases abaladas por uma polarização política agressiva, alimentada por parte das forças insatisfeitas com a condução do país nos últimos tempos, as quais, presentes tanto no âmbito político quanto em órgãos estatais e na mídia, optam por posturas sem legitimidade na soberania popular para fazer prevalecer sua vontade.
3. A banalização da prisão preventiva -aplicada, no mais das vezes, sem qualquer natureza cautelar – e de outras medidas de restrição da liberdade vai de encontro a princípios caros ao Estado Democrático de Direito. Em primeiro lugar, porque o indivíduo a quem se imputa crime somente pode ser preso para cumprir pena após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (CF, art. 5º, LVII). Em segundo lugar, porque a prisão preventiva somente pode ser decretada nas hipóteses previstas no art. 312 do Código de Processo Penal, sob pena de violação ao devido processo legal (CF, art. 5º, LIV).
4. Operações midiáticas e espetaculares, muitas vezes baseadas no vazamento seletivo de dados sigilosos de investigações em andamento, podem revelar a relação obscura entre autoridades estatais e imprensa. Afora isso, a cobertura televisiva do cumprimento de mandados de prisão, de busca e apreensão e de condução coercitiva – também utilizada indiscriminada e abusivamente, ao arrepio do art. 260 do Código de Processo Penal – redunda em pré-julgamento de investigados, além de violar seus direitos à intimidade, à privacidade e à imagem, também de matriz constitucional (CF, art. 5º, X). Não se trata de proteger possíveis criminosos da ação estatal, mas de respeitar as liberdades que foram duramente conquistadas para a consolidação de um Estado Democrático de Direito.
5. A história já demonstrou que o recrudescimento do direito penal e a relativização de garantias não previnem o cometimento de crimes. Basta notar que já somos o quarto país que mais encarcera no mundo, com mais de 600 mil presos, com índices de criminalidade que teimam em subir, ano após ano. É certo também que a esmagadora maioria dos atingidos pelo sistema penal ainda é proveniente das classes mais desfavorecidas da sociedade, as quais sofrerão, ainda mais, os efeitos perversos do desrespeito ao sistema de garantias fundamentais.
6. Neste contexto de risco à democracia, deve-se ser intransigente com a preservação das conquistas alcançadas, a fim de buscarmos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Em suma, como instituição incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, o Ministério Público brasileiro não há de compactuar com medidas contrárias a esses valores, independentemente de quem sejam seus destinatários, públicos ou anônimos, integrantes de quaisquer organizações, segmentos econômicos e partidos políticos. 
(Para continuar, clique AQUI).

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